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O nosso mundo está cada vez mais conectado e os cidadãos globais estão superando ou tentando superar as diferenças nacionais, sociais e linguísticas. Ao cruzar as fronteiras culturais, o idioma é a ferramenta mais importante a fim de realizar a compreensão mútua, ampliar as oportunidades de carreira e educação, fornecer a troca de idéias e informações e introduzir a beleza de outras culturas.

Nas experiências desses entrevistados, a língua foi o maior problema, e

Críticas extraídas em The Guardian, disponível em < https://www.theguardian.com/world/2015/oct/29/china-

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consequentemente, a chave principal de interação com os outros enquanto estavam na China. Sem o conhecimento ou a proficiência do mandarim, como a entrevistada G relatou, “eu queria me expressar mas na hora as coisas não saiam”, é difícil comunicar-se com as pessoas, apresentar sua identidade cultural e manter os laços interpessoais. Aprender o mandarim é como conhecer o sistema chinês cultural e social, com referências ao estilo de vida, à geografia, à história, às artes, à economia e às práticas socioculturais contemporâneas, incluindo dialetos regionais e diversidades, estilos de roupas e práticas culinárias dentro do país destinatário onde a língua é falada.

O escritor e filósofo alemão Johann Wolfgang von Goethe uma vez confirmou que “Aquele que não sabe nada de línguas estrangeiras, sabe nada sobre si” . A aprendizagem do 56

idioma local, tanto na minha própria experiência de mobilidade acadêmica fora da China quanto nos relatos desses entrevistados, é essencial e permite ao indivíduo expressar os seus sentimentos e pensamentos para os outos além de contribuir para a experiência de imersão cultural durante a estada no país destinatário. A língua pode ser uma fonte de muitos mal- entendidos especialmente quando a comunicação acontece devido às distintas diferenças culturais. O domínio da língua é crucial e possibilita que os sentimentos se transformem em palavras, caso as pessoas queiram compartilhar suas emoções, pedir ajuda ou descrever suas preocupações. Uma palavra pode ter mais de um significado e é desafiador para um aprendiz de uma língua estrangeira escolher a palavra certa para expressar o seu desejo ou a sua necessidade. O mandarim possui bastantes diferenças se comparando ao português em termos de pronúncia, escrita, gramática, formação de frases, entre outros. E o português não é uma língua amplamente falada e compreendida na China, e da mesma forma, no Brasil o mandarim é conhecido como uma das línguas mais distantes e difíceis.

As barreiras linguísticas dificultam o entendimento. Tanto do mandarim quanto do português, o processo de aprendizado de uma língua estrangeira é uma descoberta sobre a cultura e a linguagem de um local específico, com base nas comparações com as nossas próprias línguas e culturas. Ao realizar tais comparações, refletimos sobre as semelhanças e diferenças entre nossa língua materna e a língua estrangeira, exigindo o aprimoramento das nossas capacidades cognitivas. Muitas vezes, devido à falta da proficiência linguística, a

“Those who know nothing of foreign languages know nothing of their own.” Frase extraída do livro Maxims

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ignorância e o medo podem impedir o melhor aproveitamento da experiência no exterior. Em 2011, chamou muita atenção entre os falantes e aprendizes da língua chinesa uma música que foi elaborada pela banda de rock Transition, composta por três ingleses. A música se chama “Meu chinês não é bom” e conta os momentos constrangedores gerados pelo mal 57

entendimento ou uso errado do mandarim pelos estrangeiros que tentam falar essa língua. Como o mandarim tem quatro tons e quando muda o tom, modifica a palavra e/ou o significado, a banda relatou que uma vez eles queriam comprar dumplings - que se pronuncia shuǐ jiǎo com as duas palavras de terceiro tom, entretanto, em vez de pedir a comida eles falaram dormir - que se pronuncia shuì jiào com as duas palavras de quarto tom. Desse modo, as pessoas ficaram confusas ao escutar as falas deles, apesar de que no final eles conseguiram a comida e consideraram a experiência de errar palavras uma história interessante e uma aprendizagem rica. Casos como esse não foram raros para os aprendizes estrangeiros da língua chinesa. E os desconfortos causados pelos mal-entendidos variam muito. Dependendo dos usos e significados das palavras, muitas vezes o mal-entendido pode ofender as pessoas também. E no caso do português, por exemplo, o uso do vocabulário básico pode causar confusão: como na minha universidade (BISU) o estudo do português de Portugal era a parte principal do currículo, eu me acostumei a usar a palavra “rapariga” para referir ao que os brasileiros costumam chamar de “moça”, e a palavra “rapariga” possui outro significado no Brasil, por isso já sofri algumas ocasiões constrangedoras no início por falta do conhecimento do uso local da língua portuguesa.

Entretanto, a convivência com as pessoas nativas é uma aprendizagem enriquecedora para praticar a língua, adquirir conhecimento sobre os costumes do povo do país destinatário e compreender os aspectos mais profundos da cultura. Diferente de uma viagem turística curta, um intercâmbio de longo prazo permite que os estudantes mergulhem de fato nas maneiras diferentes de pensar e olhem para o mundo mediante o contato com as pessoas do cotidiano no país de destino. Pois, qualquer língua tem sua base de conhecimento distinto e a própria língua é a ferramenta direta para acessá-lo.

O domínio do mandarim contribuiu para satisfazer as necessidades emocionais e estabelecer boas relações com os chineses de acordo com as narrativas dos participantes. Ser

O nome da música traduzido pela autora dessa dissertação. O nome original é Wo De Zhong Wen Bu Hao (

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capaz de transmitir as suas mensagens - pensamento, emoção, desejo - para os outros entenderem possibilita que os estudantes brasileiros aproveitem melhor a sua estada, falem por si e divulguem a cultura brasileira na China. Ao mesmo tempo, a iniciativa de conversar com chineses em mandarim oferece oportunidades para muitos benefícios, tais como novas amizades, ganhos de descontos, respeito, conforto do cotidiano, entre outros, pois as palavras expressam o respeito e o interesse em comunicação e trocas desses brasileiros com os colegas, professores e vendedores chineses que já deram tratamentos diferentes ao escutar o mandarim (G, P, R). A língua introduz a trajetória do país e da cultura dos falantes nativos para os aprendizes. Sem o domínio do mandarim, os entrevistados teriam mais dificuldade de realizar todas as atividades que eles experimentaram durante o intercâmbio.

As palavras formam os pensamentos de um povo determinado e sem a comunicação fluida e o conhecimento da cultura local, o desempenho de raciocínio, a flexibilidade, a criatividade e a subjetividade são prejudicados. Com a proficiência em mandarim, os entrevistados conseguiram uma compreensão suficiente dessa língua o que facilitou o ato de usufruir da autonomia de experiências como comprar no mercado e online (G, P, R), mudar de casa (G, P, R, X), participar nas organizações estudantis com interesses comuns das universidades (P, R), namorar com pessoas de outra nacionalidade (L, R). Além disso, eles conseguiram também descrever uma China com o próprio entendimento vivenciado: o povo em geral receptivo (G, L, P, R, X), a falta de privacidade no apartamento alugado e no dormitório do campus (G, L, P), o ritmo intenso nas faculdades (G, P, R), a vergonha das mulheres chinesas em termos de sexo (G, P), entre outros. A conquista do mandarim não apenas possibilitou que os participantes aproveitassem mais profundamente seu intercâmbio, como também aumentou sua autoconfiança e valorizou seus esforços. A partir de um conhecimento completo da língua, todos esses entrevistados confirmaram que como o mundo fica mais interligado, é uma vantagem para enfrentar o cenário global equipado com a competência linguística. Podemos inferir que a falta de conhecimento de línguas estrangeiras, estreita o caminho de desenvolvimento e a visão do mundo dos universitários.

3 A VISÃO DE QUEM É ESTRANGEIRO(A) DEPOIS QUE RETORNA AO SEU PAÍS

Neste capítulo, continuarei a discutir sobre os tópicos emergidos das entrevistas: os chineses na visão dos brasileiros e a vida desses participantes depois do CsF. Na categoria os chineses na visão dos brasileiros, aponto as observações desses participantes sobre o povo chinês e as suas relações com os colegas, amigos, professores e namoradas/os chineses. Por último, na categoria a vida depois do CsF, os participantes argumentaram suas críticas sobre os problemas encontrados durante o intercâmbio, contaram as mudanças na vida pós-CsF e sintetizaram a influência de um programa de mobilidade acadêmica na perspectiva dos estudantes universitários.