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Um momento que me marcou durante as entrevistas foi quando os participantes compartilharam as suas observações sobre o povo chinês. Porque depois de dois anos de convivência com os chineses, os estudantes brasileiros conseguiram perceber a diversidade dentro desse povo oriental e não mais mencionaram apenas o estereótipo chinês. Eles apontaram diversos detalhes dos comportamentos e caraterísticas dos chineses e das chinesas, o qual eu como uma chinesa muitas vezes não reparava enquanto vivia na China. As conversas com eles me encorajaram a refletir sobre minha própria identidade e desenhar um retrato do chinês com outro olhar.

O chinês em geral é curioso, receptivo, disposto a ajudar os estrangeiros e sempre quer praticar inglês com os estrangeiros. O povo chinês tem uma curiosidade de “saber como é que é e começa a investigar” (P), e os estrangeiros foram investigados com perguntas tais como: “como que é o país; o que é que tu faz; o que tem de legal lá; que que é a diferença” (R). Tantas perguntas surpreenderam os brasileiros pois antes de chegar à China, eles já pensavam que esse povo ia ser muito fechado (R; G; X; P), porém essa curiosidade parece não corresponder com o famoso estereótipo. O chinês é receptivo, e um exemplo mais comum é brigar para tentar pagar a conta por todos. Eles “sempre querem levar para jantar e para pagar muita comida assim” (G) e “quando ele te convida para sair, ele tem costume de pagar tudo” (P). Embora tenha sido fechado e não tenha muito conhecimento sobre a cultura

brasileira, quando a G chegou à China, “o pessoal já começou a ajudar achar alojamento” e a entrevistada X também relatou, “Chinês, se tu parar na rua para pedir ajuda para alguém, qualquer pessoal vai te ajudar…em qualquer coisa que ele puder te ajudar, ele vai te ajudar”. Outra ênfase das observações desses participantes foi a ansiedade dos chineses em geral de praticar inglês com os estrangeiros, inclusive, isso, na visão dos brasileiros, revela um preconceito existente nos chineses de que todo estrangeiro fala inglês (R; G). De acordo com as descrições dos participantes, o povo chinês demonstra virtudes como a hospitalidade, cordialidade e solidariedade que enraízam na cultura chinesa milenar. De outro lado, ao longo do desenvolvimento socioeconômico e da aceleração da globalização, os chineses, mesmo com a reputação de ser um povo fechado, se manifestam com curiosidade sobre o que vem de fora e com uma necessidade de se inserir na comunidade global utilizando o inglês como veículo de comunicação. Percebemos que na visão dos chineses, a língua inglesa como língua franca está ligada intimamente com a busca da cidadania global. Por que o inglês se destacou sobre os chineses na visão dos participantes? Eles explicaram:

“O chinês que busca aprender inglês, ele já tem uma visão mais aberta assim. O chinês que fala inglês, tu consegue ter uma relação mais rápida com ele. Acho que o chinês dificulta um pouco” (L);

“Os [chineses] que moravam fora, eles eram mais flexíveis. Tinham uma maneira de resolver as coisas diferentes sabe. Eles tinham já, uma malícia diferente, um jeito de olhar as coisas e pensar de maneira diferente dos chineses normais” (P). À vista disso, a aprendizagem de línguas estrangeiras na China - mandarim e inglês, beneficia os alunos brasileiros a amplia os horizontes e olhar de maneiras diferentes para as suas vidas.

Além do povo chinês como um todo, os participantes do CsF também comentaram sobre a diversidade dentro desse coletivo na sociedade, sendo esses: as chinesas, namorados chineses, os universitários chineses, professores chineses e os colegas e amigos chineses.

Quanto à chinesa, a palavra-chave foi vergonha segundo os entrevistados. Embora a chinesa pareça mais receptiva (X), ela é “envergonhada” (P), alguns exemplos:

“Não imagino fazendo alguma piadinha em relação ao sexo… Talvez seja tabu essa questão [menstruação] assim e talvez lá não tenha movimento feminista” (G); “É difícil de tu tentar conversar mais [com a chinesa], já com um chinês às vezes ele consegue entender que era brincadeira e consegue interagir um pouco mais de boa… A chinesa é mais quieta. Eu diria assim, mais calma assim, mais quietinha assim” (P).

chinesas são multicamada e diversificadas. A concepção de gênero - diferente de concepção de sexo biológico - foi introduzida pela primeira vez para China em 1995, na Quarta Conferência das Nações Unidas sobre as Mulheres ocorrida em Pequim (XU, 2009). Devido da abertura dessa conferência, os intelectuais dos estudos femininos começaram a participar nas ONGs, desenvolvendo projetos e dialogando com intelectuais internacionais. Com o atraso de tocar nos tópicos relevantes em comparação com os países mais desenvolvidos, se tratando de questões de gênero, de equidade e de feminismo, os chineses ainda estão buscando soluções que se adaptam às circunstâncias chinesas via discussões dentro da China e com a comunidade internacional. Isso pode ser evidenciado pelo fato que não se pode fazer piada relacionada ao sexo com as chinesas, como a participante G relatou.

O estudo do feminismo é um resultado tanto da história da China quanto da interferência ocidental. Porém, o desenvolvimento dos movimentos feministas da China apresenta muito a particularidade sociopolítica chinesa (ANGELOFF, et al., 2012). A identidade feminina estabelece-se com base na realidade chinesa e exibe diferenças epistemológicas e culturais. Numa pesquisa comparativa sobre os jovens universitários brasileiros e chineses, os pesquisadores concluíram, “No universo investigado, as jovens brasileiras e chinesas são mais sensíveis às desigualdades de gênero, indicando a importância das recentes transformações observadas no acesso ao sistema escolar, assegurando maior participação das mulheres” (SPOSITO, et al., 2016, p. 261).

A desigualdade de gênero na China vem sofrendo a cultura patriarcal durante muitas dinastias. O acontecimento de incentivar as mulheres para trabalhar fora de casa e participar na produção social apenas ocorreu na governança do Partido Comunista da China (JI, et al., 2017, p. 767). E o direito de equidade para as mulheres apenas foi escrito pela primeira vez na constituição em 1954 (ANGELOFF, et al., 2012, p. 20). Não obstante, mesmo com o direito de trabalhar, o sistema de salário e benefício ainda não se sincronizam com o dos homens. Horas e horas de trabalho de casa ainda não é reconhecido como trabalho (JI, et al., 2017, p. 773), isso é semelhante com a situação no Brasil (LOPES, 2014).

Entretanto, apesar das heterogeneidades das realidades sino-brasileiras, as observações dos participantes do programa CsF podem oferecer uma oportunidade para os jovens de ambos países a pensar sobre as situações atuais das mulheres e a equidade de gênero. Como a filósofa e feminista argentina María Lugones (1987) aconselhou, podemos utilizar a técnica

de “world-travelling” a fim de compreender o mundo de outro, trocar experiência com os outros baseando na empatia, guardar memórias e divulgar o amor. Através da realização de “world-travelling”, os alunos podem aproveitar o conhecimento e a experiência para aprofundar sua formação de cidadania global.

Quanto ao relacionamento amoroso, os entrevistados mencionaram que o povo chinês não demonstra muito carinho no espaço público, por exemplo, o que os brasileiros repararam muito foi que os chineses não beijam muito na rua. E um dos participantes até teve experiência de namoro com chinesas. O entrevistado R contou uma situação constrangedora que ocorreu entre ele e as suas namoradas chinesas:

“Para a família chinesa aceitar um estrangeiro, em todos os casos, todas as que eu conheci lá, três meninas chinesas que eu me relacionei assim, a gente namorou um pouquinho. E nenhuma delas, a família delas podiam, só uma delas assim que a mãe dela sabia de mim assim. Que a gente tava namorando. Mas as outras não”.

Não obstante, segundo os outros entrevistados, foi mais frequente de ver brasileiros com namoradas chinesas durante o tempo de intercâmbio do que brasileiras com namorados chineses (G; L; P). Na perspectiva dos brasileiros, a causa desse fenômeno foi a cultura:

“Acho que o chinês ficava meio assustador [com estrangeira]… E a mulher [chinesa] que ela é fechada, tudo bem para homem. Mas na nossa cultura, o homem tem que começar, mostrar o interesse” (L);

“É que a mulher brasileira é diferente da mulher chinesa. Tem costumes diferentes. E a mulher, acho que mais por causa da cultura. Não sei te dizer o porquê. Brasileiro vai em cima até e, sabe. Os guris eles iam mais com essa vontade de ficar, as gurias não queriam. Acho que é por isso, acho que a mulher não, a brasileira não está nem aí. Os guris não, vamos ficar com chinesas e tudo mais, e investem mais” (P).

Vemos que, apesar de que existam diversas diferenças culturais, a sociedade tanto chinesa quanto brasileira impõe uma cultura passiva para as mulheres e encoraja os homens para assumir o comando da iniciativa de namoro. E as vivências desses participantes nos alertam que perante o amor, as mulheres podem e devem aprender tomar a iniciativa por si em vez de aguardar o homem a adotar medidas. Além de barreiras nas relações amorosas, as mulheres, pelo que eu observei aqui no Brasil, ainda carregam muito a manutenção de família nos ombros. Não obstante, na pesquisa cooperativa pelas professoras brasileiras Marília Pontes Sposito e Marilena Nakano junto com a professora universitária chinesa Chen Chen, as autoras argumentaram (2016, p. 236):

As mulheres jovens no Brasil situam a família como muito mais importante do que seus pares, os universitários. Essas diferenças talvez tenham sentido, também, no fato de as mulheres jovens ainda considerarem que o cuidado com seus pais e o seu bem- estar estejam no horizonte de seus valores, com maior intensidade do que os rapazes, exprimindo, ainda, diferenças de gênero nas relações familiares.

Além das convivências com os chineses no cotidiano, a vida universitária também foi um ponto forte nas experiências desses participantes do CsF. Para os brasileiros, os universitários chineses “não viviam” (R), porque “chegavam em casa, ficavam nos livros no caderno, escrevendo, decorando assim, enlouquecidamente” (R). O estilo chinês de estudo para os brasileiros foi “puxado” (P), entretanto, alguns participantes conseguiram aproveitar o jeito diferente de estudo, por exemplo o P adotou a maneira de estudo dos colegas chineses de ficar isolado estudando na biblioteca, segundo ele, “esse é um hábito fascinante”. As estudantes brasileiras relataram mais observações dos perfis e estilos de vida dos estudantes chineses nas universidades: “As pessoas que estavam na universidade na China, eram mais ingênuas, tipo do que as pessoas no Brasil… Meninas da universidade não saem para festa, não comemoram…Pessoal ficava muito no celular dentro da sala de aula” (G); “Os chineses não saem muito” (X); “A vida no dormitório era bem assim limitada assim” (L). O chinês é conhecido pelo mundo pelo seu estilo disciplinar até talvez um pouco quadrado de comportamento e pela sua longa jornada de estudo. Os estudantes universitários chineses na visão dos brasileiros encaixam muito bem nesse modelo de vida comportado.

Além disso, outros pesquisadores que investigaram especificamente sobre as atividades adotadas pelos universitários chineses e brasileiros afirmaram as diferenças nas escolhas de lazer pelos dois grupos de jovens. O diretor do Instituto de Pesquisa de Direito da Juventude e Infância da China do Centro de Pesquisa de Juventude e Infância da China Kaiyuan Guo junto com os seus colegas publicaram um capítulo analisando os valores que os universitários chineses e brasileiros possuem atualmente. Os resultados da pesquisa quantitativa constataram que durante o tempo livre, os brasileiros (60% dos alunos pesquisados) manifestaram mais interesse em sair - viajar, ir a festas, sair para conversar e entre outros (GUO, et al., 2016, p. 245), enquanto mais de metade dos alunos chineses, especialmente os homens escolheram ficar em casa acessando a internet como lazer principal (ibid, p. 227). Os autores também examinaram a relação de balancear o tempo para estudo e trabalho dos jovens universitários desses dois países (ibid, p. 199):

Na China, o sistema de Ensino Superior parece ser bem menos adaptado à realidade de um jovem trabalhador do que o brasileiro, e por ser mais exigente em termos de carga horária, diminui muito a possibilidade de os universitários chineses compatibilizarem estudo e trabalho, pelo menos os com cargas horárias mais extensas. Considerando todos os estudantes pesquisados, cerca de 92% dos jovens chineses afirmam estudar em turno integral, frente a apenas 23% dos brasileiros. No Brasil, a maior parte dos jovens universitários diz estudar em apenas um turno, especialmente no noturno (40%) e no matutino (35%).

No questionário desta dissertação (no item 1.5) os participantes já responderam sobre a carga horária semanal durante o intercâmbio na China que 50% deles passaram de 25 até 35 horas nas universidades. Além disso, nas entrevistas, os alunos brasileiros também afirmaram que poder estudar na China e aproveitar o tempo livre para realizar atividades que lhe interessam foi uma experiência muito “bacana” (X; L). Porque quando estavam no Brasil, eles sempre precisavam trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Assim, a realização desse intercâmbio auxiliou os participantes a experimentarem um ritmo diferente de vida universitária. Desse jeito, a formação desses alunos inclui um contexto cultural chinês, pelo qual a empatia acontece quando eles conseguem perceber as diferenças e as abraçam.

Ainda nas universidades chinesas, outro fator importante na aprendizagem dos brasileiros foi o professor. Quanto aos professores chineses, os participantes mencionaram principalmente a diferente relação professor-aluno entre a China e o Brasil. Em relação com o dever de casa, os professores chineses normalmente “davam (ZuoYe, dever de casa) gigantesco” (R), e quando os alunos brasileiros não faziam o trabalho, “ela (a professora) chegava enlouquecida, chegava e discutia, batia a boca, tem que fazer, tem que fazer” (P). No que concerne ao respeito nas relações com professores na China, os participantes relataram muitas diferenças:

“Tipo, então, por exemplo, tinha que pedir para ir no banheiro para, no meio da aula… Uma coisa mais distante do que a gente tem aqui. Não se brinca com o professor” (G);

“Os professores ficavam muito né, achavam tudo muito estranho no corredor os brasileiros se abraçavam… Aqui pelo menos as minhas aulas aqui a gente tem mais como uma troca de, de experiência. E aí lá, é muito professor, fala toda aula o professor né” (X).

Esses exemplos dados apresentaram que varia muito o sistema educacional entre os dois países, desde a dinâmica na aula até a quantidade do dever de casa. Numa sala de aula brasileira, os estudantes podem discutir com professores quando tiverem argumentos, enquanto na China, os estudantes preferem ficar calados e quando tiverem argumentação, precisam levantar a mão e esperar a permissão do professor. A disciplina é um elemento essencial nas classes na China. De um lado, a cultura na sala de aula chinesa demonstra mais respeito para os professores e auxilia a realização da atividade de ensino; de outro lado, restrições e regras rígidas impedem as discussões e a autonomia se desenvolverem.

chinesa, parece que fazer amizade com os colegas chineses se torna um pouco mais difícil para os brasileiros também. Perguntei sobre a situação na sala de aula com os colegas chineses, os participantes mencionaram que quase não tinham laços de amizade e eles deram algumas opniões sobre a causa disso:

“E com os colegas, eu não tive tipo amigos assim, chineses, bem pouco contato. Mas eu tive contato mas não assim muito profundo, não assim de, que nem eu tenho com os brasileiros aqui… Os interesses são diferentes. Aí a gente não consegue criar um vínculo. Tipo eram visões muito diferentes eu acho de mundo assim, não sei, de assuntos” (G);

“Mas com colegas chineses era mais difícil né. Os meus colegas chineses quase ninguém sentava perto de mim. Se eles tinham medo, ou sei lá, receio de conversar. Ninguém se aproximava muito de ninguém, ninguém sentava muito perto… Eu acho que era o jeito deles, daí, eu respeitei então o espaço deles” (X).

O que seria o jeito dos universitários chineses em relação de fazer amizades? E onde os brasileiros acostumam conhecer novos amigos? Algumas respostas podemos encontrar na leitura de outras pesquisas. De acordo com a pesquisa cooperativa das professoras brasileiras Marília Pontes Sposito e Marilena Nakano junto com a professora universitária chinesa Chen Chen, os universitários chineses prestam mais atenção à participação em grupos estudantis dentro da universidade como meio de conhecer amigos, por exemplo, “união de estudantes, bandas de música, grupos de dança, grupos de mesmo interesse (hobbies), uniões de pessoas da mesma origem, encontros de alunos da mesma especialização, do mesmo ano de curso” (SPOSITO, et al., 2016, p. 241).

Além disso, com a ampla utilização da tecnologia, os chineses aproveitam também as redes sociais para aumentar o círculo social dentro desses grupos estudantis (ibid., 2016, p. 241). Entretanto, no Brasil, não é comum encontrar com esse tipo de organização nas universidades, por isso, na pesquisa dessas autoras os brasileiros não o consideram como uma alternativa de desenvolver amizade. No entanto, os brasileiros também possuem certo jeito de conhecer novos amigos que os chineses não se acostumam, por exemplo, “no Brasil, 17,9% das jovens e 12,0% dos jovens fazem amigos na igreja; escolha praticamente inexistente entre os estudantes chineses” (ibid., p. 241). Em relação à religião, os autores chineses Kaiyuan Guo,Shoujian Yang,Chen Chen ePeng Wang (2016, p. 228) demonstraram o resultado da pesquisa:

Há uma nítida diferença ao se tratar da religião. Entre os universitários chineses, somente 14,6% possuem religião. Vale ressaltar que na maior parte a crença é direcionada ao budismo (57,6%), seguido do cristianismo (29%), do islamismo (6,5%) e do taoismo (2,9%). Já entre os universitários brasileiros, 75,7% deles possuem religião. Dos universitários brasileiros 56,2% são católicos e 17% são protestantes.

Visto que o contexto socioeconômico, histórico e cultural representa muitas diferenças entre o Brasil e a China, os jovens universitários se comportam de jeitos distintos e apresentam sua particularidade aos seus pares estrangeiros. Podemos concluir que ter interesse em comum é um dos fatores mais importantes em fazer amizade para os universitários chineses e brasileiros. Devido à diferença cultural muito ampla, muitas vezes os jovens chineses não se divertem com as diversões que os brasileiros gostam nem adotam mesma estratégia em ação, e vice-versa.

3.2 A Vida Sem Fronteiras - depois da China, eu posso me adaptar em qualquer outro