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HOSPITAL DA RESTAURAÇÃO

3.3. OS LIMITES DO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Neste trabalho, identificamos o que os profissionais pensam acerca do SGD, se este está garantindo direitos e de como este sistema vem respondendo às

necessidades das crianças e dos adolescentes com os direitos violados, em especial os que são vítimas de violência doméstica sexual.

Os conselheiros tutelares reconhecem que o ECA bem como o SGD são uma grande evolução no âmbito dos direitos e deveres das crianças e dos adolescentes, que no geral contribuem para o alcance de alguns resultados positivos. Porém, não souberam explicitar que resultados são esses. Sabemos que na verdade há ações efetivas, porém, no que tange ao atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, o SGD é pouco eficaz na sua intervenção.

Afirmaram que o SGD funciona no sentido de haver os órgãos e os profissionais com suas atribuições e atividades, e alguns receberem os casos, ou seja, há a existência bem como funcionamento das instituições. Porém, este funcionamento se dá com muitos problemas e muitas dificuldades, especialmente na falta de estrutura, de equipamentos suficientes, na alta demanda para poucos profissionais, na baixa capacitação destes profissionais, na articulação e nos encaminhamentos dos casos, nas atuações e nos atendimentos isolados, com muitos serviços precários e sem eficácia (o que também se apresenta como violação de direitos, ao invés de promovê-los e defendê-los).

Os próprios conselheiros tutelares reconhecem que há muitas dificuldades em várias áreas, sobretudo nas situações que envolvem vítimas de violência e atendimentos através das medidas socioeducativas. Alguns casos têm atuação e intervenção, outros não.

Embora tenha havido alguns avanços, no geral, os encaminhamentos, a atuação e a articulação ainda são frágeis. Em alguns casos conseguem intervir conforme o ECA prevê, obtêm apoio do Ministério Público bem como da GPCA, mas ainda são atuações tímidas, em poucos casos.

Ressaltando que criança e adolescente devem ser prioridade também na proposta orçamentária, mas isso não é realidade atualmente. Com muita dificuldade, e sem conseguir atender a 100% da demanda é que os órgãos protetivos funcionam.

Já no Cendhec, o educador social entrevistado reconhece que o SGD funciona em algumas questões, mas é falho no atendimento à vítima de abuso sexual. Logo, nem sempre o SGD consegue atuar e funcionar em consonância com o que é proposto, embora o mesmo seja fundamental para garantir a proteção da criança e do adolescente, mas essa garantia se dá em meio a muitos limites e entraves institucionais.

O educador afirma que o SGD se materializa a partir de uma rede de atendimento, funciona em alguns processos, apenas em algumas situações é que há a atuação do SGD, com o restabelecimento do direito da criança e adolescente. Porém, falha em outros processos, não conseguindo atuar nos casos de violação de direitos.

No Juizado, a assistente social entrevistada declarou que os órgãos do SGD precisam assumir sua responsabilidade dentro do próprio sistema, no que diz respeito ao atendimento e a intervenção nos casos. Tal sistema precisa se fortalecer e estruturar seus serviços, pois é bastante falho em várias áreas.

Já na GPCA, a assistente social entrevistada afirmou que o SGD funciona em algumas situações, mas que na maioria das vezes é falho, com atuação incompleta, especialmente no que diz respeito aos casos de direitos violados de crianças e adolescentes, pois além de trabalharem no sentido de punir o agressor, precisam restabelecer e garantir os direitos da criança e do adolescente.

O SGD, no seu eixo da defesa, deve ser acionado toda vez que a criança e o adolescente encontram-se em situação de ameaça ou violação dos seus direitos. A responsabilidade dos profissionais do SGD é de atuar com o objetivo de fazer cessar a situação de ameaça ou violação dos direitos, bem como responsabilizar o agressor através da aplicação das punições previstas em lei. O respaldo legal é importante, mas na realidade, identificamos essa atuação em meio a muitos entraves e limites.

Podemos perceber que os profissionais são unânimes em reconhecer que o SGD atualmente não está garantindo direitos, especialmente às vítimas de violência sexual. Os profissionais têm inúmeras dificuldades em atuar. As instâncias responsáveis precisam investir mais recursos financeiros nas políticas sociais voltadas para a infância e juventude, precisam aumentar a quantidade de profissionais, estes precisam se capacitar continuamente, ações de prevenção precisam ser efetivadas a fim de diminuir a incidência de violência, os órgãos precisam ser melhor estruturados, o SGD necessita ser fortalecido em suas ações e as instituições precisam se articular entre si.

Essa falta de articulação e de seguimento dos casos através dos encaminhamentos realizados pode provocar a reincidência da criança e/ou adolescente na instituição por necessidade de novo atendimento em decorrência de ter sofrido violência novamente, mesmo sua situação já presente nos órgãos

competentes do SGD, com alguns atendimentos já iniciados, porém, pouco efetivos e muitas vezes não concluídos.

É o que ocorre no Hospital da Restauração e que foi um dos motivos que nos inquietou e nos provocou para o estudo desta temática. Podemos ter uma noção desta realidade através do seguinte gráfico:

Gráfico 2 - Casos de violência contra crianças e adolescentes reincidentes no Hospital da Restauração, Recife, 2007-2011

Fonte: Epi info/Serviço Social/Hospital da Restauração (2012)

Anualmente o Serviço Social do Hospital da Restauração se depara com alguns casos reincidentes no próprio hospital. Em cinco anos, foi um total de 56 casos reincidentes. Situação de crianças e de adolescentes vítimas de violência, que já receberam o atendimento médico e que já tem seu caso nos órgãos competentes do SGD. Esses dados denotam que o SGD não tem atuado de forma a enfrentar e nem cessar a violência sofrida por muitas crianças e muitos adolescentes na cidade do Recife.

Partimos do pressuposto de que, se o Hospital da Restauração encaminha os casos de violência atendidos para os órgãos competentes do SGD, e que, com algum tempo, a criança ou o adolescente, vítima de violência retorna ao Hospital, para atendimento médico em decorrência de ter sido vítima novamente de violência, podemos supor que estes órgãos não estão atuando de forma efetiva para dar

enfrentamento às situações de violência, nem em conformidade com o estabelecido nas legislações.

Os dados de casos reincidentes se tornam um indicativo de que o SGD não tem efetividade em suas ações, pelo menos no que se refere aos casos de crianças e de adolescentes vítimas de violência.

Faz-se necessário, em tempos de violência, maus-tratos, pobreza, exploração sexual, falta de acesso aos direitos básicos como alimentação, saúde e educação, que o SDG se torne operante, viabilizando a implementação real do ECA, o que sem dúvida irá fazer diferença para milhões de crianças e adolescentes brasileiros. Ressaltando que o SGD precisa operar também na prevenção e promoção dos direitos, não só na defesa dos direitos violados.

Diante do exposto, parece clara a importância do fortalecimento do SGD, mas sua efetivação depende de vários fatores, devido à amplitude das suas ações, do grande número de crianças e adolescentes que precisam de atendimento, bem como dos profissionais envolvidos, com abrangência nacional. Fatores como efetivação da prioridade absoluta de crianças e adolescentes no orçamento público bem como no atendimento das suas necessidades precisam ser viabilizados.

Fica demonstrado que é através da atuação coordenada, articulada e integrada dos diversos órgãos, autoridades e entidades governamentais e não- governamentais, que se poderá tirar o máximo proveito das potencialidades de cada um, fazendo com que os problemas identificados recebam o devido atendimento interinstitucional e interdisciplinar, sem que isto implique numa superposição de ações isoladas, desconexas e ineficazes, e/ou numa transferência de responsabilidade, como muitas vezes se vê acontecer.

Verifica-se que, mesmo diante de muitas ações e estratégias já formuladas e algumas implementadas, ainda tem-se muito a construir, perante uma sociedade adultocêntrica e patriarcal, que não enxerga a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, embora alguns passos já tenham sido dados para este reconhecimento.

Ao lidar com a realidade, no seu desvelamento e na sua intervenção, é fundamental que os profissionais atuantes do SGD ocupem espaços que fomentem discussões e debates acerca do tema, que elenquem estratégias e alternativas de enfrentamento e prevenção da violência.