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Parte II –Temas desenvolvidos

Projeto 1: Polimedicação no idoso e o Uso Responsável do Medicamento

2. Introdução teórica

2.2 Os medicamentos e o envelhecimento

Os doentes geriátricos são muito mais suscetíveis a interações medicamentosas e aos efeitos secundários dos medicamentos. Para além da maior prevalência das patologias crónicas que implicam o uso de vários medicamentos em simultâneo, o processo de envelhecimento conduz a alterações fisiológicas que afetam tanto a farmacocinética como a farmacodinâmica dos medicamentos[33], fazendo com que o organismo lide de maneira diferente com os medicamentos[34].

A farmacocinética engloba a absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos fármacos, processos que determinam a eficácia terapêutica, a duração do efeito e a quantidade de fármaco disponível, entre outros[33], [34]. Relativamente à absorção, isto é, a passagem do fármaco para a corrente sanguínea[34], apesar do envelhecimento não parecer ter muita influencia neste processo, dentro das alterações fisiológicas mais observadas que podem condicionar este passo, fazem parte a diminuição da produção de saliva[35], da secreção ácida do estômago, da mobilidade gastrointestinal e da superfície de absorção e o aumento do tempo de esvaziamento gástrico[36].

Com a idade, a água corporal total diminui 10 a 15%, e a massa gorda corporal aumenta 20 a 40%[37]. Tal contribui para a alteração do processo de distribuição dos fármacos. Assim, a diminuição do volume de água corporal nos idosos reduz o volume de distribuição dos fármacos hidrofílicos, o que aumenta a concentração plasmática dos mesmos e o correspondente risco de toxicidade[38]. Por outro lado, o volume de

24 distribuição dos fármacos lipofílicos aumenta com o aumento da massa gorda, aumentando, neste caso, o tempo de semivida destes fármacos[31].

Relativamente ao metabolismo, ou biotransformação, o avançar da idade está associado à diminuição do tamanho do fígado, que reduz 15 a 30%[39], da perfusão sanguínea hepática, que reduz até 40%[37] e da capacidade de regeneração do fígado e de enzimas metabólicas[40]. Sendo o fígado o principal órgão de metabolização de muitos fármacos, tais factos contribuem para que fármacos que efetuem metabolização hepática, a tenham comprometida, levando a alterações na excreção dos fármacos e na eficácia da terapêutica, aumentando a biodisponibilidade dos fármacos e ainda podendo afetar a ativação de alguns pró-fármacos[40].

É também frequente, com o decorrer da idade, a principal via de eliminação dos fármacos, a excreção renal, se alterar. A diminuição da filtração glomerular, a diminuição do fluxo sanguíneo, e a existência de comorbilidades como a hipertensão, diabetes e a aterosclerose, contribuem para o comprometimento da função renal[41]. Esta é considerada, segundo alguns autores, a principal alteração farmacocinética associada à idade. Tendo em conta que a maioria dos fármacos, e respetivos metabolitos, utilizam o rim como via de eliminação, é necessário estudar a função renal do doente, de modo a ajustar a posologia do medicamento e a diminuir a probabilidade de acumulação do fármaco e a ocorrência de efeitos adversos[41].

A farmacodinâmica corresponde aos processos que estão envolvidos e que decorrem da ligação fármaco-recetor e encontra-se alterada com o decorrer da idade.

Segundo alguns autores, a eficácia terapêutica é tanto maior quanto maior o número de recetores funcionais no órgão-alvo e a capacidade de resposta das células aquando da ligação fármaco-recetor, estando ainda dependente dos processos de contra regulação que visam a preservação do equilíbrio homeostático[39].

Estudos revelam que o envelhecimento está associado à redução da expressão de recetores, como são exemplos os recetores colinérgicos, dopaminérgicos e

β

- adrenérgicos. Ora, tal facto, contribui para o aumento da sensibilidade do organismo ao efeito de certos fármacos, aumentando, assim, as reações adversas dos mesmos.[4]

O doente idoso é portanto um doente especial, com um maior risco de responder negativamente aos efeitos terapêuticos dos medicamentos. Este risco é tanto maior quanto maior for o número de fármacos consumidos, o tempo de utilização dos mesmos e a dose prescrita[33].

Assim sendo, torna-se crucial o ajuste da terapêutica e da prescrição individualizada, que devem ser sempre o mais rigorosas possível, tendo em conta as particularidades físicas, fisiológicas e até mesmo psicológicas do individuo, de modo a que os riscos terapêuticos não superem os benefícios[34].

25 2.3 Adesão à Terapêutica

Para além das reações adversas e das interações medicamentosas, a não adesão à terapêutica apresenta-se como outra consequência da polimedicação, estando igualmente relacionada com as comorbilidades[42].

A não adesão à terapêutica pode ser classificada em dois tipos. A intencional, muito relacionada com a motivação do paciente, e que ocorre quando este não segue a prescrição por não acreditar na eficácia do tratamento, por recear os efeitos adversos, ou simplesmente por não lhe ser conveniente. E a não adesão não intencional que ocorre quando o doente quer seguir a prescrição mas vê limitado o seu cumprimento, quer por falta de recursos que permitam o acesso aos medicamentos, quer por falta de capacidades físicas ou psicológicas[26], [43]. Este último tipo de não adesão à terapêutica pode ser contornado com muito mais facilidade. A primeira depende unicamente do doente[26].

A não adesão à terapêutica parece ter uma maior prevalência nos idosos. A maior disposição a doenças crónicas vem muitas vezes acompanhada de tratamentos crónicos ou de longa duração, com indicações terapêuticas por vezes de difícil compreensão e que exigem ao doente a mudança de algumas rotinas quotidianas, o que pode despoletar a falta de adesão da terapêutica destes doentes[44], [45].

É possível comprovar, através de estudos efetuados, que 50% a 80% dos utentes com várias doenças crónicas em simultâneo não aderem à terapêutica prescrita[26].

Para além disso, a quantidade de medicamentos administrados diariamente, a dosagem e número de tomas elevadas, o desconforto provocado em cada toma, a complexidade e falta de compreensão do respetivo esquema posológico, a dificuldade na toma da medicação (má deglutição), o receio dos efeitos adversos que possam surgir, o isolamento social ou a distância às unidades prestadoras de cuidados de saúde, a diminuição de algumas faculdades como a perda progressiva de memória, da capacidade cognitiva, da falta de mobilidade, de eventuais problemas psíquicos ou outras incapacidades que acabam por restringir o acesso do doente à medicação, entre outros, são vistos como entraves no cumprimento da terapêutica prescrita[45]–[48].

Os fatores socioeconómicos são também uma condicionante de elevado grau de importância no que toca ao nível de adesão dos doentes. A falta de recursos financeiros impede a compra do medicamento, impossibilitando o doente de prosseguir ou até mesmo começar o tratamento[45].

Apesar disto, o abandono da terapêutica e a não aplicação do regime posológico não constituem o único exemplo de comportamento de má adesão[45]. A excessiva

26 utilização da medicação e a automedicação, ou seja, o ato pelo qual o utente decide usar um medicamento por iniciativa própria ou por influência de terceiros[49], constituem igualmente dois comportamentos de má adesão, com maior risco de ocorrência de toxicidade e multiplicação de reações adversas[45].

A falta de adesão à terapêutica é ainda responsável por aproximadamente 48% de mortes por asma, pelo aumento de 80% do risco de morte por diabetes e por aumentar 3.8 vezes mais o risco de morte por ataque cardíaco[50].

Para além das consequências nocivas na Saúde Pública, como a progressão da doença, o aumento da morbilidade e a diminuição da qualidade de vida, a não adesão à terapêutica apresenta-se como um facto preocupante no que diz respeito aos custos dos cuidados de prestação de saúde, sendo o abandono da terapêutica e o consumo incorreto dos medicamentos, uma das principais fontes de desperdício nesta área[51].

Segundo as Recomendações da Ordem dos Farmacêuticos, ‘’a não-adesão à terapêutica ocorre quando os doentes não tomam os seus medicamentos de forma correta, parcial ou totalmente, resultando em complicações evitáveis e onerosas, frequentemente mais caras que os medicamentos em si, e que podem comprometer os resultados em saúde.’[52]. Estima-se ainda que esta problemática acresce à União Europeia uma despesa de 125 mil milhões de euros anuais[26] e que a otimização do uso do medicamento, segundo estudo realizado pela IMS Health, permitiria poupar em todo o mundo, aproximadamente 370 mil milhões de euros anuais[52]. Um facto que dá muito que pensar e que requer a criação de medidas de implementação do uso responsável do medicamento, de forma a maximizar a adesão à terapêutica, a aumentar a segurança e eficácia do tratamento e a diminuir e racionalizar os desperdícios e os custos, respetivamente[52].

3. Métodos

3.1 Inquérito

De forma a poder avaliar a adesão de utentes crónicos à terapêutica, elaborei um questionário (anexo 5), que foi preenchido pelos utentes que frequentam a Farmácia Vitória. Este inquérito, composto por questões de fácil compreensão e de resposta direta, foi realizado apenas durante 15 dias, pelo que só teve uma amostragem de 22 pessoas. Neste inquérito, procurei avaliar o género, a faixa etária, as habilitações literárias, o número de medicamentos tomados em média por dia, as reações adversas sentidas ao tomar a medicação, o nível de adesão à terapêutica, a frequência com que o utente se esquece de tomar a medicação e o que este faz quando essa situação acontece, os maiores problemas na administração de medicamentos, o uso de receita

27 médica na compra de MSRM, se o utente já deixou de comprar medicamentos por falta de condições monetária e a quem é que este recorre quando surgem dúvidas acerca do esquema terapêutico.

3.1.2 Resultados

Os resultados do inquérito realizado estão graficamente representados no anexo 6, onde passo de seguida a comentar:

Questão 1- Género:

Este inquérito foi maioritariamente respondido por indivíduos do sexo feminino (n=12), correspondendo a 55% da amostragem.

Questão 2- Faixa Etária:

Dos 22 utentes participantes neste questionário, 37% dos inquiridos (n=8) tinham uma idade superior a 70 anos, correspondendo à maioria dos inquiridos, 27% (n=6) tinham uma idade entre os 61 e os 70 anos e 9% (n=2) tanto entre os 51 e os 60 anos, os 41 e os 50 anos, os 31 e os 40 anos e os 21 e 30 anos.

Questão 3- Grau de Habilitações Literárias:

Quanto ao grau de habilitações literárias, 36.4% (n=8) dos utentes possuem o 1º ciclo, 22,7% (n=5) dizem ter o 2º ciclo, sendo esta mesma percentagem a correspondente aos utentes que possuem o ensino secundário (n=5) e 4.5% dos utentes (n=1) refere ter o 3º ciclo. Quanto à licenciatura e mestrado integrado, 9.1% dos utentes (n=2) são licenciados e 4.5% refere ter efetuado um mestrado integrado. Com isto, conseguimos perceber que dentro da pequena amostragem estudada (n=22), a esmagadora maioria corresponde a utentes com baixo nível académico.

Questão 4- Quantos medicamentos toma em média por dia?

Quanto ao número de medicamentos que cada utente toma diariamente, 45% dos utentes (n=10) referiu tomar 5 a 9 medicamentos por dia, 9 % (n=2) referiu tomar mais de 9 comprimidos por dia, 23% (n=5) referiu tomar 4 a 5 medicamentos por dia, 14% (n=3) referiu tomar 2 a 4 medicamentos por dia e 9% (n=2) referiu tomar 1 a 2 comprimidos por dia. Estão inseridos no conceito de polimedicação, utilizado neste trabalho, os utentes que consomem mais de 5 medicamentos em simultâneo (n=12). Destes, 50% (n=6) têm mais de 70 anos, 34% (n=4) têm entre 61 e 70 anos e 8% (n=1)

28 têm uma idade entre os 51-60, a mesma percentagem para a idade compreendia entre os 41 e os 60 anos.

Questão 5 - Já sentiu alguma reação diferente do normal ao tomar a medicação?

Quanto às reações adversas sentidas pelos inquiridos, 59% dos utentes (n=13) refere nunca se ter apercebido de qualquer tipo de efeito secundário, 14% (n=3) refere já ter tipo como sintoma a xerostomia, a mesma percentagem para os utentes que referem terem tido náuseas como efeito adverso, 9% (n=2) refere falta de apetite aquando a toma da medicação e 4% (n=1) refere a diarreia como reação adversa. No entanto, no que toca aos polimedicados, 75% dos inqueridos (n=9), não sentem qualquer tipo de reação adversa ao tratamento.

Questão 6 - Costuma cumprir a terapêutica?

Este campo avalia se os utentes costumam ou não cumprir a terapêutica e obteve resultados bastante positivos, visto que 95% dos inquiridos (n=21) revelaram cumprir a terapêutica, dos quais 92% correspondem a utentes polimedicados (n=11). Apenas um utente revelou não cumprir a terapêutica na integra, sendo este um individuo polimedicado.

Questão 7 e 8 - Já deixou de tomar a medicação autonomamente/por esquecimento? O que faz quando se esquece de tomar a medicação?

Esta questão também obteve resultados deveras positivos, 86% dos inquiridos (n=19) revelou nunca se esquecer de tomar a medicação, dos quais 10 são utentes polimedicados, correspondendo a 83% dos indivíduos polimedicados; 14% dos inquiridos (n=3) revelou já se ter esquecido de tomar a medicação algumas vezes, dos quais apenas dois inquiridos eram polimedicados. Quanto ao que faz o utente aquando esquecimento das tomas, 82% dos utentes (n=18) continuaram a responder que nunca se tinha esquecido de tomar a medicação; 14% (n=3) revelou tomar a dose seguinte na altura correta e 4% (n=1) revelou que toma a medicação assim que se lembrar, continuando a terapêutica normalmente.

Questão 9 - Que problemas vê na administração dos medicamentos? Quanto aos problemas que os utentes vêem na administração de medicamentos, 36% dos inquiridos (n=8) revelaram a existência de reações adversas, 27% (n=6) indicaram as dificuldades económicas, 18% (n=4) a quantidade diária de medicamentos a serem administrados, 14% (n=3) as dificuldades na deglutição e 5% (n=1) a não

29 efetividade do medicamento. É ainda importante referir que nenhum inquirido revelou a automedicação como um problema na administração de medicamentos.

Questão 10 - De 0 a 10, sendo 0 o grau mais baixo e 10 o mais elevado, como classifica a sua adesão à terapêutica?

Relativamente a esta questão, os dados foram novamente bastante positivos, com 29% dos inquiridos (n=6) a classificarem a sua adesão à terapêutica com um 10 (valor máximo), 48% dos inquiridos (n=10) a classificarem a sua adesão à terapêutica com um 9, 14% dos inquiridos (n=3) a classificarem a adesão com um 8 e 9% (n=2) com um 7.

Questão 11 - Sempre que necessita de mais medicação apresenta receita médica?

Quando questionados se apresentam sempre receita médica quando necessitam de comprar mais medicação para continuar a terapêutica, 82% dos inquiridos (n=18) revelaram que sim, enquanto que 18% (n=4) revelaram que nem sempre apresentam receita médica.

Questão 12 - Já deixou de tomar medicação por não ter condições monetárias para o comprar?

Relativamente a esta questão, 77% dos inquiridos (n=17) revelaram nunca terem interrompido a terapêutica por razões de carência económica, enquanto que 23% dos inquiridos (n=5) revelaram que essa situação já aconteceu.

Questão 13 - Quando tem dúvidas sobre o esquema terapêutico a quem é que recorre?

Quanto a esta questão, 59% dos inquiridos (n=13) revelaram que recorrem à farmácia quando possuem dúvidas acerca do esquema terapêutico, 27% (n=6) dizem recorrer aos serviços de saúde e 14% (n=3) preferem recorrer a amigos/familiares.

3.2 Panfleto

À medida que as pessoas respondiam ao inquérito, e de modo a alertar a população para a importância do uso racional do medicamento, foi, tal como referido anteriormente, distribuído um panfleto (anexo 7) sobre esta temática.

30 4. Conclusão

O farmacêutico, sendo o último interveniente na dispensa do medicamento, deve ter a promoção do uso responsável do medicamento, junto ao utente, como uma prioridade.

Como verificamos, o uso correto do medicamento tem influências, tanto na melhoria da qualidade de vida, como no aumento da esperança de vida e dos ganhos socioeconómicos dos sistemas de saúde, como na diminuição da mortalidade[53]. Garantir o acesso ao medicamento a todos os cidadãos revelou ser um desafio emergente da atualidade, e que só é possível otimizando o seu uso. Os idosos, dada a maior predisposição à toma de muitos medicamentos em simultâneo, têm maior dificuldade no cumprimento da terapêutica, acabando muitas vezes por trocar medicação, confundir as tomas ou até desistir da mesma, quer por esquecimento, quer por vontade própria. Tendo verificado algumas destas situações ao longo do estágio na Farmácia Vitória, decidi elaborar o inquérito previamente comentado no ponto 3.1.2, cujos resultados, apesar de não serem significantes dada a pequena amostragem, foram deveras interessantes. Pude então inferir que 54% da população em estudo estava polimedicada e que esta era maioritariamente composta por idosos com baixo grau de literacia (primeiro ciclo). No entanto, e apesar da polimedicação aumentar a probabilidade de existência de efeitos secundários, a maioria da população inquirida não refere isso. No que toca à adesão à terapêutica, a maioria da população estudada revela ser capaz de tomar a sua medicação corretamente e com rigor, apresentando receita médica quando necessita de adquirir mais medicamentos. Relativamente à influência financeira na compra de medicação, contrariamente ao que era esperado, a maioria revela nunca ter deixado de cumprir a terapêutica por esta razão.

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