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2.3. Infância uma construção social?

2.3.4. Os meios de Comunicação

Sem perder de vista as instituições de socialização, como afirmado inicialmente, os meios de comunicação de massa são considerados agências socializadoras e, assim como as outras, promovem acepções sobre infância, bem como propagam valores e/ou modos de conduta. Martín-Barbero (2009) afirma que a cultura, entendida enquanto “códigos de conduta de um grupo”, constituída na socialização, passa por profundas alterações.

[…] o processo de socialização está se transformando pela raiz ao trocar o lugar desde o qual se mudam os estilos de vida. “Hoje essa função mediadora é realizada pelos meios de comunicação de massa”. Nem a família, nem a escola – velhos redutos de ideologia – são o espaço-chave da socialização, “os mentores da nova conduta são os filmes, a televisão, a publicidade”, que começam transformando os modos de vestir e terminam provocando uma metamorfose dos aspectos morais mais profundos (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 66).

Tal posicionamento nos leva a reconhecer os “domínios” dos meios de comunicação de massa, que estão ganhando espaço no processo de socialização, alimentando modos e valores, porque os meios de comunicação de massa (televisão, rádio etc.), maciçamente presentes nas casas dos brasileiros, disseminam diariamente ideias sobre comportamento, estética, valores, entre outras coisas.

unicamente, para os modos de ser e estar. Conforme Manuela Ferreira, da Universidade do Minho (Portugal), eles ajudam na construção de visões sobre infância.

Descrevendo situações em tempos e espaços mais longínquos ou próximos do (nosso) contexto actual, a presença de crianças no cinema confere-lhes uma especificidade, uma força visual, um poder imaginário que as (re) inventa, ora na transcendência de versões idealizadas da sua inocência, capazes de transformar o conteúdo real, ora na de perigosos “mutantes” que revelam uma natureza cruel e bestial, insolente e perversa, ora na de “adultos” à força que assim denunciam a sua condição de vítimas da História […] (FERREIRA, 1999, p. 155).

As ideias de Ferreira estão associadas à convivência das crianças com as mídias como, por exemplo, a televisão, o rádio e o computador. As pesquisas centradas nos usos e/ou gratificações mídias, causaram, durante muitos anos, discussões acirradas sobre os malefícios ou benefícios que elas provocam na vida das crianças, gerando duas teses: a morte da infância e a proclamação da infância.

Pesquisadores ligados à Psicologia, como Elkind (1981) e Marie Winn (1984), em suas respectivas obras, analisadas por Buckingham (2007), apontam que o contato intenso das crianças com os conteúdos midiáticos promovem a aceleração da infância. A exposição das crianças aos conteúdos de violência, atividade sexual precoce as impele a lidar com assuntos para os quais não estão prontas. As crianças, desde muito cedo, afirma Elkind (1981 apud BUCKINGHAM, 2007, p.39), são vestidas por suas famílias com “[...] fantasias” de adultos em miniatura. Essa exposição e as atitudes dos adultos apressam e forçam as crianças “a assumir a parafernália física, psicológica e social da idade adulta, antes de estarem prontas para lidar com isso”.

Marie Winn (1984 apud BUCKINGHAM, 2007) acrescenta que há perda de controle, ou seja, permissividade. Um verdadeiro declínio na supervisão das crianças, as quais assumem “autonomia” para vivenciar conteúdos da vida adulta. As crianças têm aparência, fala e comportamento muito pouco infantis. Os argumentos denunciam que os pais permitem que todos os tipos de conteúdos das mídias cheguem às crianças. Assim, a mídia, em parte, torna-se culpabilizada pelas transformações que têm ocorrido com o status da infância, produzindo a morte da infância. Dessa discussão emanam lamentações, do mundo adulto, referentes ao desaparecimento da infância em decorrência das mídias.

O contato intenso das crianças com a televisão traz outra preocupação para o mundo adulto, porque, entre um programa e outro, as redes televisivas veiculam propagandas, desenvolvidas com base em pesquisas e teorias científicas sobre o funcionamento dos sentidos, para

atrair, envolver e desenvolver, plenamente, os desejos das crianças (SANTAELLA, 2003).

Considerando que a cultura da infância é difundida, também, pelos brinquedos, Brougère (2004), ao analisar a relação infância, brinquedo, televisão, afirma que os brinquedos se constituem em mercadoria para o público infantil. Para o autor, a indústria de brinquedos é fortalecida pelo fenômeno televisivo e, como possível explicação, ressalta a necessidade de financiamento da televisão. Ela se mantém com a veiculação de comerciais que são exibidos nos intervalos dos programas e entre o início e término deles. O autor sustenta que a indústria da propaganda e produtores de brinquedos buscam conhecer a infância para produzir artefatos que lhes despertem prazer, emoção, excitação, consumo, quer dizer, sentimentos e atitudes que as enrede na rede de consumo de produtos e da produção televisiva e/ou cinematográfica.

Os personagens de desenhos animados e filmes são pensados e criados em sua potencialidade de ser um brinquedo, desejáveis às crianças. Em decorrência, as propagandas televisivas e os brinquedos fazem “[...] parte do sistema que propõe um universo global da cultura infantil” (BROUGÈRE, 2004, p. 150). Os objetos de uso escola12r, não necessariamente os

brinquedos, compõem-se enquanto artefatos culturais e nos dão indicativos sobre elementos presentes na cultura.

Fig. 02 – Artefatos culturais Fig. 03 – Artefato cultural Fig. 04 – Artefatos culturais

Fig. 05 – Artefato cultural Fig. 06 - Artefatos culturais Fig. 07-Artefatos culturais

Na dinâmica estabelecida entre desenhos ou filmes infantis e mercado para infância, os personagens divulgados convertem-se em estampas de diversos produtos escolares, como cadernos, estojos, lancheiras etc., consumidos mesmo pelas crianças com menor poder aquisitivo. As respostas das famílias revelam que, embora os objetos (ver Fig. 02 a 07) sejam mais caros, em relação a outros do mercado, eles não são negados à criança, principalmente os objetos usados no contexto escolar.

Não investigamos os motivos que levam os cuidadores a agirem dessa forma, se por conta de propagandas, culpa ou algo similar. Podemos afirmar, todavia, que nem todas as crianças assistem aos filmes e desenhos dos personagens estampados nesses objetos13.

O que fica claro é que, além de promoverem um nicho mercadológico destinado à infância, “[...] as mídias promovem ambivalência na concepção de infância” (BUCKINGHAM, 2007, p.16), porque os conteúdos e enredos enfocados nos meios de comunicação de massa tanto investem em ideias de relação entre adultos e crianças, de cuidado e atenção às necessidades da criança, como investem na ideia de crianças liberadas.

Buckingham14 (2007, p.33), mediante suas pesquisas, acrescenta que as

transformações nas culturas da infância se devem, em parte, à natureza mutante das mídias – pela forma e os conteúdos dos textos midiáticos e a interação entre produtores de comunicação e seu público; e também “[...] têm relação mais óbvia com a natureza mutante da infância – tanto em termos das nossas ideias sobre a infância como em termos das vidas reais das crianças”. Como medida de proteção à “morte da infância”, continua o autor, há exaltação dos direitos da criança, impulsionada pela Conferência das Nações Unidas sobre os direitos da Criança, direitos interpretados, por uma maioria, enquanto uma necessidade de proteção, disciplinamento, por vezes, beirando ao moralismo, por parte dos adultos. Nesse contexto, a televisão aparece como a maior

13 Este assunto será retomado no quarto capítulo.

vilã. Eis que surgem, pois, os adultos para salvar a infância, imbuídos da nostalgia da “Era do Ouro”, das brincadeiras e da liberdade – síntese do ideal de infância. Nesse contexto, adultos expressam suas lembranças e vontades de regresso à realidade distante das obrigações cotidianas. Em meio aos seus próprios sentimentos, acabam por desconsiderar as concepções das crianças.

Não obstante o sentimento adulto, a “morte da infância” deve ser levada a sério, mesmo que pareça uma visão um tanto histérica, visto que alerta sobre preocupações do universo adulto e, além disso, denota mudanças históricas. Contudo, essas abordagens revelam suas limitações, rechaçando a utilização das mídias e não propondo “alfabetização midiática”, já que em nossa sociedade é praticamente impossível eliminar a convivência das crianças com as mídias eletrônicas, junto às quais elas têm muito a aprender.

As mídias, também, suscitam discurso no sentido oposto à morte da infância, causada pela televisão (introduzida como meio educacional da década de 1950 e 60), é o que afirma Buckingham (2007). Nesta outra concepção, os computadores e as formas de comunicação “interativas” são consagrados como tecnologias promotoras e/ou libertadoras da infância, e as crianças passam a ser concebidas como dotadas de poder natural no emprego das mídias, do qual os adultos são destituídos. Em contraposição, os adultos não conclamam sua autoridade frente ao poder das mídias; contrariamente, imbuem-se de otimismo advindo dessas ideias e as veem como uma espécie de consultor tecnológico, tentando alcançar o “nível” dos jovens.

As concepções que os adultos têm sobre a interação mídia e infância são ambivalentes. Em outras palavras, como produto das concepções de infância, têm-se os temores e aspirações dos adultos, em que as mídias são tidas em seu potencial educacional. Aumentam o desejo de aprender e liberam a criatividade, por outro lado, são consideradas meio negativo de entretenimento, por causar na infância violência por imitação, baixo rendimento escolar, além de gerar crianças antissociais etc.

Na visão “geração eletrônica”, conclui Buckingham (2007, p. 71), “[...] as crianças são vistas como possuidoras de uma criatividade natural e espontânea, que seria (talvez paradoxalmente) liberada pela máquina”. Os defensores desse discurso, inflamados pela torrente de otimismo, desconsideram a complexa rede de relações entre ideologia, governo, educação e tecnologia, que reforçam e transformam a categoria social e histórica.

Buckingham (2007) alerta-nos que, para romper com esse paradigma, é necessário ultrapassar a visão essencialista da infância e das mídias eletrônicas, que refletem uma noção da criança como consciência isolada. Propõe, igualmente, a análise da questão sob uma abordagem social, compreendendo a relação existente entre criança e mídia. Afirma, ainda, que as crianças cada

vez mais estão deixando de agir como crianças, logo, temos que incentivá-las a ser.

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