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CAPÍTULO 4 – AULA DE MÚSICA: UM TRABALHO ARTESANAL

4.3 As relações de gênero na definição das atividades musicais dos alunos

4.3.2 Os meninos instrumentistas

Primeiramente, analisaremos como se deu a formação do grupo masculino. Dois meninos da turma faziam aula particular de violão (John e Paulo) e, por isso, desde o início, assumiram logo a guitarra e o violão. O baixista era também sempre o mesmo aluno (Eli) que, apesar de ter um conhecimento musical pouco maior que o dos colegas, era filho de músico, o que lhe rendia certo status no grupo. Dois colegas interessavam-se sempre pela bateria (Mike e Fernando), e outros três (Jorge, Juan e Carlos) circulavam entre os instrumentos, às vezes tocando teclado, outras vezes, violão ou instrumentos de percussão.

Alguns aspectos colaboraram para fortalecer o grupo de meninos: primeiramente, notamos que as relações de amizade que existiam entre eles, independentemente da aula de música, ajudaram a aproximar o grupo também naquele ambiente. Depois, as atitudes do professor, de valorizar os conhecimentos prévios dos alunos e de dar liberdade para que compartilhassem seus saberes no grupo, estimularam os meninos menos interessados a desejar também tocar um instrumento, para que o grupo pudesse manter-se unido.

Aos poucos, formou-se uma banda de meninos que se consolidou ao longo do semestre, atuando de forma criativa, ao compor, tocar, ensaiar e experimentar novas possibilidades sonoras.

Na sequência interacional abaixo, temos um bom exemplo do funcionamento do grupo dos meninos e das relações que se estabeleceram entre eles, durante o semestre, nas aulas de música.

QUADRO 14

Sequência Interacional – Banda de Meninos

Linhas Unidade de Mensagem

Participantes Contextualização 0001 0002 0003 0004 0005 0006 0007 0008 0009 0010 0011 0012 0013 0014 0015 0016 0017 0018 0019 0020 0021 0022 0023 0024 0025 0026 0027 0028 0029 0030 0031 0032 0033 0034 0035 0036 0037 0038 0039 0040 0041 0042 0043 0044 0045 0046 0047

John: Muito legal Tatá:: Carlos: ( )

Jorge: gente:::

Criamos duas músicas:: John: oi::::

Jorge: gente criamos duas mi(...) duas músicas( ) no mesmo ritmo do teclado

Eli: em duas aulas:: ( )

Tatá: que legal::: Eli:ô::ficou legal ficou legal:: John: aqui Tatá... me empresta uma palheta Eli: ( ) Tatá: espera:: ( ) ô RiTA:: RITA::: Rita: oi:: Tatá: cê viu

como é que ele já tá?

Tatá: Entendeu? de uma hora pra outra:::

ele tava só no tambor:: ( )

John: Tatá::

me empresta uma palheta meu dedo tá doendo muito:: ( )

Jorge: gente:: gente::

tive uma ideia:: sabe aquela música que vocês tocaram?

Eu tive uma ideia para colocar o teclado::

é (...)

Mike:é:::boa::

vamos tocar isso junto... daquele jeito que o John fez::

Os alunos estão tocando uma música. A banda é formada por John na guitarra, Eli no baixo, Mike na bateria, Carlos no tambor, Jorge no teclado e Paulo no violão. Fernando está em pé, ao lado de Mike, perto da bateria, e Juan está sentado ao lado de Paulo. Tatá ensina para Mike um ritmo na bateria.

John para de tocar e fala para o professor.

Jorge fala em tom empolgado. Ele não aparece inicialmente no vídeo.

John fala para a câmera, fazendo “paz e amor” com os dedos. Jorge caminha até Eli, que está tocando baixo. Carlos se levanta e deixa o tambor. John continua tocando guitarra. Tatá passa a bateria para Mike, que começa a tocar.

Jorge corre novamente para o teclado. Ele não aparece no vídeo. Paulo e Juan conversam entre si mas não é possível compreender o que eles dizem.

Tatá fala olhando para Jorge. Fernando fala com Mike mas não é possível compreender o que ele diz.

John não para de tocar guitarra enquanto fala.

Tatá não responde. Ele chega perto de Eli e começa a falar alguma coisa que não compreendemos. Tatá pega o baixo de Eli e fica com ele nas mãos. Tatá fala alguma coisa para Mike, que está na bateria.

Rita se aproxima de Tatá. Os alunos continuam tocando.

Tatá se refere à evolução de Mike na bateria.

Não é possível entender o que Rita responde. Tatá e Rita observam Mike tocar.

Tatá puxa uma cadeira e se senta de frente para John e Eli. O professor toca algumas notas no baixo. Não é possível entender o que ele diz, mas parece querer ensinar uma sequência melódica a Eli para que ele possa tocar junto com John. Tatá tira do bolso uma palheta e entrega para John.

Jorge sai do teclado e chega ao lado de Tatá e dos colegas. Ele bate palmas para que prestem atenção nele.

Jorge fala com entusiasmo.

Tatá, John e Eli prestam atenção em Jorge. Mike também se interessa pelo que Jorge diz, mas logo o interrompe e começa a falar, se levantando do banco da bateria com as baquetas para o alto.

Os meninos empolgavam-se com os resultados sonoros da banda, como podemos perceber nas falas dos alunos John: “muito legal Tatá::” (linha 1) e Eli: “ô::ficou legal/ficou legal::”(linhas 14 e 15). O clima favorecia o trabalho criativo dos alunos e eles comemoravam suas conquistas, como podemos notar no diálogo seguinte, entre Jorge e Eli (linhas 6 a 11): Jorge: “gente/criamos duas mi(...) / duas músicas( ) / no mesmo ritmo / do teclado”; Eli: “em duas aulas::”. Tatá também valorizava a criatividade dos alunos: “que legal:::” (linha 13).

Da linha 21 a 31, Tatá entusiasmou-se com a evolução rítmica do aluno Mike e fez questão de chamar a pesquisadora para ver: “ô RITA:: / RITA:::”/ cê viu / já / como é que ele / já tá? / Entendeu? / de uma hora / pra outra::: / ele tava só no tambor::”. Compreendemos na fala de Tatá que, ao usar a expressão “de uma hora pra outra”, ele não quis dizer que seja de repente ou que não tenha havido esforço do aluno para alcançar aquele resultado. Em suas palavras estava subentendido que, com a repetição de determinados ritmos, o resultado aparece, apesar de não sabermos exatamente quando, pois varia de caso a caso.

Os alunos gostavam de se sentir integrantes da banda. Havia um clima de cooperação entre eles. Todos queriam participar e se empenhavam em tocar melhor. Esse ambiente estimulou a realização de um trabalho criativo dos meninos naquela sala de aula de música. Vejamos as falas de Jorge e Mike (linhas 37 a 48): Jorge: “gente:: / gente:: / Eu tive uma ideia:: / sabe aquela música / que vocês tocaram? / Eu tive uma ideia para colocar o teclado:: / é (...)”. Mike: “É::: boa:: / Vamos tocar isso junto... / com aquele jeito que o John / fez”.

A banda dos meninos criou a música Sexta-feira 13, apresentada pela turma da 4ª série na mostra de final de semestre da escola. Essa música surgiu de um trabalho de improvisação que se iniciou com uma frase melódica criada por Jorge, no teclado. Ele mostrou aos colegas o que havia criado e John fez um acompanhamento na guitarra; depois, Fernando fez o ritmo da bateria. No decorrer do semestre, os alunos foram introduzindo outros instrumentos e definindo coletivamente o arranjo, com orientação de Tatá, e também de Frederico, nos ensaios finais. Ao convidar os alunos para subir ao palco no dia da apresentação, Tatá disse à plateia as seguintes palavras: “a música Sexta-feira 13 é uma música que dura 55 segundos... mas foi um tempo grande para fazer essa música”. Compreendemos que com essas palavras o professor sintetizou a experiência daqueles meninos no semestre: de forma leve e lúdica, os alunos trabalharam muito durante todos aqueles meses, valorizando o tocar e a criatividade individual e coletiva, que levou a um resultado maduro de criação musical do grupo.