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A análise das forças estruturais que geram o movimento migratório somadas aquelas subjetivas relacionadas à decisão de migrar seriam as informações ideais para se compreender o movimento migratório. Segundo Massey (1990, p. 17)

a complete account of migration requires theories and data that link larger social structures with individual and households decisions, connect micro- and macrolevels of analysis, and relate causes to consequences over space and time.

Nas grandes aglomerações essas decisões têm papel fundamental para a expansão urbana, resultando em situações diferenciadas social e territorialmente mas que, em muitos casos, pouco ou nada tem haver com a escolha dos indivíduos migrantes.

49 Por “não-migrante”, naquela ocasião, foram considerados aqueles que nunca transladaram as fronteiras

municipais, mesmo que tivessem realizado mudança residencial dentro do mesmo município.

50 Como explicaremos mais adiante, nesse estudo os “não-migrantes” representarão uma categoria oposta à de

“migrante”, ou seja, aqueles que não se colocam em movimento em um determinado período, no caso, cinco anos antes do Censo.

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Deve-se considerar que as relevantes mudanças econômicas e demográficas, que alteraram as características das famílias e domicílios quanto a forma como se organizam culminaram na necessidade de adequação dos estudos de migração nas últimas décadas (CUNHA; BAENINGER, 2007; BRITO, 2009).

Mais recentemente, a migração parece se destacar enquanto fenômeno central para a reprodução do capital nas grandes aglomerações, tanto por ser resultado quanto fator estruturante de outros processos e fenômenos, visto que apresenta variações segundo suas diferentes modalidades.

Esses fluxos, como se defende, respondem à estrutura de incentivos e constrangimentos que podem ser distintos a depender da escala geográfica de análise. No âmbito de uma região metropolitana, a relação com o mercado de terras tem grande relevância, visto que, apesar deste mercado em grande parte determinar os incentivos e constrangimentos - a partir da criação de novos produtos, da mudança de uso das localidades, da valorização diferencial dos lugares etc. - e consequentemente a existência e o direcionamento dos fluxos migratórios, torna-se também dependente da mobilidade residencial, pela redução do crescimento demográfico observado nas últimas décadas, que tende a reduzir a pressão demográfica relacionada a partir do crescimento vegetativo.

Neste sentido, a mobilidade residencial intrametropolitana tem papel central para a dinâmica econômica nas grandes aglomerações, pois é através de seus fluxos que parte relevante dos novos produtos do mercado de terras podem ser consumidos. A expansão promovida pelo mercado, entretanto, não ocorre aleatoriamente, mas se dá a partir do contexto histórico do desenvolvimento das localidades, reafirmando as desigualdades territoriais construídas ao longo do tempo.

Vários estudos apontaram relações entre a migração e processos de produção do espaço urbano, analisando as características destas relações e os resultados vislumbrados a partir da migração enquanto promotora de demanda para o mercado de terras.

Tal visão parte do espaço urbano a partir da sua dimensão estrutural, como faz Villaça (1993), em que alterações em algum dos elementos constituintes significam impactos em todos os outros.

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Cunha (1994), analisando a migração intrametropolitana na RM de São Paulo ao longo da década de 70, a vê como resultado da criação e transformação do tecido urbano da aglomeração e, por isso, o contexto estrutural aparece como ponto fundamental de análise, que tanto gera o movimento quanto é moldado por ele.

Nivalainen (2004) parte dos condicionantes da migração de curta e longa distância na Finlândia e percebe que as diferenças regionais - tamanho do município, taxa de desemprego e característica econômica do local - seriam fatores relevantes, juntamente com o contexto territorial das áreas, base para o entendimento das relações entre as localidades e consequentemente do peso das modalidades de migração observadas, tanto de curta quanto de longa distância.

Em outro trabalho que analisou a migração a partir das mudanças nas regras do “welfare reform act”51

de 1996, partindo do modelo custo-benefício da migração, Jong et al. (2005) concluíram que os aspectos do contexto estrutural das localidades tinham papel de grande relevância. Segundo os autores, “state’s economic characteristics, rather then welfare eligibility policy, motivate families’ decisions to migrate […]” (JONG et al., 2005, p. 488). Os resultados, entretanto, modificam-se quando controlados por características sociodemográficas, reforçando a relação entre a seletividade da migração e os aspectos estruturais apontados.

A importância dos fatores estruturais para se compreender a migração e a mobilidade residencial é apontada também Lundquist e Massey (2008, p. 108), que enfatizam que, a partir da década de 70, os avanços observados na sociologia americana se deram com uso de modelagem de dados, mas destacam que falharam “to incorporate into their sophisticated models the fact that human behavior necessarily occurs within (or must transcend) physical space”.

Levar em conta o contexto estrutural emerge questões que, direta ou indiretamente, colocam a migração e a mobilidade residencial como parte fundamental nas estratégias de reprodução do capital e da sociedade em seu conjunto. Questionamentos

51 Personal Responsibility and Work Opportunity Reconciliation Act (PRWORA). A hipótese do trabalho é a

de que as famílias pobres seriam direcionadas a migrar entre estados mais pelas características estruturais da localidade do que pela mudança nas regras.

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como: “Lugares pobres fazem pessoas pobres ou lugares pobres atraem pessoas pobres?” (LUNDQUIST; MASSEY, 2008) colocam em foco estas preocupações e destacam a relevância da mobilidade populacional tanto como resposta quanto fator estruturante das características das localidades.

Esta perspectiva dialética entre o fenômeno migratório e o contexto estrutural também é defendido por Roseman (1977), para quem, além do contexto a que o indivíduo ou família estaria exposto e que culminaria na necessidade de se colocar em movimento, existem outras dinâmicas cuja marca fundamental ocorre ao longo do tempo. Nesta perspectiva, o aspecto demográfico surge como variável relevante, sobretudo as mudanças no ciclo de vida, que geram distintas necessidades em cada uma de suas fases.

Nesse sentido, fica clara a necessidade de se considerar a migração enquanto resposta às condições estruturais, conjunturais e as características sociodemográficas que, somadas, representam o contexto a que os indivíduos e famílias estão imersos. Ao mesmo tempo é também estruturante, visto que o resultado da redistribuição espacial da população é marcado na área de origem e destino, pois modifica a estrutura populacional, gerando demandas específicas e influenciando processos sociais e econômicos, vindo daí seu caráter fundamental para a reprodução do capital das mais diversas formas.

A leitura de Vainer (1998) complementa, pois afirma que a migração atual é resultado do modelo de desenvolvimento e os migrantes seriam as vítimas. Este modelo está na base das modificações de grande escala da sociedade, da mudança na forma de se organizar, de se reproduzir e, consequentemente, na forma de responder processos que estão postos. Soja (2013, p. 157), para qualificar essas mudanças, ressalta que “após trinta anos ou mais de reestruturação gerada pela crise, entramos numa era de crises geradas pela reestruturação”, sobretudo pelos resultados sociais que estas têm gerado.

O aumento da polarização cultural, política, econômica e social, assim como da concentração de renda pelos mais ricos recentemente, agravada pela crise de 2008, seriam os resultados mais evidentes. Além destes, Soja (2013) argumenta que as áreas urbanas mais dinâmicas, marcadas pela concentração econômica e demográfica impulsionam a

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economia global, gerando concomitantemente problemas como as desigualdades e as injustiças.

Considerando a importância das grandes aglomerações para essas mudanças, é possível observar nelas os resultados bons e ruins destas grandes modificações. Neste contexto multiplo, as características dos indivíduos e famílias tem grande relevância para a forma como respondem aos desafios da vida urbana: o tamanho da família, a idade, estar unido ou sozinho, com ou sem filhos, alta ou baixa escolaridade, o trabalho e a renda, os laços familiares dentre outros aspectos são importantes, pois impactam as possibilidades e, consequentemente, as decisões, como a de ficar ou sair. Além destas características, poder- se-ia citar outras do contexto social: a existência de oportunidades imobiliárias, a condição de ocupação do domicílio, a existência e localização das oportunidades de emprego, as infraestruturas etc. podem representar variáveis de alta relevância para se compreender a dinâmica interna destas áreas metropolitanas.

Se for aceito, como ensina Singer (1976), que os fatores estruturais - ou seja, as causas - impactam primeiramente os grupos (ou classes) sociais, poder-se-ia pensar que as características sociodemográficas poderiam contribuir para se compreender por que uns se movem e outros não. É nesse sentido que os estudos demográficos podem contribuir para uma melhor compreensão do fenômeno migratório, particularmente no caso da mobilidade residencial intrametropolitana.

3.2. Migrantes recentes, “restante da população” e características