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Os modelos mentais na pesquisa e no Ensino de Ciências

3 OS MODELOS MENTAIS COMO FORMA DE REPRESENTAÇÃO E

3.2 Os modelos mentais na pesquisa e no Ensino de Ciências

A importância desempenhada pelos modelos, na Ciência, é que eles podem ser utilizados como instrumentos que contribuam na construção das teorias. São empregados na descoberta científica, devido ao seu caráter preditivo e explicativo, uma vez que colaboram com a construção e elaboração de hipóteses sobre o mundo físico (VOSNIADOU, 2002).

A autora demarca três das várias funções que os modelos mentais desempenham no sistema cognitivo humano: “eles auxiliam na construção de explicações; atuam como mediadores na interpretação e aquisição de novas informações; e como ferramentas que permitem a experimentação e revisão da teoria” (VOSNIADOU, 2002, p.341). Assim, a utilização de modelos mentais no Ensino de Ciências é um instrumento que vem a contribuir com o processo de ensino e aprendizagem, uma vez que são utilizados nas situações de resoluções de problemas, nas explanações sobre situações em que o conhecimento físico está de certo modo implícito e são importantes no desenvolvimento e nas mudanças conceituais, auxiliando na construção de teorias, conforme expressa a mesma autora.

Os modelos também funcionam como uma ligação entre as teorias científicas e o mundo real, desempenhando um papel importante na Educação Científica. Esta relação pode ser estabelecida de duas maneiras: uma, representando o fenômeno de modo simplificado, tal como ele é observado na realidade, com finalidades específicas, com aplicação das teorias; e

outra, como idealizações de uma realidade, tal qual imaginado, comparando as abstrações teóricas com a realidade (GILBERT, 2007).

Nesse sentido, os modelos podem ser considerados representações abstratas, e que possibilitam o desenvolvimento do conhecimento e desempenham papel essencial no entendimento, em específico, na área das ciências (GILBERT, 2004).

O autor esclarece que, no Ensino de Ciências, existem diversos modelos, e que há vários modos de figurá-los, como, por exemplo: um desenho, um sistema, um ciclo, um modo particular de expressar a realidade tal qual ela é percebida por um sujeito ou um grupo deles. O autor ainda ressalta que os modelos curriculares se fundem com as características de diversos outros modelos, tornando-se, para os professores, um complicador para a Educação científica, uma vez que lhes propicia ensinar muitas ideias ao mesmo tempo. Os modelos são representados por cinco meios, que são: os materiais, que compreendem os objetos confeccionados, são um modo de configuração tridimensional; o modo verbal consiste na descrição de uma representação, podendo ser por meio de metáforas ou analogias; simbólico, utiliza-se de símbolos, fórmulas, equações e outras formas de imagens nesta vertente; gestual que relaciona com expressões de movimento e por fim, o meio visual, que são simbolizados de modo bidimensionais, envolvendo o uso de animações, gráficos e outros. Para Gilbert (2004, 2007), qualquer tipo de modelo cai em domínio público ao utilizar uma ou mais dessas representações.

Ainda, expressando o pensamento do autor, os alunos têm um modelo mental de algum tema, na área que estão estudando, como, por exemplo: na Química, os estudantes têm um modelo mental de átomo; na Física, de força; na Biologia, de gene; e assim por diante. Mas esse modelo mental idealizado é individual, sendo inacessível aos outros. No entanto, a fim de contribuir com a comunicação, uma versão de modelo, chamada por Gilbert (2004, 2007) de “modelo expresso”, deve ser colocada em domínio público, e quando este é acordado por um determinado grupo, passa a ser considerado como um “modelo de consenso”. Se o grupo social em questão é de cientistas, o modelo de consenso será, por sua vez, declarado “científico”.

Gilbert (2007) ainda afirma que um modelo de consenso científico pode ser substituído por um “modelo histórico”, que permanece em uso, pois fornece a base de explicações que são adequadas a um determinado tema. No caso dessa pesquisa, podemos considerar os modelos Geocêntricos e Heliocêntricos do sistema Sol-Terra-Lua, como modelos históricos, ao sustentarem as bases teóricas de como os astros estão organizados no Sistema Solar.

Segundo o autor, citando as ideias inferidas por Hodson em 1992, no campo da ciência cognitiva, uma importante observação é que a formação de modelos mentais e a produção de modelos expressos, construídas pelos alunos, contribuem com o entendimento de modelos científicos ou históricos, o que colabora com a aprendizagem da ciência. Por isso, em seus trabalhos, Gilbert (2004, 2007) considera que diferentes tipos de modelos, como os históricos e científicos, podem ser produzidos de modo simplificados, sendo considerados, nesse caso, como modelos curriculares, que por sua vez, são ensinados aos alunos, gerando os modelos de ensino, que são criados com o fim de apoiar os modelos curriculares, facilitando, assim, a aprendizagem.

Justi e Driel (2006) exemplificam os modelos de ensino como sendo: os desenhos, as simulações, as analogias e os modelos concretos. Sustentados em trabalhos anteriores, os autores citam que é importante incentivar os professores no Ensino de Ciências a usar modelos e que o papel que estes desempenham na Educação em Ciências é recente, não tendo, ainda, os professores conhecimentos e habilidades para ensinar, quando se trata desta perspectiva.

Por isso, Gilbert (2004) defende que as funções dos modelos, nessa área do conhecimento não são fáceis de cumprir, uma vez que podem abranger várias realidades. Esta amplitude de entendimento acerca do tema tem crescido na Educação em Ciências, como dizem Krapas et al. (1997).

Esses mesmos autores realizaram uma revisão de literatura sobre o aparecimento e o sentido do termo nas pesquisas em Educação em Ciências no período de 1987 à 1996. Eles analisaram quatro periódicos internacionais, com publicações voltadas para a área mencionada, sendo eles: International Journal of Science Education (IJSE); Science

Education (SE); Science & Education (S&E) e Journal of Research in Science Teaching

(JRST). Encontraram um total de 130 artigos que se utilizaram do termo em seus resumos, dentre os quais, depararam com um total de 143 referências sobre o termo “modelo”.

Em seu trabalho, Krapas et al. (1997) apresentam um compilado das ideias de vários autores, como, por exemplo, Duit e Glynn, que, apesar do amplo significado que o termo modelo possui no Ensino de Ciências, trazem um núcleo comum, ou seja, os modelos, em sua essência, podem substituir o lugar de uma coisa que já é representada. Isso significa dizer que, para a elaboração de um modelo, dispõe-se de dois domínios: um que é chamado de “fonte”, que serve de base para o que é dado, e outro, denominado de “alvo”, que está relacionado com o que pretende atingir. Os pontos em comum entre os dois domínios gera uma configuração que constitui num modelo mental. Desse modo, as relações analógicas são de suma

importância na construção dos modelos mentais, sendo considerado pelos autores o “coração dos modelos” (KRAPAS et al. 1997, p.186).

Duit e Glynn (1996, apud Krapas et al. 1997) apresentam a distinção entre modelos mentais e conceituais, sendo que o primeiro advém de uma construção pessoal, por meio de processos de modelagem ou de representações mentais estabelecidas, e no segundo, do processo de modelagem, o produto é compartilhado com uma comunidade de interessados. O modelo conceitual, na realidade, possui uma interpretação mental, que pode ser utilizada por outras pessoas. Assim, os dois tipos de modelos possuem o núcleo comum, como anteriormente explicitado, sendo representações construídas de processos do mundo real, por meio de representações analógicas. Para os autores, o raciocínio analógico é peça fundamental para o entendimento do processo de uma aprendizagem construtiva na Educação em Ciências.

As ideias de outros autores, como Nersessian; Moreira; Halloum; Gilbert e Boulter, e outros, são também apresentadas no texto de Krapas et al. (1997), de modo a delinear a pluralidade e o emprego do termo.

Os autores usaram da definição de modelos como sendo “a representação de uma ideia, objeto, evento, processo ou sistema e de modelagem, como o processo de construção de modelos” (KRAPAS et al., 1997, p. 192). Em interação com os dados levantados, elaboraram cinco categorias de modelos que são:

Modelo mental: pessoal, construído pelo indivíduo e que pode se expressar através da ação, da fala, da escrita, do desenho. [...]

Modelo consensual: modelo formalizado rigorosamente, compartilhado por grupos sociais com o propósito de compreender/explicar ideias, objetos, eventos, processos ou sistemas. Exemplos relevantes para a educação em ciências são os modelos científicos contemporâneos e do passado. [...] Modelo pedagógico: modelo construído com o propósito de promover a educação. No sentido amplo, um modelo pedagógico inclui os processos de mediação didática, isto é, os processos de transformação de conhecimento científico em conhecimento escolar. [...]

Meta-modelo: modelo formalizado rigorosamente, compartilhado por grupos sociais, e construído com o propósito de compreender/explicar o processo de construção e funcionamento de modelos consensuais ou de modelos mentais. [...]

Modelagem como objetivo educacional: enfatiza a promoção da competência em construir modelos como propósito central do ensino de ciências. (KRAPAS et al., 1997, p. 192-193).

Em atenção aos últimos dois termos citados, meta-modelo e modelagem, os autores afirmam que, com o objetivo de expressar o pensamento dos alunos, estas duas categorias surgiram na década de 1990, embora a ampliação do emprego dos modelos mentais tenha se

dado a partir de 1996. A polissemia do termo é justificada pelos autores devido ao fato de novas terminologias serem trazidas nas pesquisas em Educação em Ciências, e novos caminhos teóricos terem sido apontados. Para eles, além de mapear as teorias já conhecidas e mais usuais, relativas ao termo, é necessário também especificar as perspectivas teóricas utilizadas na investigação dos modelos na Educação em Ciências.

No âmbito nacional, Quinto e Ferracioli (2008) trazem uma revisão de literatura sobre modelos e modelagens no Ensino de Ciências no período de 1996 à 2006, analisando cinco periódicos brasileiros, que publicam artigos relacionados com a pesquisa em Educação em Ciências. São eles: Revista Brasileira em Ensino de Física; Caderno Brasileiro de Ensino de

Física; Investigações em Ensino de Ciências; Ciência e Educação e Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências.

O levantamento realizado pelos autores partiu da presença da palavra “modelos” nos títulos, resumos e palavras-chave dos artigos publicados. Foram analisados 30 artigos, dos quais a maioria segue o referencial teórico de Johnson-Laird; outros estão associados com o ambiente de modelagem computacional e aqueles que abordam uma revisão de literatura, apresentando os trabalhos de autores em âmbito nacional e internacional.

Os autores também mostram que, no Brasil, as pesquisas nessa vertente ainda são “novas e pouco exploradas, mas com tendências a expansão para todas as áreas de conhecimento” (QUINTO; FERRACIOLI, 2008, p. 91), tanto no contexto acadêmico, quanto na prática da sala de aula. Eles concluem que tanto nas pesquisas básica quanto na aplicada o tema é de interesse e relevância para a Educação em Ciências, salientando que, para avançar, deve-se ter o cuidado de incluir na investigação a explicitação de uma reflexão teórica, um delineamento do estudo e a especificação dos instrumentos de coleta e análise dos dados.

O modo como os alunos constroem suas ideias e pensamentos a respeito das mais diversas áreas do conhecimento é, para os pesquisadores, motivo de investigação e fonte de pesquisas. No campo da Astronomia, não é diferente. Muitos alunos não sabem explicar cientificamente como e por que alguns fenômenos cotidianos acontecem. Na tentativa de explicarem tais eventos, pautam-se em uma explanação intuitiva do mundo baseada em sua experiência cotidiana (VOSNIADOU e BREWER, 1992).

Alguns autores, dentre eles Frède, Troadec, Frappart (2009), referem que, na Astronomia, tal dificuldade se dá devido ao fato de que é pela experiência direta com o fenômeno que as contribuições para com a mudança conceitual se estabelecem e que, quando tal prática não é possível, as ideias iniciais são construídas pelas crenças ou por meio de informações recebidas por influência dos adultos. O fato é que, como a maioria dos conceitos

astronômicos não são compreensíveis à experiência direta, torna-se difícil adquiri-los, uma vez que o conhecimento científico é diferente do que se vê no céu.

Diante de tal cenário, os pesquisadores que se destinam, em seus trabalhos, a entender o modo como os alunos pensam a respeito de determinados temas recorrem à psicologia cognitiva.

Nesse campo, existem duas tendências opostas para explicar o conhecimento, que podem ser via “teoria do conhecimento fragmentado”, ou por meio da “teoria dos modelos mentais” (FRÈDE, TROADEC, FRAPPART, 2009).

Na primeira delas, o conhecimento é acumulado de modo desconectado, fragmentado, com o auxílio e uso de artefatos culturais, como desenhos, livros e outros instrumentos que concorrem com o enriquecimento científico. No campo da Astronomia, tal teoria teve seu desenvolvimento no início do século XXI, mais precisamente, nos anos de 2003 e 2004, respectivamente, com Nobes et al. e Siegal et al., como citam Frède, Troadec, Frappart (2009).

Já os modelos mentais, segundo os autores citados, tiveram seu desenvolvimento no campo astronômico a partir dos trabalhos de Vosniadou e seus colaboradores (Vosniadou e Brewer, 1992, 1994; Samarapungavan et al., 1996 e Vosniadou et al., 2004), que seguem a linha da “teoria ingênua”. Essa perspectiva versa que o conhecimento inicial das crianças parte de explicações coerentes do mundo físico (FRÈDE, TROADEC, FRAPPART, 2009).

Vosniadou e Brewer (1994) propõem a definição de que os modelos mentais são como estruturas dinâmicas, que estão em movimento, em mudança, e que são criados para resolver situações-problema, comungando, em partes, com a ideia de Johnson-Laird (1983). Os autores também arrolam três características das representações mentais que são utilizadas para a construção do modelo mental:

(a) A sua estrutura é um análogo para os estados do mundo que representa (Johnson-Laird, 1980, p 90.);

(b) ele pode ser manipulado mentalmente, ou "correr no olho da mente", para fazer previsões sobre os resultados de estados causais no mundo (Collins,

1985, p 80.);

(c) oferece explicação de fenômenos físicos (Holland, Holyoak, Nisbett, & Thagard, 1986, p. 329). (VOSNIADOU E BREWER,1994, p.125. tradução nossa).

Para Vega-Navarro (2001), a importância da utilização dos modelos mentais para o entendimento dos temas astronômicos deve-se ao fato de que eles auxiliam as pessoas na

organização coerente de suas ideias, fundamentadas nas crenças, princípios epistemológicos e ontológicos. Por isso, os modelos são construtos individuais que se reorganizam nos grupos, à medida que novas informações são confrontadas com as ideias anteriores e menos desenvolvidas.

Assumimos, neste trabalho, que a utilização dos modelos mentais se dá na direção do que explicitam as pesquisas de Vosniadou e Brewer (1992; 1994) e Vosniadou (2002), ou seja, são processos dinâmicos, individuais e originários das representações mentais, que, quando deparadas com situações-problema ou novas informações que exijam tomada de decisão, representam o conhecimento físico relevante, de modo a auxiliar na resolução do problema proposto ou na compreensão da informação recebida. Como os autores mencionados, também entendemos que os indivíduos, ao construírem seus modelos mentais acerca dos fenômenos físicos, como é o caso desse trabalho, mostram informações sobre o conteúdo e a estrutura base de seus conhecimentos subjacentes. À proporção que as situações lhes são apresentadas, eles se utilizam de conhecimentos iniciais, que se reorganizam, elaborando um novo, diferente do anterior, que também é reestruturado com a presença de outra informação.

Os trabalhos que, especificamente, se dedicaram ao estudo dos modelos mentais construídos por estudantes a respeito do ciclo dia/noite serão apresentados a seguir.

3.3. Pesquisas sobre os modelos mentais de estudantes a respeito do fenômeno dia/noite