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No quesito nº 3 do questionário apresentado aos soldados, inquiriu-se acerca do principal motivo que teria levado o pesquisado a ingressar na Polícia Militar, como forma de aferir, num nível de consciência, que tipo de visão a Polícia encerra como carreira para os soldados (GRAF. 5). Esclareço que embora esteja me referindo ao que chamei “nível de consciência”, como a esfera do discurso lógico, fruto de um raciocínio engendrado com base em argumentos concretos e bem arranjados, não descarto que esse mesmo discurso seja resultante da ação de um habitus e de um conjunto de representações sociais, considerando que, como já visto, segundo

Bourdieu, “o habitus e objetivamente organizad uma verdadeira intençã função justificadora as re e comportamentos dos 30). Qual o prin O gráfico permite PMRN ingressou em su que aliados apresentam os motivos ofertados específicas (TAB. 5) é p com mais de 10 anos de representado no GRÁF.

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Fonte: Pesquisa realizad

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GRÁFICO 5

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da junto ao efetivo de soldados da PMRN

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Fonte: Pesquisa realizad Qual o principal motivo grupos de

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Fonte: Pesquisa realizad %

TABELA 5

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da junto ao efetivo de soldados da PMRN GRÁFICO 6

de seu ingresso na Polícia Militar? – Co e Soldados com diferentes tempos de se

oliciais com tempo de serviço superior a ômica, alegaram com maior ênfase as mo elas perspectivas que envolvem a profiss

a idéia de autoridade e respeito que im er público, que permite àquele que a

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iração pela profissão 10,8 o pela vida militar 17,5 ade de servir à sociedade 18,3

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o(s) motivo(s) 4,2

OTAL 10,1

0,8

da junto ao efetivo de soldados da PMRN

por tempo de serviço

N – out. / nov., 2006 mparativo entre os erviço

10 anos, apesar dos otivações ligadas ao são de policial, como mpõe, o exercício de exerce desfrutar de ĐŝŵĂĚĞϭϬĂŶŽƐ ƚĠϭϬĂŶŽƐ e %) Anos (%) Até 10 6,3 52,7 2,1 61,1 11,7 12,1 8,8 32,6 0,8 0,8 3,3 4,9 1,3 N – out. / nov., 2006

reconhecimento pelos demais segmentos, onde se insere um pouco da mística da autoridade e do herói. Neste sentido, afirmo que as idéias de “autoridade” e “herói” emprestam um caráter masculinizante aos sujeitos, algo que, por um lado, dá-lhes o sentido de dominação, de poder, uma capacidade que o torna “mais igual” aos integrantes de outros segmentos sociais, isto é, uma forma de inclusão em um mundo cada vez mais feminizado, onde avançavam as lutas pelos direitos das mulheres e dos homossexuais. Ao integrar as fileiras da PM, enquanto Corporação militar ou fonte de estabilidade financeira e de provisão familiar, os sujeitos passam a exercer, integralmente, uma masculinidade que é, segundo Bourdieu:

[...] produto de um trabalho social de nominação e inculcação, ao término do qual uma identidade social instituída por uma dessas ‘linhas de demarcação mística’, cohecidas e reconhecidas por todos, que o mundo social desenha, inscreve-se em uma natureza biológica e se torna um habitus, lei social incorporada. (BOURDIEU; 1999; 63-64)

Bourdieu defende que há uma inscrição da divisão sexual na divisão das atividades produtivas às quais se associa a idéia de trabalho, “assim como, mais amplamente, na divisão do trabalho de manutenção do capital social e do capital simbólico, que atribui aos homens o monopólio de todas as atividades oficiais, públicas, de representação, e em particular de todas as trocas de honra, das trocas de palavras (...) trocas de desafios e de mortes (cujo limite é a guerra) (...)” (BOURDIEU; op cit; 60). Dentro dessa visão, é importante compreender que para os sujeitos a “vida militar”, por exemplo, assume importante papel dentro de um contexto onde as mulheres começavam a ganhar notoriedade no mercado de trabalho e a conquistar maiores espaços em outras áreas da vida social. A vida na caserna representava – e ainda representa – um campo, essencialmente, masculino, detentor de uma cultura que apresenta um modelo próprio para o “ser homem”. Como propõe Bourdieu, “ ser homem, no sentido de vir, implica um dever-ser, uma virtus, que se impõe sob a forma do ‘é evidente por si mesma’, sem discussão” (BOURDIEU; op cit; 63). Isto representa que “ser homem” implica em ter uma maneira peculiar de andar, de sentar, de tomar atitudes, de comportar-se, ou seja, uma forma própria de agir e pensar, que governa o sujeito, independentemente de pressões externas. Essa força, tal como a comparou Bourdieu:

[...] dirige (no duplo sentido do termo) seus pensamentos e suas práticas [...] mas sem o obrigar automaticamente (ele pode furtar-se e não estar à altura da exigência); ela guia sua ação tal qual uma necessidade lógica (“ele não pode agir de outro modo”, sob pena de renegar-se), mas sem se impor a ele

como uma regra ou como o implacável veredicto lógico de uma espécie de cálculo racional.” (BOURDIEU: 1999; 63)

Por outro lado, essa transcendência social sob a forma de “identidade corporificada”, implica em uma imposição ao homem de afirmar a todo momento sua virilidade – quer pela capacidade sexual, quer pelo exercício da violência – e a cumprir suas “obrigações”, construídas culturalmente, de provedor da família.

Na sociedade potiguar ocorria a reprodução do que Bourdieu descreveu sobre a sociedade cabila ao registrar que:

A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que viessem a legitimá-la. A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos[...] (BOURDIEU, 1999, p. 18)

Segundo Albuquerque Júnior, “a masculinidade é apenas um constitutivo da identidade regional nordestina, mas é fundamental na construção de uma figura homogênea e característica que se chamará nordestino (2003, p. 25), o que reforça a idéia de que o masculino, o “ser macho”, mais do que um fator identitário, é um elemento que valoriza e inclui o sujeito. Assim, a truculência, o emprego da força e de armas – muitas vezes de forma indevida –, parece-me constituir tentativas de afirmação dessa identidade e de resgatar o valor social de “autoridade” que detinha poder nas mãos, simbolizada pela farda, dentro de uma sociedade regida pelos conceitos apregoados pela ditadura militar. Esses conceitos mantiveram-se vivos (e de certa forma, ainda se mantêm) por muito tempo nos processos de formação e no cotidiano das forças policiais militares, contribuindo para que se formasse uma mentalidade de resistência aos novos paradigmas que deveriam nortear a atuação policial na sociedade brasileira. Idéias como força, coragem, honra, patriotismo, heroísmo, manutenção das tradições, entre outras, eram permanentemente empregadas com firmes argumentos retóricos, um tanto apelativos, em um discurso que buscava forjar ou manter no pensamento dos policiais o antigo ideário militar.

Albuquerque Júnior, analisando proposições de Gilberto Freyre em seu livro “Ordem e Progresso”17, datado de 1959, comenta que:

Gilberto Freyre parece expressar um sentimento muito presente entre os membros das elites brasileiras, notadamente entre os homens do Norte e do Nordeste, na primeira metade do século que estava acabando de transcorrer, ou seja, o sentimento de que a República e a Abolição da escravidão, que a antecedeu em um ano, trouxeram sérias ameaças para a ordem, a autoridade e, principalmente, para a hierarquia social. Como vai dizer Freyre, numa surpreendente solidariedade a Conselheiro, certas tradições do Brasil católico, escravista e monárquico estavam sendo solapadas pelo que as elites consideravam ser as tendências niveladoras, democratizantes, desorganizadoras, anárquicas até, do republicanismo de inspiração européia e norte-americana. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, op cit, p.31-32)

E prossegue afirmando:

Esses discursos, de explícito conteúdo autoritário e conservador, vão considerar as tendências de democratização da sociedade e da política brasileira como exóticas, em relação à nossa história política e social, não fazendo parte das tradições nacionais, que precisavam ser defendidas, sob pena de nosso país vir a perder a sua originalidade, a sua identidade, vir a ser incorporado de forma subordinada a um processo civilizatório, que se apresentava sob o rótulo do progresso, da modernidade e da modernização, mas que, na verdade, significaria a nossa subordinação política, cultural e econômica a nações que imperialisticamente queriam nos anexar. (ibiden)

De acordo com a análise de Albuquerque Júnior, os processos históricos dizem respeito, na visão de Freyre, ao declínio do patriarcalismo, onde o homem predominava na sociedade, isto é, um fenômeno associado à horizontalidade, posição que no ato sexual representaria a mulher, “enquanto o homem, o poder, o domínio, o ativo, representaria a verticalidade, a ordem hierárquica que não deveria ser ameaçada” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, op cit, p. 33)). Segundo o autor:

Esses discursos masculinos falam, com temor, de um alastramento do feminino pela sociedade, trazido pela supressão das fronteiras entre etnias e raças, conseqüente à Abolição; pelo progressivo acesso ao mundo da política de parcelas da sociedade, antes excluídas, com o advento da República; pela necessária ampliação do espaço social, para a inclusão de novos grupos sociais que emergiam com maior influência e poder, como: os comerciantes, os industriais, os operários, a classe média, surgidos todos com o processo de urbanização e industrialização, vistos como agentes principais neste processo de desvirilização da sociedade, trazido pela perda progressiva dos valores, sociabilidades e sensibilidades descritas como patriarcais. (ibiden)

Albuquerque Júnior alude, ainda, à obra de Julio Belo, de título “Memórias de um Senhor de Engenho”18, escrita no calor dos acontecimentos da Intentona

Comunista de 1935. De sua leitura do livro de Belo, Albuquerque Junior expressa que:

Esse texto [...] parece nos falar da ameaça de novos tipos de gozo, de novos desejos que estavam se disseminando pelo tecido social, entre eles o desejo pelo igualitarismo, pela quebra das hierarquias sociais e pelo solapamento do direito de propriedade, ameaçando a sociedade com uma prostituição coletiva. Gozar com a quebra das hierarquias, com a humilhação do patrão parece remeter a sociedade para o reino feminino da prostituição, para a desordem do feminino que esta prática representaria. Este texto lamenta a progressiva falta de consideração com que são tratados os antigos senhores de engenho, cada vez mais rebaixados, como se fossem pessoas da mesma igualha, por qualquer trabalhador do eito. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, op cit, p. 34-35)

Percebo, assim, nos comentários apresentados por Albuquerque Junior, uma evidente similaridade entre períodos e fatos da história do Brasil, que datam do final do século XIX e início do século XX, e os primeiros anos do processo de redemocratização do país, após o regime ditatorial de 1964. E aí retomo a proposição apresentada no 2º capítulo deste trabalho, quanto à polícia como instrumento de defesa não só dos interesses daqueles que detêm o poder (político, econômico, cultural, simbólico), todavia, de toda a ordem social que representam. Logo, a violência dos policiais mais antigos na Corporação passa a assumir um caráter de manutenção de valores, de preservação de uma ordem, de resistência e, até mesmo, de temor, ao novo modelo de segurança, fruto de sua visão militarizada. De forma diferente, os policiais mais novos, em sua maioria, apontaram as motivações por necessidade econômica como as que mais influíram em sua entrada para as fileiras da PMRN. A profissão de policial é vista segundo uma perspectiva de mercado, onde o que interessa é muito mais a estabilidade no emprego, isto é, o menor risco de ser demitido, aliado à perspectiva de promoções, de obter-se um lugar em algum setor privilegiado da Administração Pública ou, no mínimo, uma oportunidade de pagar a mensalidade de uma faculdade particular. Assim, é considerável o número de profissionais com formação de nível superior (psicólogos, pedagogos, jornalistas, biólogos, bacharéis em Ciências Jurídicas, administradores, etc), universitários ou pessoas buscando acesso ao ensino superior, que ingressam na Polícia Militar, visando uma colocação que lhes permita estabilidade e um salário que não está muito abaixo do mercado, enquanto tentam, em geral, por meio de outros concursos públicos, especialmente, uma melhor condição financeira. Essa

visão mercantilista da profissão fica bem registrada nas declarações do Oficial 3 da Corregedoria de Polícia, ao afirmar que:

Quando a gente entra num determinado emprego porque a gente precisa é uma coisa, mas quando a gente entra porque a gente gosta daquele serviço, é outra coisa. Então, no último concurso que teve, a gente deu uma olhada na questão do edital e o edital está dizendo que ser policial não é para quem precisa, não é como primeiro emprego. É uma dedicação

exclusiva, é uma vocação (grifo meu). E o pessoal entende como primeiro

emprego, como um cabide de emprego, porque eles estão entrando apenas para pagar uma faculdade, não têm aquela vontade de tirar o serviço. Não é à toa que um monte de gente está procurando não tirar serviço de rua.

Essa visão do mercantilismo entra em choque com as idéias da dedicação exclusiva e da vocação, expostas pelo Oficial entrevistado e que, a meu ver, seria uma espécie de linguagem idealista, politicamente correta, corriqueira na Instituição. Este choque acontece a partir do momento em que o “mercantilismo” não gera um vínculo identitário mais forte com a Instituição, ou seja, certos valores profissionais (representações) considerados tácitos e indeléveis no métier policial e que funcionam como uma espécie de mecanismos de controle, são colocados em segundo plano. Daí, valores nem sempre compatíveis com a atividade de polícia contribuem de forma muito mais ativa para a efetivação de comportamentos contrários ao que se deveria esperar de um integrante das forças de segurança do Estado, num regime democrático e de direito. Esse estado de coisas reflete-se nas palavras do Oficial 1, que ao ser entrevistado declarou:

Apesar de eu não ter nenhuma base calcada em um trabalho científico, mas eu acredito que essa mudança de comportamento se reflete justamente no perfil da geração, da nova geração que está chegando na Polícia Militar, que é a geração desses nossos jovens de hoje, dos nossos adolescentes, dos nossos jovens em geral, que não têm muitos valores, que eram embutidos no jovem do passado, de quando eu fui adolescente ou quando você foi adolescente. A própria desagregação familiar, a falta de respeito às autoridades, aos mais velhos, aos professores, então, eu entendo que isso aí é reflexo exatamente disso, essa desagregação familiar e social.

Compreendo que, na verdade, o que o Oficial tentou expressar foi o fato de que os soldados são movidos por valores pré-existentes à sua entrada na PMRN, isto é, que se encontravam – e se encontram – presentes no cerne da sociedade brasileira e que ganharam maior visibilidade atualmente, como, por exemplo, a corrupção. Penso que não é conveniente mergulhar na apresentação de teorias e conceitos que busquem explicar esse comportamento, pela limitação desta

pesquisa, contudo, permito-me sugerir uma análise das questões afetas ao individualismo em sua relação com o consumismo, enquanto elementos da cultura contemporânea, bem como, ao hedonismo vigente no tempo presente.

Considero que, à exceção de alguns Oficiais, ser policial militar não estava entre as prioridades dos jovens que tinham acesso aos cursos de graduação e pós- graduação das universidades, algumas décadas atrás, pelas condições de trabalho e os baixos salários oferecidos pelo Estado aos policiais, além do fato do “ser soldado PM”, historicamente, constar do rol de ocupações que não exigiam maiores qualificações, sendo considerado trabalho para pessoas com discernimento e capacidade intelectual limitados. Ressalto que, durante a pesquisa, em conversa informal com Oficial do último posto (coronel) e de elevada função no cerne da Instituição, com respeito à paralisação promovida por associações de Praças durante o mês de março deste ano, fui inquirido sobre qual o papel principal da Polícia Militar no seio da sociedade, tendo respondido a meu interlocutor que consistia na preservação da ordem pública, por meio do policiamento ostensivo fardado. De imediato, o Oficial em questão indagou-me se para fazer policiamento era necessário que o soldado tivesse curso superior, insistindo que o aumento do nível intelectual dos soldados PM consiste um problema para a Corporação, principalmente no que se refere à disciplina. Logo, percebo nas palavras do coronel, a antiga representação do soldado como alguém que não deve exibir nível intelectual privilegiado, que não reflete sobre a realidade à sua volta, portanto não questiona, apenas subordina-se e obedece o que lhe é determinado, ou seja, permanece no seu lugar. Assim, ressalto três pontos que considero fundamentais nessa representação: 1) ela é uma reprodução da idéia de hierarquia social e do conflito nas relações entre classes vigente na sociedade, a partir da redemocratização do país; 2) ela serve como justificativa, como forma de ocultar possíveis falhas nos mecanismos de controle interno da Corporação e para a crise de relacionamento e autoridade entre as diversas categorias que integram a Força Pública, a exemplo do contexto sócio-político brasileiro e 3) ela reflete a disputa por capital e espaços de poder no âmbito da Instituição PM, a exemplo do que ocorre no ambiente externo à Polícia. Proponho, portanto, ainda que forma tautológica, que o discurso apresentado pelo coronel no diálogo anteriormente mencionado, consiste claramente, na reprodução de um conceito construído no imaginário social de certa categoria – me permitirei dizer –, de uma elite, ou seja, é uma representação social

construída no cerne do habitus policial militar, o qual, dentro desse espaço, é estruturado segundo um contexto maior, as estruturas sociais, ao mesmo tempo em que contribui como elemento estruturante desse contexto. De acordo com as considerações de Ortiz e Fernandes, “as relações de poder no interior do campo reproduzem, assim, outras relações que lhe são externas” (1994; p. 24) e propõe ainda, que:

O habitus assegura a interiorização da exterioridade e adequa a ação do agente à sua posição social [...] essa dimensão social em que as relações entre os homens se constituem em relações de poder, mais ainda, em que reproduzem o sistema objetivo de dominação interiorizado enquanto subjetividade: a sociedade é, dessa forma, apreendida como estratificação de poder. A reprodução da ordem não se confina simplesmente aos aparelhos coercitivos do Estado ou às ideologias oficiais, mas se inscreve em níveis mais profundos para atingir inclusive as representações sociais ou as escolhas estéticas. (ORTIZ & FERNANDES; op cit; 25-26)

Entretanto, há de se observar a dinâmica social que se desenvolve no curso, da história, produzindo mudanças. Embora o habitus seja uma construção teórica que “se define por sua tendência à reprodução” (ibidem), Ortiz e Fernandes lembram as noções de autonomia e de heresia conforme as elaborações de Bourdieu e Gramsci, respectivamente. De acordo com Ortiz e Fernandes:

Para Bourdieu, o princípio da autonomia se encontra estreitamente ligado à idéia de reprodução; pode-se desta maneira, afirmar que a história do campo é a história que se faz através da luta entre os concorrentes no interior do campo. Neste sentido, a História se desvenda como reprodução, pois como sonciderar o campo, locus do consenso, como espaço da transformação? Se as estratégias de subversão são ritualísticas, a História só pode se resumir ao movimento dos atores no interior de um determinado