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CAPÍTULO 2 EDUCAÇÃO E DESIGUALDADES ÉTNICO-RACIAIS

2.3 Os negros no Brasil: os dados da desigualdade social e racial

Minha negritude não é nem torre nem catedral Ela mergulha na carne vermelha do solo Ela mergulha na carne ardente do céu Ela rasga a prostração opaca da paciência sensata... (FANON, 2008, p. 124)

Fora do Continente Africano, o Brasil é o maior país do mundo em população afrodescendente, sendo também o último país a abolir a escravidão negra, e o que mais importou africanos para serem escravizados, em torno de aproximadamente 4 milhões.

A pesquisa “Perfil Social, Racial e de Gênero”, realizada em abril de 2007, do Instituto Ethos, conduzida pelo Ibope Opinião, constatou que a presença de mulheres e de negros nas empresas ainda é reduzida, se comparada à participação desses grupos na sociedade brasileira ou até na População Economicamente Ativa (PEA). Nas diretorias, o índice de participação das mulheres é de 9% e o dos negros, de 1,8%.

Os dados do IBGE no censo de 2006 indicaram que a população negra é a mais pobre e a que tem menos acesso à educação, ao trabalho e aos serviços públicos básicos. De acordo com aquele censo: a cada mil nascimentos, morrem 37,3 crianças brancas e 62,3 negras; a mortalidade entre menores de 5 anos é de 45,7 crianças brancas e de 76,1 negras; do percentual de 27,3% domicílios

brasileiros chefiados por mulheres, as mulheres negras chefiam os mais pobres; dos analfabetos de 15 anos ou mais, 8,3% são brancos, 21% são negros e 19,6% são pardos. Dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pelo DIEESE/SEADE 2002, revelavam que a população negra e, especialmente, as mulheres negras, são as que recebem as menores remunerações e enfrentam os maiores obstáculos para ascender a cargos de direção e planejamento.

No ensino fundamental, os pretos e pardos representam 53,2% do total de alunos, e os brancos são 46,4%. Já na pós-graduação, o índice de participação de afrodescendentes é de 17,6%, enquanto os brancos somam 81,5% do total (Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2002 tabulados pelo INEP – Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

Diversas pesquisas evidenciam as relações entre os aspectos de etnia/raça e educação, negro e mercado de trabalho, revelando as desigualdades existentes entre negros e brancos no Brasil. Dados como os apresentados pelo IBGE (2007) revelam que a população negra é a mais pobre e a que menos tem acesso às condições de moradia, assistência médico-sanitária, escolaridade, emprego e renda. Em números absolutos, no Brasil, entre cerca de 15 milhões de analfabetos, 10 milhões são constituídos de brasileiros pretos e pardos. “As taxas de analfabetismo entre a população de 15 anos ou mais de idade foram de 6,5% para brancos, e de mais que o dobro, 14% para pretos e pardos” (IBGE, 2007, p. 2).

Na região Nordeste, em relação à taxa de analfabetismo funcional das pessoas de 15 anos ou mais de idade, segundo os critérios de cor e raça, a população negra, somada à população parda, apresenta o maior percentual (72,8%) e a população branca o menor percentual (28,6%). Dos analfabetos de 15 anos ou mais, 8,3% são brancos, e temos aproximadamente 40,6% de sujeitos negros analfabetos, sem direito ao exercício pleno de sua cidadania, o que evidencia que as condições sociais são determinantes para a aquisição do capital cultural.

Henriques, em um recente estudo quantitativo realizado, revela a desigualdade no que se refere à escolaridade entre brancos e negros:

A escolaridade de brancos e negros nos expõe, com nitidez, a inércia do padrão de discriminação racial. [...] apesar da melhoria dos níveis médios de escolaridade de brancos e negros ao longo do século, o padrão de discriminação, isto é, a diferença de escolaridade dos brancos em relação ao negro se mantém estável entre as gerações. No universo dos adultos, observamos que filhos,

país e avós de raça negra vivenciaram, em relação aos seus contemporâneos de raça branca, o mesmo diferencial educacional ao longo de todo o século XX (HENRIQUES, 2002, p. 93).

O Brasil possui 34 milhões de brasileiros(as) de 15 a 24 anos de idade representando aproximadamente 20,07% da população brasileira. Destes, 16.210.910 são negros(as) e 19.821.310 milhões são analfabetos(as). Esses números indicam que 47% dos jovens brasileiros são negros e que mais da metade dos jovens são analfabetos e evidencia que as desigualdades educacionais atingem significativamente os(as) jovens negros(as) (PASSOS, 2005, p. 04).

Sobre o mapa da desigualdade, podemos identificar mediante os dados do IPEA (2000) que

A escolaridade média de negros e brancos tem aumentado de forma gradativa durante todo o século XX, contudo, é no grupo negro que tais desigualdades ainda são maiores. Em 1999, 8% dos jovens negros entre 15 e 25 anos eram analfabetos, sendo 3% o percentual de jovens analfabetos entre os brancos; 5% dos jovens negros entre 7 e 13 anos não frequentaram a escola e somente 2% dos jovens brancos da mesma faixa etária não o fazem; 84% dos jovens negros entre 18 e 23 anos não concluíram o ensino médio em comparação com 63% de jovens brancos da mesma faixa etária; 75,3% dos adultos negros não concluíram o ensino fundamental; entre os adultos brancos, esse índice é de 57,4%. Completaram o ensino médio, 12,9% dos brancos e 3,3% dos negros; quanto ao ensino superior, 98% dos jovens negros e 89% dos jovens brancos não ingressaram na universidade (IPEA, 2000).

A partir daquela ótica, Gomes (2005), ao tratar das desigualdades sociais e raciais na EJA, afirma que não atingiremos todos os jovens e adultos de maneira igualitária e democrática se o desenvolvimento de políticas públicas para a EJA priorizar apenas o enfoque socioeconômico. É necessário que priorizemos as questões étnico/raciais, de gênero, de geração, de sexualidade, entre outras, para que possamos superar uma leitura determinista das relações de classe em detrimento das relações de raça-etnia, de gênero e de cultura.

Aquela autora denuncia a importância de se refletir sobre a EJA levando-se em consideração a realidade dos jovens e adultos, na sua maioria negros, que vivem em processos de exclusão social e racial, sendo papel da escola desenvolver projetos e políticas de inclusão que contemplem a importância das questões étnico- raciais, pois esses projetos podem contribuir para o desenvolvimento de mudanças

identitárias na forma como os jovens e adultos negros se vêem, se relacionam e se posicionam no mundo. O desenvolvimento de tais projetos pode fortalecer para que a negritude dos alunos(as) possa ocupar um lugar de orgulho.

A situação de exclusão da população negra exige que rompamos com o silêncio, com a situação de comodidade e passividade e independente do pertencimento étnico-racial busquemos construir novas posturas e práticas em prol da realização de um processo de emancipação social.

Nesse sentido, somos convidados a refletir sobre qual é o papel das políticas de ações afirmativas para mudança do contexto de exclusão e desigualdades sociais e educacionais ao qual é submetida a população negra no Brasil.

Fruto da luta dos movimentos sociais e da resistência do movimento negro contra as tentativas de silenciamento e inculcação do mito da democracia racial, tais medidas obrigam o Estado a construir políticas de ações afirmativas.

Para Henriques (2001), os processos de naturalização da desigualdade engendram, no seio da sociedade civil, resistências teóricas, ideológicas e políticas, devendo ser o combate à desigualdade uma das prioridades das políticas públicas, pois para que tenhamos uma sociedade mais justa e democrática é necessário desconstruir a naturalização da desigualdade. O autor revela que a pobreza no Brasil tem cor, indicando como um dos principais determinantes da pobreza a desigualdade racial, considerada pelo mesmo como o maior problema estrutural do nosso país.

Nessa seção apresentamos os dados das pesquisas que revelavam a situação de injustiça e desigualdade vivenciada entre negros e brancos no Brasil. A partir de tais constatações, espera-se que o Estado não se mantenha omisso e não continue negligenciando a população negra. Evidenciamos a pertinência no desenvolvimento de políticas públicas e ações afirmativas que revertam o quadro de extrema desigualdade entre os grupos étnico-raciais de negros e brancos.

É importante destacarmos que as políticas de ações afirmativas são oriundas de lutas históricas, que se configuram no cenário nacional e internacional. Nesse contexto, destacamos a II Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância na África do Sul, organizada pela ONU, no ano de 2001. Após o evento, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apresentou um relatório, produzido por pesquisadores da questão étnico-racial e do movimento negro, no qual denunciava e comprovava a

manutenção das desigualdades raciais desde o período da abolição. Este documento tornou-se uma das justificativas mais citadas para a implantação de políticas públicas para a inclusão da população negra.

A resistência negra, expressa, principalmente, pelo movimento negro organizado, foi uma das principais vozes a reivindicar por medidas de combate ao racismo e às desigualdades sociais e educacionais. Dentre as ações desenvolvidas pelo Estado, ressaltamos a implementação da Lei 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96), instituindo a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africanas e Afro-Brasileiras. No ano seguinte, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas. Posteriormente, a Lei 10.639/03 é promulgada a Lei 11.645/08, acrescentando em sua redação a obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura Indígena.

A Lei 10.639/03 se apresenta como uma possibilidade para tratar a diversidade, através do incentivo à produção de conhecimentos sobre a pluralidade étnico-racial, e da reeducação de atitudes, valores, capacitando as pessoas para dialogar e interagir com diferentes culturas. Esse reconhecimento sugere mudanças nos discursos, nos gestos, nas posturas, nas políticas públicas e nas estratégias pedagógicas, a fim de superar as desigualdades étnico-raciais na educação escolar brasileira.

Outra medida tomada na direção da implementação das ações afirmativas para a população negra foi o desenvolvimento de programas voltados para garantir a inclusão dos negros(as) no ensino superior e nos outros níveis de ensino. Destacamos no governo de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2006) o lançamento do Programa “Universidade para Todos” – PROUNI, que prevê a concessão de bolsas de estudos em instituições privadas voltados para os jovens de baixa renda e os professores da rede pública, impossibilitados de ingressar no ensino superior. Nesse período também é incrementado um debate em torno das políticas de cotas para as universidades federais, sendo esta adotada à custa de muita controvérsia em algumas universidades.

Para Guimarães (2005), ainda é incipiente a discussão no Brasil sobre políticas públicas específicas para beneficiar os afro-brasileiros. Tal debate esteve durante muito tempo restrito a entidades dos movimentos negros, a alguns espaços

acadêmicos, e por iniciativa do governo federal vem se ampliando para um público mais diversificado.

Para aquele autor, as ações afirmativas quando concebidas como uma forma de restituir a igualdade de oportunidades “deve ser temporária em sua utilização, restrita em seu escopo, e particular em seu âmbito... Devendo ser compreendida como um mecanismo, um artifício, para promover a equidade e a integração sociais” (idem, p. 197).

Como as políticas de ações afirmativas podem contribuir para a população negra presente na Educação de Jovens e Adultos? Nesse trabalho, apontamos como uma ação afirmativa para a população negra da EJA o desenvolvimento de uma educação capaz de promover naqueles discentes sua inserção com autonomia em práticas sociais de leitura e escrita. Acreditamos que os domínios da leitura e da escrita se apresentam como um capital cultural importante em nossa sociedade, sendo imprescindíveis para os processos de inclusão e inserção social da população negra.

Consideramos relevante refletir como as desigualdades sociais e raciais se manifestam na EJA. A tarefa que nos propomos na seção seguinte é identificar as intrínsecas relações da EJA e as questões étnico-raciais

,

contextualizando quem é a maioria dos jovens e adultos que recorrem àquela modalidade de ensino, percebendo-a como uma das poucas alternativas para o desenvolvimento de sua escolaridade e a reconstrução de seus projetos individuais e coletivos.