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uma vez que minhas inquietações eram referentes às ideias que os estudantes manifestavam e isso me inquietava já que estes não a tinham cursado. Desse modo, a maneira como os estudantes interpretam a Didática em meio à multiplicidade das realidades sócio-culturais que vivenciam no contexto do seu curso de formação me faz pensar que os mesmos já apresentavam políticas de sentido sobre Didática.

Durante o desenvolvimento da disciplina Currículo, fui me interessando cada vez mais pelos estudos sobre currículo proposto por Macedo (2007, 2010) no campo da formação. O autor pontua que a problemática da formação começa na concepção curricular e que há um esvaziamento nos estudos sobre formação articulados ao currículo. Nessa direção, Macedo (2007), constrói o conceito de atos de currículo no âmbito da formação, isto é, os atos de currículo como processo que visa à formação. Assim, Macedo diz:

Atos de currículo são todas as atividades que se organizam e se envolvem visando uma determinada formação, operacionalizadas via seleção, organização, formulação, implementação, institucionalização e avaliação de saberes, atividades, valores, competências, mediados pelo processo ensinar/aprender ou sua projeção. (MACEDO, 2007, p. 38).

Nesse primeiro contato com o conceito de atos de currículo, articulei as inquietações acerca da disciplina Didática, ou melhor, os sentidos atribuídos à disciplina pelos estudantes dos Cursos de Licenciatura da UEFS, supus que estes pudessem ter alguma relação com os atos de currículo praticados por nós, professores, assim como, pela instituição, via colegiados dos cursos e até mesmo pelas políticas internas da referida instituição. Com base em Macedo (2007), os atos de currículo são praticados tanto por professores, estudantes, gestores, pais enfim, pela comunidade envolvida nas atividades dentro de um contexto que visem a uma determinada formação.

 

2.4 OS NEXOS ENTRE O MOVIMETO DE TECER E DESTECER  

Foi a partir dessas inquietações que elaborei o projeto de pesquisa para seleção de doutorado em 2009 com o objetivo de compreender como os atos de currículo de estudantes e professores no contexto da disciplina Didática do Departamento de Educação (DEDU/UEFS) contribuem no processo de construção de políticas de sentido da Didática na formação

docente dos estudantes dos Cursos de Licenciatura5 da referida instituição. E no projeto anunciei estar entendendo atos de currículo no contexto da minha experiência docente na UEFS, sendo praticados tanto pelos estudantes dos Cursos de Licenciatura quanto por professores de Didática e de outras áreas que compõem os processos formativos dos estudantes.

Como educadora que experiencia a docência percebi a imprescindível necessidade de compreender as políticas de sentido em Didática na formação do educador a partir dos olhares de estudantes, professores e das propostas institucionais da UEFS.

Entendia, naquela ocasião, a partir de alguns subsídios teóricos as políticas de sentido como possibilidades das leituras plurais (teórico-práticas), de diferentes ângulos. Em continuidade a esse processo de compreensão, sempre em busca de aprofundar teoricamente esta noção fui entendendo as políticas de sentido como possibilidade dialógica com complexas teias culturais e tessituras subjetivas e intersubjetivas, visto que, de acordo com Macedo (2004)

Ao pensar o conhecimento como sendo uma conseqüência da subjetividade socializada do ser, isto é, da tomada de consciência do conhecido, já se questiona a relação sujeito-objeto. Fundamental é o fato de que sempre que o ser está empenhado em conhecer, precisa, antes, situar-se numa relação significante com o objeto que lida. [...] Em toda construção humana há políticas de sentido. (MACEDO, 2004, p. 45).

Considero importante a ideia apresentada por Macedo (2004) por apontar o quanto o conhecimento aflora subjetividades, seja do professor, do estudante, do sujeito. Por entre subjetividades, vão-se construindo políticas de sentido que os sujeitos vivenciam no cotidiano. Naquele período para mim, os estudantes manifestavam políticas de sentido vinculadas às redes de políticas de sentido. Assim, as redes de políticas de sentido dizem respeito às relação que os estudantes vão estabelecendo no contexto da formação, bem como sua mediação no processo formativo. Um olhar é como procurar vestígios de tantas relações, os nexos que são estabelecidos nas intercomunicações na construção desse conhecimento. Tais redes podem ser encontradas nos documentos oficiais do curso, nos programas de disciplinas, nos discursos de professores, nos diálogos com o conhecimento da área da Didática, enfim nas inter-relações e intercomunicações no contexto de formação.

5 Em função da quantidade dos cursos de licenciatura da instituição, optei, neste estudo, por investigar dois deles: Matemática e Geografia.

A compreensão dessa relação dialógica entre políticas de sentido e as redes de políticas se manifestam nas vozes dos sujeitos envolvidos nessa formação. Daí as políticas de sentido abarcarem muitas sínteses e pensares sobre os sentidos, tornando-se redes de conhecimentos que circulam e se ligam em um dado lugar, em um dado espaço e em uma dada cultura, permeada de aprendizagens e de resistências, lutas, escolhas, produções e negociações de sentidos.

Apesar de tantos estudos e pesquisas nesse campo, ainda existe um lastro de inquietações acerca da formação. A complexidade que envolve a formação de professores, bem como a produção e reprodução dos conhecimentos e, de políticas de sentido da Didática vão sendo tecidas no processo de construção e desconstrução do conhecimento pelos estudantes marcando os percursos da formação docente. Os atos de currículo como mediação, como processo de construção das políticas de sentido, realizados pelas professoras e estudantes no contexto da disciplina Didática, podem estar intimamente ligados às subjetividades desses professores e estudantes que influenciam na construção das políticas de sentido. Desse modo, percebo atos de currículo como mediação, uma vez que professores e estudantes compartilham, tencionam e negociam os pontos de vista, as tendências, os sentidos através da linguagem, do diálogo, da interação e do ato.

A compreensão sobre mediação está sustentada nas ideias dos teóricos Vygotsky (1998) e Bakhtin (1986). Para Vygotsky (1998), o homem se produz na e pela linguagem, ou seja, sua intensa interação com o outro vai constituindo os pensares e os saberes do sujeito. Essa relação entre homem e mundo é uma relação mediada, existem elementos que auxiliam a atividade humana. De acordo com os estudos de Bakhtin (1986), a linguagem se caracteriza como mediação na construção de sentidos pelos sujeitos que são sujeitos sociais. Sujeitos, que produzem sentidos na sua trajetória cultural e nas relações com o outro construindo, assim, as redes de produção de sentidos que se transformam constantemente. Devo salientar que, a partir dos estudos de Bakhtin sobre mediação, entendo atos de currículo como dialogia que se interpõe na construção e produção de políticas de sentido da Didática.

Nessa perspectiva de estudar os atos de currículo como mediação na construção de políticas de sentido da Didática é que se faz necessário discutir como uma pauta política que está imbricada com os fenômenos educacionais que decorrem de políticas e práticas de formação. Até porque este conceito é um conceito polissêmico, complexo e sua associação à multiplicidade de entendimentos tem manifestado muitas imagens e significados. Os estudos e pesquisas sistematizados por Dominicé (1988, 2012), Freire (1996), Honoré (1980), Josso (1988, 2004), Macedo (2009, 2010, 2011, 2012), Nóvoa (2002) e Pineau (1988) entre tantos

outros, assinalam um novo movimento de compreensão da formação, ao passo que a trazem para o cerne do debate e põem o sujeito como protagonista deste processo. Tais teóricos comungam da compreensão de formação como um processo experiencial, o qual se dá no âmbito do sujeito, considerando a dimensão hetero e eco desse processo formativo. Então, tal perspectiva que apresento aqui se ancora nos estudos de bases filosófico-epsitemológicas defendidas por estes estudiosos.

As discussões acerca da formação nos espaços do conhecimento pedagógico apresentam-se de forma intensa e nas reformas contemporâneas esta palavra é bastante usada, porém passou a ser questionada nos últimos anos justamente por não responder às demandas dos educadores. Para o estudioso Dominicé (2012), “a palavra formação comporta uma grande variedade de significados. Não é fácil definir, quando falamos de formação, de que estamos falando exatamente” (DOMINICÉ, 2012, p. 19). O autor fala dos tantos mal- entendidos e confusões de realidades diferentes e das multiplicidades de significados do termo correntemente utilizados em contextos distintos. Daí decorrem as dificuldades de compreensão sobre tal fenômeno. Para o autor “a formação não se limita nem a um diploma, nem a um programa, nem a uma lei. Reconhecida como necessária para o exercício de uma profissão, ela também faz parte da evolução da nossa vida pessoal” (DOMINICÉ, 2012, p. 19). Não se restringe a um certificado, a um decreto ou um curso, mas é compreendida como um fenômeno que integra a vida, os processos educativos que cada sujeito vivencia de forma singular.

Ao tratar da formação inicial dos estudantes dos Cursos de Licenciatura, busco entender como está posto no próprio projeto a compreensão de formação e como os sujeitos envolvidos a compreendem, uma vez que este fenômeno é intensamente mobilizado e tensionado, não só pelos documentos oficias, mas, também, pelos professores formadores que estão diretamente lidando com os sujeitos em processos formativos.

De acordo com Honoré (1980, p. 17) “la palabra formación, tal y como se emplea hoy día, se refiere principalmente a actividades”. O autor aponta que, de fato, existem muitas definições sobre formação e muitas atividades relacionadas a ela, mas não há uma “ciência da formação” que a contemple, na perspectiva da sua constituição, no que se refere à interioridade do sujeito. Assim, Honoré afirma:

La formación es mucho más raramente considerada desde el punto de vista del sujeito, de la interioridad, como una dimensión característica de la persona. La formación, dice Lhotellier, “es la capacidad de transformar en experiencia significativa los acontecimientos cotidianos generalmente sufridos, en el horizonte de un proyeto personal y colectivo”. En ese caso, no

es algo que posee, sino una aptitud, o una función que se cultiva, y puede eventualmente desarrollarse. 6(HONORÉ, 1980, p. 20).

Nessa direção, Honoré (1980) compreende a formação, como inter-experiência que diz respeito à aprendizagem do sujeito. Bernard Honoré e Alexandre Lhottelier (1980) falam de formatividade como sendo o conjunto de condições e mediações para que a formação seja possível. Isso reforça que formação diz respeito ao sujeito que está intimamente relacionado com a experiência vivenciada por ele e pelas relações que estabelece com o seu entorno, seu contexto, seu mundo. É, portanto, um processo intersubjetivo e intrasubjetivo.

Macedo (2010, p. 117) compreende a “formação enraizada na emergência de perceber o cidadão ou a formação cidadã, que contempla o cidadão crítico e ao mesmo tempo implicado”. Portanto, a formação é compreendida como fenômeno que se configura na experiência profunda e implicada do ser humano, que aprende de forma interativa e significativa, imerso em uma cultura e sociedade, através das suas diversas e intencionadas mediações. O autor destaca que a formação é um fenômeno que solicita “a dimensão ética e política, no sentido de compreender processo de aprendizagem formativa” (MACEDO, 2009, p. 7), envolvendo uma relação muito mais complexa. Trata-se, de “uma relação sujeito- sujeito, reconhecida e eticamente responsabilizada” em que a formação se configura quando nos alteramos com o outro.

A partir desse conjunto de conceitos e compreensões articulados ao meu interesse e minha experiência com os estudantes, fui desenhando os caminhos para desenvolver o projeto caso fosse aprovada com a intenção de realizar uma Etnopesquisa Crítica e Multirreferencial, tendo como base teórica a etnometodologia sustentada nas epistemologias da hermenêutica crítica e da sociofenomenologia, as quais tratam o conhecimento, como provisório, mutável e relativo da verdade. Por entender os dispositivos da pesquisa como possibilidades de bifurcações, desvios e retornos, que muitas vezes são necessários, os procedimentos escolhidos se justificaram pelo caráter de se aproximarem da inspiração do método de estudos sobre casos do tipo etnográfico, bem como estarem em consonância com a Etnopesquisa Crítica e Multirreferencial. A entrevista aberta, a observação participante, o grupo focal e a análise de documentos foram os dispositivos que apresentei no projeto, tendo em vista que outros poderiam ser contemplados, a depender das situações advindas do campo.

6 A formação é muito raramente considerada desde o ponto de vista do sujeito, da sua interioridade, como dimensão característica da pessoa. A formação, diz Lhotellier, é a capacidade de transformar em experiência significativa os acontecimentos cotidianos geralmente sofridos em um horizonte de um projeto pessoal e coletivo. Nesse caso, não é algo que possui se não uma atitude, ou uma função que se cultiva e pode eventualmente desenvolver-se.

Por tratar-se de dois Cursos de Licenciatura, faz-se pertinente o estudo sobre casos ou multicasos, uma vez que mais de uma realidade é estudada lançando-se mão dos estudos sobre casos. De acordo com Macedo (2007, p. 91), com os estudos sobre casos “evita-se a mera comparação, construindo-se relações contrastantes e totalizações em que o movimento relacional com os contextos mais amplos pertinentes é a principal característica”. Segundo o autor, o estudo sobre casos busca a pertinência do detalhe. A singularidade na maneira de perceber as compreensões foge dos modelos positivistas, não fazendo oposição entre o qualitativo e o quantitativo, possibilitando uma melhor discussão sobre o inusitado, o não dito e o não revelado.

No projeto de Pesquisa, explicitei o meu desejo em querer compreender como os atos de currículo de estudantes e professores contribuem no processo de construção de políticas de