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A década de 80 assiste às mudanças no mundo da produção e o Estado inicia um processo de desaceleração das políticas sociais, mediante a redução de gastos sociais e do debilitamento da legislação estatal protetora. É o início da desregulação /descentralização /desconcentração. É a crise do Estado de Bem-Estar, mas é também o início da importância de o trabalhador participar das decisões políticas para a saúde, com a criação de um conjunto de institutos constitucionais e da criação pela própria sociedade civil de processos e formas de participação. E a chegada do novo cidadão.

Este Estado não pode conviver com uma sociedade que se assenta cada vez mais nos serviços e cada vez menos no trabalho produtivo. O Estado Social necessita de uma nova inteligibilidade, já que não mais pode se nutrir da sociedade do trabalho, tom a-se incapaz de engendrar uma vida futura melhor e menos ameaçada (Habermas, 1987).

O Estado de Bem-Estar entra em crise pelos obstáculos com os quais se depara durante o seu processo de implementação: não se domestica o sistema econômico, desgruda-se das bases sociais, já que elas desenvolvem uma mentalidade conservadora e se unem às classes médias, descarta-se o trabalhador como agente transformador.

Nesta situação, as utopias colocadas para a sociedade do trabalho se esgotaram e o Estado Social acabou num beco sem saída (Habermas, 1987).

Na perspectiva liberal, os problemas do Estado de Bem-Estar da década de 80 encontram-se no antagonismo entre o aspecto da garantia civil coletiva do Estado de Bem-Estar e os aspectos liberais do Estado, “garantias de propriedade privada, de relação de mercado contratuais e. consequentemente, de uma economia capitalista” (Offe, 1994, p.272).

Dois são os momentos distintos e significativos da política brasileira e conseqüentemente das políticas sociais e em particular das políticas de saúde, dos anos 80.

O primeiro desses momentos inicia-se com a maciça mobilização

popular contestando o regime militar (Diretas, já, 1984), sem contudo ser

suficiente para vencer a resistência do sistema dominante, aqui identificado como Governo Figueiredo (1979-1985), para a realização das eleições para a sucessão presidencial. Este momento vai do movimento das diretas em 1984 e a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral em 1985 à aprovação da Nova Constituição em 1988.

As mobilizações não são capazes de predeterminar uma nova organização institucional. A elite política não possui segurança nem legitimidade suficiente para acelerar a emergência de uma nova ordem fundada em eleições diretas e livres.

As forças políticas acordam um encaminhamento institucional definido, procedimentos institucionais e políticas substantivas, ao processo sucessório. Permite-se o enffentamento situação-oposição com candidatos civis, imprimindo aos dois projetos políticos uma democracia restringida.

A negociação política estabelece parâmetros difíceis para a afirmação do primeiro governo civil, segundo Lamounier (1989, p.46-47): informações modestas sobre as dissensões latentes na coalização redemocratizadora, a superestimação da capacidade governativa do PMDB; a excessiva personalização da agenda e dos objetivos a serem perseguidos, uma espécie de delegação nacional a Tancredo Neves, o experiente vencedor do Colégio Eleitoral; altas expectativas em relação às políticas redistributivas, à efetividade governamental e aos novos padrões éticos no setor público.

O regime militar tratou de oferecer uma fachada eleitoral ao momento político em questão, sem contudo deixar de estar presente seja na preservação da estrutura organizacional da política, seja na manutenção do calendário eleitoral.

Segundo o mesmo autor, “(•••) há boas razões para se supor que o curso dos acontecimentos teria sido distinto com Tancredo Neves”, (Lamounier, 1989, p.47), já que uma coordenação pactuada entre as elites teria sido possível e a coalização dominante (PMDB e PFL) ao encontrar-se, nesta oportunidade fragmentada, possibilitaria a definição da agenda política geral a ser realizada pelo próprio Tancredo Neves.

Com a morte de Tancredo Neves, Samey o substitui (1985-1989), sendo considerado um governo aventuroso (Lamounier, 1989, p.49), por não gozar de credibilidade, e tem que enfrentar a ilegitimidade natural - expressão de Lamounier (1989) - para organizar seu próprio governo sem desatar aqueles compromissos firmados por Tancredo quando conciliou seu ministério.

A chamada ilegitimidade original (grifos de Lamounier, 1989, p.47) leva Samey a adotar políticas heterodoxas e a corresponder assim, às expectativas do empresariado nacional e estrangeiro. Este período de ilegitimidade, acrescido das fraturas na Aliança Democrática, das pressões inflacionárias do período e do entulho autoritário, herança dos vinte e um anos de regime autoritário, complicam ainda mais o Governo Samey.

Dilson Funaro, então Ministro de Estado, lidera um grupo de economistas, os quais convencem o Presidente a implementar um ambicioso programa de estabilização, o chamado Plano Cruzado, que lhe confere autoridade p esso al.

Este primeiro momento da década de oitenta caracteriza-se por tratar de um projeto político nascido do movimento oposicionista e que se submete ao encaminhamento ideológico-militar, sem perder a dimensão democrática, mesmo que frágil. É o período da conservação controlada. Lamounier (1989) denomina esta fase de redemocratização da Sociedade Brasileira como eleitoreira e plebiscitária, ou como fraternidade plebiscitária.

O segundo momento tem início com a eleição livre e direta de 1989, para a Presidência da República - a primeira depois de 29 anos Pode-se, com certeza, afirmar que este é o momento de ruptura com o período de exceção A instalação da democracia brasileira tem início com a disputa de dois projetos políticos.

O primeiro dos projetos políticos tom a-se conhecido do grande público como sendo a Reconstmção Nacional. É o projeto vencedor nas umas com mais de trinta e cinco milhões de votos. Respalda-se nas massas urbanas excluídas e não conta com uma estrutura partidária forte.

O segundo é o projeto das esquerdas formadas no bojo da urbanização acelerada e promovida pelo processo de industrialização. Assenta-se na participação organizada da comunidade e nas bases municipais conquistadas em 1988.. Este projeto político tem a pretensão de substituir a democracia representativa.

Lula não consegue fazer confirmar nas umas a viabilidade de seu projeto político. Muitas podem ser as justificativas, mas o certo é que aproximadamente 35 milhões de eleitores decidem pelo projeto representativo das elites mais conservadoras, talvez por acreditarem que fosse no plano econômico que o neoliberalismo encontrasse a via mais rápida para o ajustamento do país à modernidade.

Com a derrota do projeto participativo fortalece-se a democracia representativa, preenchendo o espaço da centrodireita.

O projeto “Reconstrução Nacional” traz para o cenário político o fenômeno Collor, o qual foi possível graças à oposição contundente ao Governo Samey, pelo fato de simbolizar a hostilidade popular contra os políticos em geral e contra os privilégios e contra os marajás, mesmo que de forma demagógica.

Collor, ao não dever sua candidatura a partidos e ao não criar instrumentos para o exercício do poder de classe, acaba sendo identificado como aquele que pode salvar as elites dos riscos de candidaturas populares.

A despolitização das massas excluídas, o monopólio dos meios de comunicação e a fraqueza da esquerda em não conseguir organizar os excluídos e nem articular um projeto político alternativo de caráter nacional, segundo Sader (1993), leva Collor a se impor às camadas dominantes e delas dispor para governar sem arbítrio e desmentindo as promessas de campanha, logo após a sua posse.

Com o impeachment ascende ao poder Itamar Franco, sem quaisquer ligações espúrias. Atinge o coração do neo-liberalismo à medida em que dá prioridade às políticas sociais e enfrenta os déficits acumulados. O preço que paga por esta ousadia é caro. O PFL consegue negociar a Presidência da Câmara dos Deputados, o que acaba por impedir a tão necessária Reforma Agrária. Os projetos sociais aos poucos vão sendo desmoralizados pelos compromissos de uma política econômica monetarista. A democratização efetiva do País se choca também com a política econômica neoliberal.

Outros obstáculos vão dificultar o processo de democratização, e é na esquerda que se vai localizá-los. O PT não consegue, como já afirmou-se acima, mobilizar suas bases talvez por estar ocupado com a conquista dos espaços institucionais. Nem onde se encontram os líderes políticos de dimensão nacional e bem sucedidos, escapa das concessões liberais, enfraquecendo ainda mais as esquerdas

Como ficam as Políticas Sociais em cada um desses períodos dos anos 80?

Do ponto de vista formal, o Governo Samey alcança alguns avanços que vão se estender aos anos noventa. O marco está na aprovação da Constituição de 1988, com a chegada do Sistema Único de Saúde.

A conjuntura inaugurada na metade dos anos oitenta abre espaços institucionais para grupos políticos de oposição, com novos projetos de racionalização e de reforma do setor de saúde no país. Segundo Bodstein (1993,

189 p ). é

no plano jurídico-formal que essas conquistas e avanços não provocam mudanças positivas nos serviços médico-sanitários, mas provoca-se a retomada das questões relacionadas com a organização dos serviços.

Neste período o acesso das camadas populares aos serviços toma-se mais humanizado. A preocupação parece ser com os perfis e modelos assistenciais, considerando-se as demandas e necessidades de saúde e de assistência médica, sem contudo permitir que o projeto de reforma em saúde alcance identidade, já que os atores e os interesses populares têm dificuldade de participação.

Quais razões histórico-sociais teriam dificultado o resgate da dívida social acumulada e aprofundada no Brasil nos anos de ditadura militar? Como corresponder às demandas sociais irradiadas pelos movimentos populares a partir dos anos setenta, “subemergidos dos porões da clandestinidade ' (Silva & Silva, 1989,

P 115)?

A dívida social inspira os movimentos sociais e força compromissos do bloco político que se dispõe a assumir a transição democrática - o período também denominado de democracia consentida ou fraternidade plebiscitária por outros autores - dando margem à implantação da Nova República, com todo o entulho autoritário herdado: o arrocho salarial, inflação superior a 200% ao ano e um aparato legislativo que expressa a reminscência do longo período ditatorial vivido, hipertrofia do Estado e domínio da tecnoburocracia.

O Estado na Nova República

se coloca como mediador das classes sociais, escamoteando, portanto, a possibilidade de contradições antagônicas entre as classes existentes, reduzindo-as a mero conflito entre capital e trabalho que, administrado, conduziria ao Estado de Bem-Estar social, caracterizado por salários mais justos, maiores gastos em assistência social e maior integração e participação dos trabalhadores ( ...) (Silva & Silva, 1989, p. 117).

De um lado as pressões sociais exigindo políticas sociais, de outro as limitações colocadas para um projeto político amarrado à ordem anterior, contando em seus quadros com representantes da Velha República ocupando posições de comando, acabam por permitir alguns avanços e muitos recuos. Vejamos.

Entre os avanços encontra-se a mobilização das classes trabalhadoras conquistando aumentos salariais acima dos índices do INPC e uma política, ainda frágil, de controle de preços.

Os recuos vão ocorrer, segundo Silva e Silva (1989, p. 118-119), por conta da articulação da direita e do conservadorismo, que passam a agir articuladamente na busca do retrocesso na democratização do país (ressurgimento de figuras como Jânio Quadros).

Na área social, ainda fazendo uso da fala de Silva e Silva (1989, p. 115-143), considerada prioritária, não se definem programas para enfrentar o elevado índice de miséria urbana, agrava-se a saúde pública, pois os programas e ações de saúde não são iniciados. Apenas se reverte a situação da Previdência Social. Preconizam-se ações voltadas para o atendimento das carências urbanas: desnutrição elevada, incidências de doenças transmissíveis, precário atendimento médico-hospitalar, difícil acesso ao abastecimento de água e de esgoto sanitário com sérias repercussões sobre o quadro de morbidade e mortalidade.

A falta de legitimidade inicial do Governo Samey, os arranjos articulados com os setores da direita e a debilidade institucional dos partidos políticos empurram o Governo para soluções econômicas ousadas. O Plano Cruzado, com êxito na sua fase inicial, tom a-se a bandeira de legitimidade e sustentação deste Governo, mas não consegue evitar a perda de popularidade face às medidas do Plano Cruzado II.

O Plano Bresser (1987), após um mês de vigência, contabiliza uma baixa da inflação (3% em julho de 1987) e conseqüente reativação do consumo, mesmo num cenário político inseguro e num cenário econômico sem rumo que impede o retom o dos investimentos.

Com um quadro econômico instável e uma conjuntura política casuística e fisiológica e um projeto de grande alcance inicia em 1988, a Constituinte. Mesmo com os casuísmos e fisiologismos permeando o processo Constituinte, há conquistas na área dos direitos trabalhistas, da previdência social - Sistema Único de Saúde - e da organização sindical.

Pereira (1996) ao estudar as relações que se desenvolvem entre os grupos de interesses, os atores sociais e os efeitos perversos gerados pela agregação de interesses ao longo do processo de reforma sanitária, como a privatização enquanto efeito da universalização (as classes médias se retiram do setor público) e a não democratização gerada pela forma desagregada da descentralização, nos leva a perceber a distinção da década de 80, dada pelo

“vigoroso processo de redefinição do padrão de intervenção do setor público na área social” (Pereira, 1996, p.424) (grifos nossos), e pelos novos atores em cena.

O novo padrão de intervenção é alcançado:

a) pela busca de alternativas para dotar a ação pública de eficiência, eficácia, efetividade e assim superar o padrão centralizador/concentrador, autoritário, burocrático, privatizante e reconhecidamente fracassado;

b) pela nova configuração institucional, tendo no Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) a reforma mais significativa, já que amplia a eqüidade e os direitos de participação. O Sistema Único de Saúde (SUS) (ver anexo 5) é o nicho institucional que orienta o fortalecimento dos

municípios e traz a participação da população no

planejamento/gestão/execução/avaliação das ações de saúde e para a universalização da cobertura. Esta participação contou com a criação dos Conselhos de Saúde pela Lei 8142/1990;

c) pelos novos atores que adentram a arena de poder. De um lado, têm-se os Secretários de Saúde, com interesses subnacionais (Costa, 1996, p.503-506), de outro, os representantes dos interesses do complexo médico-industrial e os representantes dos interesses municipais/estaduais. Os temas básicos discutidos nesta arena, como não poderiam deixar de ser, são a descentralização e a participação popular. Os Secretários de Saúde levam os Municípios a aderirem ao programa da Ação Integrada de Saúde (AIS) e assim contarem com uma estratégia de descentralização das Políticas de Saúde;

d) pela incorporação de atores sociais até então excluídos, os quais defendem a quebra de interesses privados para se garantir a descentralização, a eqüidade e a acessibilidade (Pereira, 1996, p.430-433). A estratégia para garantir a “maximização” dos benefícios e diminuição de custos desses novos atores sociais é a “microracionalidade”, termos utilizados por Pereira (1996, p.430- 433).

Em síntese

1. Nos anos 80 o não acesso ao cuidado médico, resíduo do modelo dos anos 70, acaba por se traduzir na luta pela conquista do acesso. No cenário político descrito acima, entende-se a saúde como direito aos serviços médicos extensivo ao conjunto da população de baixa renda das periferias urbanas.

2. As políticas sociais emergem agora como o cerne da questão democrática para muitos autores, como por exemplo 0 ’Donnel (1980) e Ozlak (1987). A questão é subordinar o Estado ao controle e participação da cidadania emergente. As políticas sociais compreendem, assim, um espaço privilegiado de construção da cidadania. A descentralização, a participação e o controle pelos cidadãos mediante os Conselhos e outros canais de participação, como veremos adiante, são os mecanismos que envolvem os atores sociais e transformam o perfil das instituições sociais.

3. Os avanços no plano jurídico-formal não provocam mudanças nos serviços médico-sanitários. Ao contrário, a rede pública é sucateada e a qualidade dos serviços prestados deteriorada (Bodstein, 1993, 189 p ).