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Os “novos territórios”, uma originalidade brasileira

CHAPITRE 13. APRENDENDO EM COMUNIDADE: A CONSTRUÇÃO DE “NOVOS TERRITÓRIOS” NA AMAZÔNIA

4- Os “novos territórios”, uma originalidade brasileira

O termo “território” tem, na linguagem corrente do Brasil, um sentido muito vago, se for consultar, por exemplo, o conhecido dicionário Aurélio. É apenas no seu uso jurídico que essa definição se precisa. Mesmo na literatura científica, este sentido é suposto conhecido pelo leitor, dispensando explicação do autor e deixando a cada um o crédito da imaginação; não há, portanto, de estranhar que o termo seja utilizado indiscriminadamente (Carvalho 2009 : 41)2. Segundo Collignon (2000 : 112-113) foi a geografia moderna do século XX que o introduziu no seu sentido analítico na linguagem universitária e que, de lá, se expandiu, tanto por sua própria abertura às disciplinas das ciências humanas (Antropologia, Sociologia e Economia), quanto pela incorporação espontânea dessas ciências, tornando-se o paradigma da relação entre os homens e seus lugares. Segundo a autora, foi em 1970 que a Geografia se abriu mesmo “ a uma interrogação nova sobre a maneira pela qual os próprios moradores pensam e compreendem seu território”. De maneira muito esclarecedora para nossa análise, conclui esta autora: “o estudo do que sabem os não-cientistas é hoje legitimado, o que abre a porta ao reconhecimento do verdadeiro saber do qual são portadores” (Ibid)3. Nosso propósito é, pois, de revelar como populações sem cultura escolar formal têm aprendido a entender, através de construções e reconstruções mentais e através de práticas, seu “novo território”. Convém acrescentar, aliás, que 1 O parentesco extenso salta aos olhos quando se percebe que a população de um lugar se divide entre um número muito reduzido de sobrenomes, caracterizando casamentos endogâmicos.

2Ver uma “definição” muito interessante do território, situada em diversos contextos e perspectivas por um especialista da questão, o professor Teisserenc (2002)

3 A propósito, a geógrafa rejeita, no contexto europeu as expressões de “saber tradicional”, por esta ser desprezativa, e de “saber popular” ´por esta envolver “uma posição frontal ao saber científico” (ibid.)

esses moradores não esperaram a abertura das ciências para eles o pensarem e compreenderem coletivamente; e não só isso, para se constituírem seus sujeitos e seus atores. A relação dos homens com os seus lugares não é, obviamente, apenas relação de indivíduos com o seu lugar, ao modo de Robson Crusoe, mas, sim, de homens vivendo em sociedade, em coletividades, juntos no seu lugar. Do ponto sociológico, portanto, e sinteticamente falando, território supõe um espaço físico determinado e delimitado de outros, povoado e organizado, reivindicando pertencimento e competência próprios sobre ele, alguma ou algumas identidades comuns, e direitos adquiridos.

É nessa perspectiva que dialogamos com os moradores do município de Porto de Moz sobre o percurso que eles realizaram para criar um dos territórios que alguns autores denominam “novos” e outros “emergentes”1.

A novidade e a originalidade desses “novos territórios” se referem a algumas características que os distinguem dos que chamaremos “clássicos”, a União federativa, os Estados federados e os Municípios compreendidos, desde a República Federativa do Brasil na organização político-administrativa nacional (Brasil 1988 : Art. 18). Entre essas particularidades, consta que sua territorialização resultou de debates relativamente recentes feitos em nível nacional e, até, internacional, sobre o meio ambiente, como a Conferência de Estocolmo em 1972 e no quadro da Assembléia Nacional Constituinte do Brasil de 1987-1988, convocada, após 20 anos de ditadura, para “instituir um Estado democrático” (Brasil 1988 : Preâmbulo). É sob a pressão e a convergência política da questão ambiental, da vontade democrática do povo e, com esta, a tímida reivindicação de um reordenamento do espaço agrário - a reforma agrária - que emergiram algumas disposições relativas a novos territórios; entre elas, notadamente, as três seguintes: a demarcação territorial das áreas tradicionalmente ocupadas por índios; o reconhecimento legal dos espaços ocupados por descendentes de quilombo; e a criação das Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), entre as quais a Unidade de Reserva Extrativista (Resex) com seus recursos ambientais (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais 2002). Estruturou-se, destarte, progressivamente, naqueles anos de redemocratização um arcabouço legislativo no qual se encontram os princípios definidores desses “novos territórios”.

No quadro mesmo da nova Constituição definiram-se os princípios da questão ambiental: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” (Brasil op. cit. : Art. 225, n. III) e, em relação aos índios: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las” (op. cit. : Art. 231). E, como que se tivesse faltado aos Legisladores Constituintes, o tempo de fechar sua missão, acrescentaram à Constituição, já aprovada, um Ato de Disposições Constitucionais (ADCT) relativas aos Índios: “a União concluirá a demarcação indígena no prazo de cinco anos” (op. cit. : Art. 67) e “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (op. cit.. : Art. 68). Alguns anos 1 Achamos mais correto o termo “novo”, uma vez, que em vários casos, este termo de “emergente” não corresponde à realidade, as iniciativas externas predominando no processo de criação sobre a emergência por iniciativa interna.

mais tarde, no quadro das leis, esta vez, o legislativo federal “instituiu sob o regime especial de administração o Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza (SNUC)” (Lei n. 9985, 18.07.2000) . Entre os objetivos desta lei, reza-se: “favorecer condições a promover a educação e a interpretação ambiental” (Ministério do Meio Ambiente 2007 : Art. 4, n. XII,). Enfim, àquela Lei seguiu-se o Decreto nº. 4340 de 22/08/2008 que regulamenta os artigos da lei.

5- Da aprendizagem comunitária junto à Igreja à aprendizagem junto aos

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