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J.M. Pereira da Silva

Assessor do Conselho de Administração do Zoo de Lisboa

RPCV (2004) SUPL. 127: 29-36 SUPLEMENTO

mos a tocar na teia, estamos a abrir-lhe buracos – Pen- samos na teia como uma rede de segurança. Os frágeis filamentos de sobrevivência. Ajudem-nos a tratar dela, a repará-la, e mantê-la intacta. - Antes que outra músi- ca acabe».

Estamos a destruir os ecossistemas. E, se para além disto pensarmos em termos de interdependência e nes- te contexto tivermos presente o facto que nas Ilhas Maurícias se verificou que árvores Tambalacoque (Sy-

deroryln grandiflorum ou a Syderoxyln sessileflorum) têm todas para cima de 300 anos e que a extinção do Dodo está datado de 1681, é inescapável pensar-se em uma qualquer forma de mutualismo existente entre o Dodo e a árvore Tambalacoque. Assim Temple (1977), sugeriu que a Tambalacoque sendo uma árvore muito especializada, requer um qualquer mecanismo abrasivo do endocarpo das sementes para facilitar a germinação e que a data da extinção dos Dodos permitia pensar que talvez o aparelho digestivo da referida ave, nome- adamente a moela, fosse o local onde se verificava a preparação da semente para possibilitar que a germina- ção tivesse lugar. Ensaiou-se a passagem das referidas sementes pelo tudo digestivo do peru, Meleagris gallo-

pao. De dez sementes, que em regime de alimentação forçada, atravessaram o tubo digestivo do peru, 3 ger- minaram, e porque assim sucedeu e existem 3 árvores com idades de cerca de 30 anos, o facto justificou que se tivesse dado origem a uma qualquer forma de folclo- re científico, que parece não definitivamente provado. Até porque (Iverson, 1987), propôs outra hipótese, que não a da passagem pelo tubo digestivo do pavão, mas sim a de uma tartaruga gigante, já extinta para justifi- car a falta de germinação da Tambalacoque. Mas seja o Dodo ou a tartaruga o que fica provado é a existência de uma qualquer forma de mutualismo e assim da in- terdependência entre espécies.

Um facto é não ser possível destruir extensas zonas de um ecossistema sem provocar em efeito de domi- nó (Maruska, 1995), e outro facto é que somente entre 1979 e 1989, o ritmo da degradação da floresta húmida aumentou 90% (Robinson, 1995).

E com esta perspectiva realista, e mesmo descontado o pessimismo que resulta de se conhecer muito bem a situação fica-se reduzido a fundamentar a esperança na experiência acumulada de muitos Jardins Zoológicos e na sua capacidade de evolução para se converterem em Parques Zoológicos.

Na verdade os Jardins Zoológicos nos seus inícios não eram mais que “menageries”, integrados em Jar- dins, muito bem cuidados, e tiveram, por necessidade de adequação ao desempenho de novas funções, a ca- pacidade de se tornarem em centros de educação e sen- sibilização, nomeadamente da juventude e de difusão de ideias conservacionistas, ao mesmo tempo que in- tensificavam tentativas de reprodução dos seus animais e a investigação.

Numa primeira fase em que as instalações eram pe- quenas e assépticas forradas a azulejo para facilitar as lavagens e consequentes desinfecções gradualmente

passou-se para o enriquecimento das referidas insta- lações mediante a colocação de mobiliário, troncos, caixas, tapumes de madeira para acrescentar alguma privacidade aos animais quer em relação ao público quer entre eles.

Mais recentemente agudizou-se a preocupação de bem-estar animal e sucessivamente foram retiradas as grades, criaram-se fossos, valas de água, delimitando ilhas, etc.. A última tendência foi a criação de insta- lações de imersão, em que o público visitante penetra no interior da mesma que está dotada de todo o tipo de defesas para evitar indesejáveis surpresas. Neste tipo de instalação tem havido a preocupação de imitar o ha- bitat natural dos animais, nelas alojados.

A partir de meados da década de setenta, nos Estados Unidos, e posteriormente, nos anos oitenta pela Euro- pa, os Jardins Zoológicos capacitaram-se da necessida- de urgente de congregarem esforços no sentido da faze- rem o melhor aproveitamento das suas limitadas áreas. Para esse efeito, e tendo em vista terem a possibilidade de poderem contar com populações com dimensão su- ficiente para sem perigo de aumento de consanguinida- de manterem níveis de heterozigotia compatíveis com a manutenção da diversidade genética, resolveram cen- tralizar, mediante o controlo dum coordenador, todo o processo de reprodução de espécies em perigo de extinção. Nasceram assim os programas SSP (Species Survival Plans) nos Estados Unidos e os EEP (Europe- an Endangered Species Program) na Europa.

De facto estes programas têm tido êxito e disso são prova a recuperação do Orix da Árabia, dos Addax, Mico Leão Dourado, o Falcão Peregrino, Veado do Pa- dre David, etc., que até têm sido re-introduzidos nos seus antigos territórios com resultados variáveis (em alguns locais foram de novo abatidos como caça).

Uma realidade é o nível de proficiência tecnológica que os Zoos atingiram, pelo que é permitido pensar que a reprodução de qualquer espécie já não é problema. O Zoo de Lisboa em 1997 (18/10/97), conseguiu pela primeira vez no mundo, por via intra-uterina, a insemi- nação artificial de uma fêmea de Tigre da Sibéria.

Presume-se pois que os Zoos poderão enfrentar qualquer problema de reprodução ex-situ. É legítimo interrogarmo-nos se tal tarefa, dada a sua magnitude, é economicamente viável. Há centenas de animais em vias ou em perigo de extinção e os encargos financeiros envolvidos serão incomensuráveis.

Segundo Conway (1995), o trabalho de propagação pelos Zoos pode provavelmente ajudar a sobrevivên- cia de 15% ou mais de todos os vertebrados terrestres que presumivelmente se extinguirão no próximo século (XXI) - talvez 40% das espécies maiores - e isto emi- nentemente vale a pena.

Ainda segundo o mesmo autor o próximo maior passo dos Zoos e Aquários é direccionarem os seus programas directamente para a sobrevivência das suas colecções nos seus habitas nativos, quer estes sejam lo- cais ou ultramarinos. Este passo destinguirá o “Parque Zoológico” de amanhã dos Zoos de ontem. É um gran-

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de passo mas a passada é escorregadia.

Mas mesmo o futuro dos “Parques” será problemáti- co. Qual será a razão porque há mais Tigres da Sibéria nos Jardins Zoológicos do que na própria natureza?

A área de distribuição dos Tigres era inicialmente muito vasta. Do mar Cáspio estendendo-se pelo sub- Continente indiano, Indo-China, Ilhas da Indonésia (Sumatra, Java e Bali), Rússia e China e ainda até ao extremo Leste da Sibéria. Das oito subespécies que se considerava existirem, possivelmente raças geográfi- cas, existem quatro populações todas elas ameaçadas de extinção, Bengala, Sumatra, Indochina e Sibéria ou Amur, já que é irrelevante mencionar uma população chinesa que em Março de 1994 era dada como consti- tuída por 30 a 80 animais.

Ora esta área de distribuição é coincidente com a área mais populosa do Mundo. E o território de um úni- co Tigre Indiano, necessita de contar com uma manada de 700 Axis, para que o Tigre possa ter a alimentação anual assegurada.

Relativamente à Índia e a par da explosão demo- gráfica que se verificou (os Indianos já excedem 1.000.000.000 de habitantes), assistiu-se a uma chaci- na implacável no século XIX e princípios do século XX (pelos Marajás e aristocracia Inglesa), continua a verificar-se a caça furtiva de Tigres, para fazer face às solicitações da medicina tradicional chinesa que con- diciona que muitas partes da anatomia dos Tigres, ór- gãos, ossos, etc. acabem nos escaparates de farmácias de Taiwan e de muitas cidades da China.

Na verdade o problema que em termos de conserva- ção neste momento se coloca, passa pela conservação de ecossistemas e não das espécies isoladas. E a con- servação de ecossistemas implica a criação de reservas muito bem dimensionadas para garantia de algum su- cesso, o que nem sempre tem sucedido.

Uma afirmação de Conway (1998) é suficientemen- te elucidativa: «Além disso, as reservas da natureza como correntemente geridas, alteram-se com o passar de tempo, tornando-se menos adequadas, para muitos dos ocupantes originais. Em 1987, um estudo sobre sete dos maiores parques da zona ocidental da Amé- rica do Norte, demonstrou que populações de vinte e sete espécies de mamíferos se tinham extinto em um ou mais destas sacrosantas reservas». Isto pode ser conse- quência não do Parque mas sim da destruição de zonas limítrofes ou até de áreas afastadas para onde muitas espécies sazonalmente imigram e que no entretanto perderam o habitat natural.

Finalmente o famoso Kruger National Park, da Re- pública Sul-Africana, não está isento de problemas, apesar de ter uma área quase idêntica a pequenos paí- ses Europeus.

Na parte sul a tuberculose está presente em muitas manadas de búfalos e possivelmente de outros herbí-

voros. O contágio parece ter ocorrido pelo contacto di- recto ou indirecto com animais domésticos (bovinos), através da bebida de água de rios que atravessam o par- que de um lado ao outro, entrando mesmo em Moçam- bique. Dos búfalos passou para os grandes predadores, nomeadamente o Leão, e neste momento já se verifica um déficit de predadores e consequentemente cresci- mento das populações de herbívoros o que se reflecte na degradação do coberto vegetal.

Na parte norte não se verifica a existência de tuber- culose mas no entretanto há uma sobrecarga da popu- lação de elefantes que, por ausência do seu único pre- dador, o Homem, tem proliferado.

Internacionalmente foi proibido o comércio do mar- fim e consequentemente o abate dos elefantes. Pode imaginar-se o efeito na vegetação. Em anos de poucas chuvas ou mesmo de seca nem os embondeiros (An-

dansonia digitata) escapam à devastação.

Parece que neste momento os governos de Moçambi- que e o da República Sul Africana estudam a possibili- dade de alargar o Parque de Kruger para o território de Moçambique com a inclusão da área Moçambicana de- limitada pela margem direita do Limpopo e a esquerda do Rio dos Elefantes que aliás era, antes da criação de vedações (à prova de elefantes), uma área de migração sazonal.

Para terminar, talvez condicionado pelo meu natural pessimismo, quis alertá-los para a enorme dificuldade que se põe a qualquer conservacionista até porque a terra está a ficar pequena para tanta biomassa.

Bibliografia

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Durrel, Gerard M. (1990). Wild Animals in Captivity. Principles and Tehniques. Editors Devra G. Kleiman et al. The Uni- versity of Chicago Press. 1996

Iverson, John B. (1987). Tortoises, Not Dodos, and The Tamba- locoque Tree. Journal of Herpetology, 21 (9), 229-230. Linden, Eugene (1994). Tigers on the Brink. Time Magazine,

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Maruska, Eduard J. (1995). The Intricate Web. Keepers of the Kingdom. The New American Zoo. Ed Michael Nichols and Jon Charles Coe. Pub Thomasson Grant & Howell. Pearson, David (2000). Bushmeat boom threatns apes with

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Robinson, Michael H. (1995). The Shaphe of Things to Come. Keepers of the Kingdom. The New American Zoo. Ed Mi- chael Nichols and Jon Charles Coe. Pub Thomasson Grant & Howell.

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