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A Investigação: Análise e discussão dos dados

4.1. Sobre as concepções das formandas

4.1.1. Os perfis iniciais das formandas

Formanda A

Trata-se de uma formanda de 22anos sem qualquer experiência profissional anterior e cuja língua materna é o português. A formanda A estudou inglês, francês e iniciou o estudo do tetum (Universidade) e do alemão (Instituto de línguas). Refere, igualmente, e a propósito das línguas com que teve algum contacto, que durante uma estadia em Itália, aprendeu «alguma

coisa de italiano». Na questão referente aos países onde residiu ou onde esteve, não refe riu

nenhum. No entanto, posteriormente, na Entrevista referiu Itália (uma semana), França e Inglaterra, justificando aquela ausência por pensar que não era preciso identificá- los nesta questão uma vez que já o fizera anteriormente.

Relativamente às línguas que reconhece apenas refere o alemão atribuindo-se uma competência reduzida. Porém, no que às línguas que compreende diz respeito, já assinala o Inglês (com uma competência boa), o francês (com uma competência suficiente), o espanhol (com uma competência suficiente), o italiano (com uma competência reduzida) e o português (não identificando neste caso o grau de competência).

Manifesta vontade de aprender a falar russo por considerar a Rússia um «país

fascinante que vale a pena conhecer melhor». Acrescenta, igualmente, que «o italiano também seria uma possibilidade porque acho que é uma língua muito melodiosa.»

Relativamente à imagem que associa às várias línguas e aos vários povos (ingleses, franceses, alemães e italianos), nota-se a presença clara de estereótipos, como aliás reconhece. Assim, ao alemão associa «declinações» bem como uma «comunidade de falantes pouco

simpática e receptiva.». Embora o espanhol lhe lembre um país muito próximo «física e

culturalmente», manifesta, no entanto, alguma recusa em compreender essa língua pois, como afirma, não gosta do país e nem do povo espanhol. Apesar de viver bastante perto de Espanha e de, na sua zona, como refere, todos falarem e compreenderem o espanhol, a formanda realça com insistência, que lhe aborrece profundamente ouvir falar o espanhol.

Note-se que mesmo relativamente às línguas que ensina (inglês e português) se manifestam esses estereótipos. Assim ao inglês associa o termo «rigidez» e ao português a

«figura de Camões e o período dos Descobrimentos».

Como língua materna escolheria o alemão por se tratar de uma língua complicada de aprender e de falar para um falante não nativo. Parece- nos que esta afirmação da formanda indicia uma concepção do processo de ensino/aprendizagem de uma língua tendo como modelo o falante-nativo. Note-se, aliás, que na justificação que dá durante a Entrevista para tal escolha, a formanda realça ao facto de que, na sua opinião, «saber uma língua implica ter

um bom conhecimento dela, um conhecimento que só um falante-nativo pode realmente desenvolver» (Ver Anexo n.º2).

Relativamente à mobilização de conhecimentos/skills adquiridos em anteriores aprendizagens linguísticas, no ensino/aprendizagem de uma nova língua, a formanda A realça, de imediato, a importância da língua materna e do latim, mostrando-se, contudo, reticente em considerar o papel de outras línguas estrangeiras, afirmando que se trata de

«situações mais pontuais».

Manifesta, igualmente, a convicção de que o conhecimento da língua inglesa permite ultrapassar todas as dificuldades de comunicação, pois trata-se de uma língua franca.

Questionada explicitamente acerca da pertinência de aprender uma língua partindo dos conhecimentos/competências que já se têm noutras (ou de outras) línguas (questão 8 do Inquérito) considera que tal será benéfico apenas na medida em que as «línguas não são

entidades estanques», acabando, «de uma forma ou de outra por se influenciarem». É nesse

sentido que afirma que esses conhecimentos / competências podem ser mobilizados no caso de «palavras semelhantes ou comuns» ou como estratégia de comunicação de que os sujeitos se podem servir.

Relativamente à exploração didáctica das semelhanças /diferenças entre línguas, a formanda, embora admita essa possibilidade, não especifica como tal poderá ser feito.

Relativamente à noção de comunicação intercultural, a formanda restringe tal noção a situações específicas de comunicação entre falantes de línguas diferentes, apontando- lhe como finalidade a promoção do «conhecimento do outro» (ver Anexo n.º 2 Entrevista).

Ao traçar o perfil do falante intercultural, a formanda indica como característica essencial a abertura, ideia que desenvolve na sua Entrevista (ver Anexo n.º 2), apontando como qualidades do comunicador intercultural o conhecimento de «todas as realidades

culturais que estão em confronto», uma atitude de aceitação do Outro, e uma razoável

Inquérito em que a formanda reduzira o perfil do comunicador intercultural à dimensão pessoal, na entrevista, a formanda aponta, como igualmente importantes, a competência sociocultural e a competência linguística.

Questionada sobre a adequação do seu perfil ao do falante intercultural, não hesita em considerar-se uma falante intercultural, para tal tendo contribuído a sua formação universitária, período durante o qual contactou com professoras falantes–nativas a viverem num contexto linguístico e cultural diferente. Reconhece, no entanto, que seria importante desenvolver a sua capacidade de não se deixar influenciar por estereótipos quando contacta com outra cultura.

Por outro lado, considera importante (questão 16) que se trabalhe em sala de aula esse perfil dado o contexto em que actualmente vivemos e que impõe a necessidade de «alertar os

indivíduos para a necessidade de respeitar e não julgar o diferente». Considera, assim,

essencial promover no aprendente atitudes de respeito para com o Outro (Ver Anexo n.º2),

skills de leitura, de compreensão oral e de produção escrita.

Lista como estratégias didácticas a troca de correspondência entre alunos de contextos linguístico-culturais diferentes, o contacto com falantes-nativos e a utilização de elementos da «escola paralela».

Note-se, ainda, que ao ser questionada sobre o trabalho que pretende desenvolver com os seus aprendentes, a formanda realça, essencialmente, a competência linguística (ver Anexo n.º 2) e a consolidação de conhecimentos, embora neste último aspecto não especifique de que tipo de conhecimentos se trata.

Em síntese, parece-nos que a formanda se centra, sobretudo, na necessidade de promover competências linguísticas e conhecimento sociocultural, embora realce, já, a importância da promoção de atitudes de abertura e de tolerância. Elabora um perfil do comunicador intercultural assente quase exclusivamente nessa atitude de aceitação do que é diferente e nas competências linguística e sociocultural.

Embora realce a necessidade de levar o aprendente a aceitar culturas diferentes, mostra-se favorável à ideia de uma língua franca, assumindo, por outro lado, uma postura de recusa relativamente à língua e cultura espanhola, revelando-se, ela própria, portadora e mobilizadora de estereótipos relativamente a outros povos e às suas línguas.

Relativamente a situações de comunicação intercultural que viveu, a formanda refere sobretudo situações vividas durante a sua experiência de trabalho na Expo 98, realçando como característica do seu perfil que a ajudou, a vontade de querer ajudar/interagir com o Outro,

característica que reconhece, igualmente, no perfil dos outros que com ela manifestaram vontade de comunicar.

Formanda B

À semelhança da formanda A, a formanda B, de 21 anos, também não possuía nenhuma experiência profissional prévia. Relativamente à residência ou permanência num país estrangeiro, a formanda já estivera em Espanha (uma semana), na Alemanha (dois meses) e na Inglaterra (uma semana). A sua língua materna é, igualmente, o português.

A formanda estudou inglês, francês e latim em contexto formal (escola secundária e Universidade). Para além destas línguas, refere, ainda o contacto com o alemão durante a sua permanência naquele país. Note-se que, quando questionada sobre as língua com as quais manteve algum tipo de contacto, a formanda refere apenas o alemão. Na Entrevista, ao ser questionada se não mantém ou manteve nenhum tipo de contacto com outras línguas acaba, com alguma relutância, por referir contactos informais com outras línguas (ver Anexo n.º3).

Relativamente às línguas que reconhece, refere o inglês, o francês, o alemão e o italiano com uma competência boa, o espanhol, o russo e o chinês com uma competência suficiente. No que diz respeito às línguas que compreende, indica apenas o inglês e o francês, aquela com uma competência boa e esta com uma competência suficiente. As mesmas línguas e os mesmos graus de competência são referidos a propósito das línguas que fala.

Manifesta vontade de aprender a falar alemão por lhe agradar a sonoridade da língua e por, sendo uma língua germânica, considerar que se trataria de uma «boa ajuda para o

inglês». Note-se que, na Entrevista, refere, igualmente, que a atrai a cultura germânica.

Relativamente à imagem que associa às várias línguas e aos vários povos (ingleses, franceses, alemães e italianos), no ta-se, igualmente, a presença clara de estereótipos. Assim, ao alemão associa «confusão», ao inglês «universalidade» e à língua portuguesa associa um certo «sentimento de patriotismo». À língua espanhola associa a proximidade e ao latim a noção de «língua morta».

Como língua materna escolheria o inglês por gostar bastante da língua e por ser

«praticamente universal», palavras que remetem para uma concepção do inglês como língua

franca.

Relativamente à mobilização de conhecimentos/skills adquiridos em anteriores aprendizagens linguísticas, no ensino/aprendizagem de uma nova língua, a formanda

considera que mobiliza, normalmente, conhecimentos de latim, inglês e francês em situações de compreensão e só de inglês, em situações de produção.

Considera, no entanto, que se torna mais fácil aprender uma língua quando já

«passámos pela mesma experiência» pois «há uma série de competências e aptidões que já estão desenvolvidas.» Realça, porém, que «por vezes é preferível começar do’zero’ para que o conhecimento que já temos não seja uma má influência», o que nos parece indiciar um

enfoque na competência linguística e numa noção de que a aprendizagem de uma língua deve visar a correcção linguística.

Relativamente à forma como podemos mobilizar esse conhecimento/competências aponta unicamente a possibilidade de estabelecer analogias, realçando que «em situações de

produção é um pouco mais complicado». Ressalva, porém, a possibilidade de «produzir enunciados tendo como referência outra língua», o que mais uma vez remete para a

competência linguística.

É igualmente a possibilidade de estabelecer analogias que a formanda foca ao ser questionada sobre as possibilidades de exploração didáctica das semelhanças/diferenças entre línguas.

Como exemplos de comunicação intercultural, a formanda cita o caso dos provérbios e das piadas em língua estrangeira, por implicarem um conhecimento da «cultura do país», considerando que «comunicação intercultural será a capacidade de as pessoas comunicarem

mesmo sendo de diferentes culturas.» (Ver Anexo n.º2).

Relativamente a situações de comunicação intercultural que já tenha vivenciado, a formanda refere sobretudo situações que experienciou na Alemanha, durante o período de dois meses em que lá esteve. Reconhece que as suas principais características para lidar com essas situações foram a vontade de não desistir e o esforço que implicou a mobilização de estratégias de comunicação como os gestos, os sons, etc.

Ao caracterizar o falante intercultural, a formanda realça a sua capacidade de «aceitar

e compreender que existem culturas diferentes da sua e que cada indivíduo se move dentro do seu próprio sistema cultural» a par com a capacidade de adaptação aos diferentes sistemas

culturais apontando, por outro lado, como grande obstáculo à comunicação intercultural a falta de competência linguística ( ver Anexo n.º 2).

Não deixa, no entanto, de indicar, como grandes qualidades do falante intercultural, a vontade de comunicar e de conhecer (Ver Anexo nº2).

Considera, ainda, que tem este perfil, uma vez que sempre foi muito sensibilizada para as diferenças culturais, realçando, igualmente, que o seu interesse pelas línguas a ajudou a desenvolver tal perfil.

Por outro lado, numa postura semelhante à da formanda A, realça a importância de, em sala de aula, trabalhar esse perfil dada a crescente queda de barreiras entre os países e a necessidade de se promover o desenvolvimento pessoal dos aprendentes formando-os para a tolerância (Ver Anexo n.º 2) para além da necessidade de neles desenvolver os conhecimentos linguísticos (Ver Anexo n.º 2). Realça, porém, a possibilidade de existência de uma língua franca, ideia à qual não é totalmente contrária. (ver Anexo n.º 2).

A formanda sublinha ainda a necessidade de consciencializar os alunos de que «só se

aprende verdadeiramente uma língua quando relacionada com a sua cultura.»

Relativamente às estratégias didácticas, a formanda cita, fundamentalmente, o contacto com falantes-nativos e com objectos, filmes, fotografias, notícias do país cuja língua se ensina, a par com visitas de estudo.

Em síntese, parece-nos que a formanda coloca o enfoque na necessidade de promover nos aprendentes uma competência linguística e conhecimento cultural, numa posição bastante semelhante à da formanda A.

Formanda C

À semelha nça das outras duas formandas, a formanda C, de 22 anos, não possuía experiência profissional anterior. Tal como a formanda B apresenta como língua materna o português, tendo estudado inglês, francês e latim em contexto formal. É curioso notar que a forma nda não refere nenhuma língua quando questionada acerca das línguas com que teve algum tipo de contacto e nenhum país a propósito dos países onde esteve. No entanto durante a Entrevista (Anexo n.º2) acaba por referir o contacto com várias línguas uma vez que tem «família espalhada um bocado por todo o mundo» (França, Inglaterra, América, Canadá, Suíça, Luxemburgo).

Relativamente às línguas que reconhece apenas refere, no Inquérito, o inglês e o francês, aquela com uma competência boa e esta com uma competência suficiente. Durante a Entrevista, acrescenta o espanhol com uma competência reduzida «por ser tão parecido com

o português» (Anexo n.º 2), o italiano e o russo igualmente com uma competência suficiente e

No que diz respeito às línguas que compreende, indica o inglês e o francês, novamente, e com as mesmas competências. Posteriormente, na Entrevista, refere, igualmente, o espanhol com uma competência suficiente. O inglês, o francês e o português são identificadas como as línguas que fala.

Tal como a formanda A, manifesta vontade de aprender a falar russo porque se trata de uma «língua diferente» das que estudou e que conhece e por a imagem que tem do país a cativar.

As imagens que associa às várias línguas e aos vários povos (ingleses, franceses, alemães e italianos), indiciam a presença clara de estereótipos. Assim, ao alemão associa

«dificuldade de aprendizagem » bem como uma «certa frieza por parte do povo/população».

O espanhol sugere- lhe pouca aderênc ia por parte dos alunos uma vez que «se trata de uma

língua muito parecida com a nossa». No pólo oposto, coloca o inglês, língua que lhe sugere «receptividade por parte dos alunos.». O francês e o português sugerem- lhe dificuldades de

aprendizagem enquanto que ao latim se refere como «uma boa forma de aprender e conhecer

melhor o português»

Como língua materna escolheria o inglês por sempre ter gostado muito da língua e porque lhe seria muito útil na medida em que é professora de inglês, o que indicia a necessidade de o professor de línguas possuir um conhecimento que se assemelhe ao do falante-nativo.

Perante línguas desconhecidas, a formanda afirma que recorre a línguas com raízes semelhantes à dessa língua, citando, por exemplo, o caso do latim quando ouve italiano. Em situação de produção, afirma recorrer essencialmente ao inglês e ao francês uma vez que se trata «de línguas muito faladas e conhecidas por quase todas as pessoas.»

Apesar de reconhecer que, por vezes, se torna mais fácil «aprender uma nova língua

partindo de conhecimentos prévios de outras línguas» especialmente no que à gramática diz

respeito, a formanda realça, essencialmente, o perigo das confusões, evidenciando, à semelhança da formanda A, um enfoque na necessidade de correcção linguística.

A mobilização de conhecimentos/competências adquiridos noutras línguas é encarada, pela formanda, apenas na perspectiva de estratégias de comunicação de que o falante se pode servir.

Relativamente à exploração didáctica das semelhanças/diferenças entre línguas, a formanda considera que é importante mostrar aos alunos «que há semelhanças e diferenças

diferenças entre os povos», mas realça, igualmente, a necessidade de educar os sujeitos para a «aceitação da diferença».

Na perspectiva da formanda, qualquer situação de contacto entre duas pessoas «de

culturas/países distintos» constitui uma situação de comunicação intercultural cujas

finalidades se prendem, essencialmente, com o «conhecer os outros», compreendê-los e aceitar a diferença. (ver Anexo n.º 2).

Relativamente a experiências de comunicação intercultural por ela vivenciadas, refere o contacto com alunos Erasmus japoneses, italianos, espanhóis, polacos. Enfatiza como característica do seu perfil facilitadora desses encontros, a sua vontade de aprender e a sua curiosidade. Reconhece, à semelhança das formandas A e B, que estas experiências a influenciaram na medida em que está mais aberta à diferença e se esforça mais por interagir com o outro, sendo, igualmente, capaz de mobilizar mais estratégias de comunicação.

Como traços caracterizadores do perfil do falante intercultural aponta, essencialmente, a tolerância, a aceitação da diferença, a vontade de «aprender coisas novas» e «maneiras

diferentes de ver o mundo» (ver Anexo n.º 2).

Considera que possui esse perfil para tal tendo contribuído não só a sua formação académica mas, também, o facto de ter «família espalhada por toda a Europa».

Para ela é importante que se trabalhe em sala de aula tal perfil uma vez que «hoje em

dia se torna essencial a comunicação além-fronteiras» e a formação pessoal e social para a

aceitação da diferença (ver Anexo n.º 2). Note-se, no entanto, que, à semelhança das formandas A e B, esta formanda mostra-se, igualmente, favorável à existência de uma língua franca (ver Anexo n.º 2).

Por outro lado, aponta como estratégias didácticas para a formação de um locutor plurilingue e pluricultural, a pesquisa cultural pelos alunos, as viagens de estudo, o contacto e o intercâmbio com falantes-nativos da língua estrangeira.

Note-se, em síntese, que as concepções destas formandas se enquadram, claramente, na abordagem comunicativa com um enfoque, nítido, na competência linguística e na aquisição de conhecimento sociocultural.

Reconhecem o papel da aula de línguas como promotora de um contexto supranacional de tolerância entre os povos de raízes linguísticas e culturais diferentes, mas não parecem conscientes da incapacidade da língua franca resolver os problemas de comunicação entre os povos.

Embora haja alguma abertura ao reconhecimento da importância da mobilização de

skills/conhecimentos adquiridos noutras aprendizagens linguísticas, numa nova

aprendizagem, não deixam, no entanto, de manifestar a sua relutância, colocando vários entraves a tal mobilização.

Por outro lado, ao nível do trabalho didáctico, as formandas valorizam, essencialmente, o contacto com falantes-nativos, evidenciando uma concepção da aprendizagem de uma língua tendo como modelo o falante- nativo e visando a correcção linguística.