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Os pressupostos vygotskyanos e a relação com afetividade e educação

2.3 O CONCEITO DE AFETIVIDADE EM WALLON E VYGOTSKY

2.3.2 Lev Semenovitch Vygotsky

2.3.2.1 Os pressupostos vygotskyanos e a relação com afetividade e educação

A zona de desenvolvimento proximal é um conceito importante para a educação. A partir da compreensão do significado da expressão torna-se possível delinear estratégias de ensino que estimulem a consolidação deste processo. Assim, a escola deverá atuar sobre a zona de desenvolvimento potencial em vistas a possibilitar novas aprendizagens aos educandos (REGO, 2011), pois, no intuito de avançar no desenvolvimento cognitivo do estudante, é imprescindível

que a educação não se limite a níveis intelectuais já alcançados pelo indivíduo (MOREIRA, 2011). Segundo Vygotsky, o aprendizado promove o desenvolvimento, sendo assim, a escola desempenha um papel essencial nesse processo. Para isso é conveniente que os educadores assumam a zona de desenvolvimento real dos estudantes como ponto de partida para as atividades escolares, isto é, valorizar os conhecimentos existentes nos alunos (OLIVEIRA, 1999; REGO, 2011).

Além disso, é necessário que o professor saiba delimitar a zona de desenvolvimento proximal nas diferentes faixas etárias, ou seja, há tarefas que crianças pequenas mesmo com o auxílio de um adulto são incapazes de realizar (REGO, 2011). Por exemplo:

[...] se uma criança tem dificuldade com um problema de aritmética e o professor o resolve no quadro-negro, a criança pode captar a solução num instante. Se, no entanto, o professor solucionasse o problema usando matemática superior, a criança seria incapaz de compreender a solução, não importando quantas vezes a copiasse. (VYGOTSKY, 1998a, p. 115).

Vygotsky também atribuiu importância à escola em relação à construção de conceitos científicos. No processo de desenvolvimento o indivíduo constrói conhecimentos, quando esses saberes são elaborados a partir de experiências, vivências e observações, o sujeito consolida os conceitos espontâneos. Por outro lado, os conhecimentos construídos por intermédio das interações estabelecidas nas redes de ensino, denominam-se conceitos científicos (REGO, 2011).

Embora os conceitos científicos e espontâneos se desenvolvam em direções opostas, os dois processos estão intimamente relacionados. É preciso que o desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado um certo nível para que a criança possa absorver um conceito científico correlato. (VYGOTSKY, 1998b, p. 135).

“O desenvolvimento dos conceitos, ou dos significados das palavras, pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar.” (VYGOTSKY, 1998b, p. 104). Desse modo, o processo de formação de conceitos, o qual contempla conceitos científicos e espontâneos, não se faz por meio de um ensino transmissivo (REGO, 2011). Nesse sentido, para Vygotsky “[...] o ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero. Um professor que tenta fazer isso geralmente não obtém qualquer resultado, exceto o verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança [...].” (VYGOTSKY, 1998b, p. 104).

Em relação às afirmações de Vygotsky, de que os elementos biológicos são secundários para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, essa ideia é reforçada no que tange à consolidação de conceitos. Segundo o autor, “[...] o desenvolvimento dos processos, que

finalmente resultam na formação de conceitos, começa na fase mais precoce da infância, mas [...] amadurece, se configura e se desenvolve somente na puberdade.”. (VYGOTSKY, 1998b, p. 72). Entretanto, para que esse fenômeno ocorra na puberdade, é imprescindível a interação com a cultura, as relações sociais. Portanto, torna-se relevante as interações sociais no âmbito escolar, isto é, abdicar a aprendizagem mecânica e priorizar o diálogo, a intervenção docente ou de outros indivíduos culturalmente mais experientes no papel de mediadores (REGO, 2011).

Embora Vygotsky seja considerado, devido à dificuldade de acesso à completude de suas obras, como aquele que se dedicou ao desenvolvimento intelectual dos indivíduos, durante seus estudos buscou romper com a tendência da época de dissociar sentimento de razão (REGO, 2011). Para Vygotsky o homem representa “[...] um ser que pensa, raciocina, deduz e abstrai, mas também como alguém que sente, se emociona, deseja, imagina e se sensibiliza [...].” (REGO, 2011, p. 120-121). Para o referido autor, a compreensão do ser psicológico na sua totalidade somente seria possível por meio da superação da fragmentação entre afeto e cognição (OLIVEIRA; REGO, 2003). “Quem separa desde o começo o pensamento do afeto fecha para sempre a possibilidade de explicar as causas do pensamento [...] nega de antemão a possibilidade de estudar a influência inversa do pensamento no plano afetivo, volitivo da vida psíquica [...].” (VYGOTSKY, 1993, p. 25, tradução nossa).

Em seus escritos, mesmo que de maneira implícita, Vygotsky faz menções da necessidade de se estudar o homem de maneira integrada, conciliando as dimensões afetivas e cognitivas, como elementos que estabelecem funções recíprocas entre si e atingem diretamente o funcionamento psíquico (REGO, 2011). Nesse sentido, para Vygotsky, os elementos intelectuais e afetivos estão conectados de tal modo que a separação permite que o pensamento “[...] se segregue de toda a plenitude da vida, dos impulsos, dos interesses e as inclinações vitais do sujeito que pensa [...].” (VYGOTSKY, 1993, p. 24, tradução nossa). Ainda no que concerne à relação entre intelecto e afeto, segundo Vygotsky:

A sua separação enquanto objetos de estudo é uma das principais deficiências da psicologia tradicional [...]. Esse pensamento dissociado deve ser considerado tanto um epifenômeno sem significado, incapaz de modificar qualquer coisa na vida ou na conduta de uma pessoa, como alguma espécie de força primeva a exercer influência sobre a vida pessoal, de um modo misterioso e inexplicável. Assim, fecham-se as portas à questão da causa e origem de nossos pensamentos [...] a antiga abordagem impede qualquer estudo fecundo do processo inverso, ou seja, a influência do pensamento sobre o afeto e a volição. [...] o afetivo e o intelectual se unem. [...] cada idéia contém uma atitude afetiva transmutada com relação ao fragmento de realidade ao qual se refere. (VYGOTSKY, 1998b, p. 9).

Além disso, para Vygotsky, as emoções na infância têm caráter primitivo, enquanto na fase adulta, são refinadas, superiores (OLIVEIRA; REGO, 2003). As emoções primitivas seriam, por exemplo, alegria, medo e raiva. Já as superiores, despeito e melancolia. Desse modo, “[...] a qualidade das emoções sofre mudanças à medida que o conhecimento conceitual e os processos cognitivos da criança se desenvolvem.” (OLIVEIRA; REGO, 2003, p. 20). Portanto, segundo o referido autor, nas crianças, assim como nos animais, as emoções têm origens instintivas e biológicas. No decorrer do desenvolvimento, no entanto, por meio de fenômenos culturais e históricos, elas se tornam sofisticadas, isto é, transformam-se em emoções superiores (OLIVEIRA; REGO, 2003). Isso porque os seres humanos “[...] dispõem de um equipamento específico da espécie [linguagem] que define um modo de funcionamento psicológico essencialmente mediado.” (OLIVEIRA; REGO, 2003, p. 25).

Nessa perspectiva, “[...] a gênese da vida afetiva social é mediada pelos significados construídos no contexto cultura em que o sujeito se insere.” (OLIVEIRA; REGO, 2003, p. 23). Assim, descarta-se a ideia de que os fatores emocionais são inatos, como por exemplo, afirmar que as mulheres são sensíveis e os homens racionais (OLIVEIRA; REGO, 2003). Além disso, esta construção social que complexifica as emoções é um processo heterogêneo, isto é, cada pessoa se relaciona de maneira subjetiva com o meio, reagindo e dominando suas emoções de forma particular (OLIVEIRA; REGO, 2003). Desse modo: “O ser humano aprende, por meio do legado de sua cultura e da interação com outros humanos, a agir, a falar e também a sentir [...] o longo aprendizado sobre emoções e afetos se inicia nas primeiras horas de vida de uma criança e se prolonga por toda a sua existência.” (OLIVEIRA; REGO, 2003, p. 23).

Os processos cognitivos e afetivos, os modos de pensar e sentir, são carregados de conceitos, relações e práticas sociais que constituem os fenômenos históricos e culturais. [...] Nessa perspectiva pode-se afirmar que a afetividade humana é construída culturalmente. [...] As emoções são, portanto, organizadas, concebidas e nomeadas de forma absolutamente diversa em diferentes grupos culturais. (OLIVEIRA; REGO, 2003, p. 28).

Outra ideia salientada por Vygotsky diz respeito ao fato de que os elementos intelectuais, desenvolvidos em meio cultural, permitem ao adulto exercer controle sobre si mesmo, ou seja, o homem se torna capaz de controlar seus sentimentos primitivos (OLIVEIRA; REGO, 2003). Portanto, o homem adulto, intermediado por sua racionalidade, autorregula seu comportamento. No entanto, esse pressuposto não condiz “[...] com a idéia de uma razão repressora, capaz de anular ou extinguir os afetos. [...] com o desenvolvimento, a razão está a serviço da vida afetiva,

na medida em que é um instrumento de elaboração e refinamento dos sentimentos.” (OLIVEIRA; REGO, 2003, p. 22). Assim, de acordo com as autoras, na adultez, a razão não suprime as emoções, essas apenas se tornam complexas, em relação às crianças.

Portanto, a abordagem vygotskyana no que tange à emoção é dialética, monista e desenvolvimentista (OLIVEIRA; REGO, 2003). A afetividade humana se constitui no intercâmbio entre elementos do funcionamento psicológico, tais como, “[...] memória, pensamento, imaginação, planejamento, conhecimento, linguagem, conceitos, significados, sentidos, percepção e atenção.” (OLIVEIRA; REGO, 2003, p. 32).

3 METODOLOGIA DA PESQUISA