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Parte III: Cartografias

3. Movimentos segmentários:

3.1. Os primeiros passos da rede:

Com a forte intervenção da Prefeitura Municipal, utilizando de pano de fundo o plano urbanístico do território, as ONGs e representações institucionais da comunidade vêm a necessidade de se unir para trocar informações e estabelecer planos coletivos de atuação em contraponto ao projeto fragmentário que começava a se fazer presente no local.

As ONGs e associações comunitárias já eram um número expressivo e não fazia sentido que as mesmas seguissem o fluxo individualista e fragmentado de trabalho que estava se estabelecendo. Conforme relatos de antigos trabalhadores destas instituições, discussões como estas já permeavam os interiores das ONGs. Em 2002, a Casa Chico Mendes e a Fundação Fé e Alegria do Brasil enviaram os primeiros ofícios convocando as associações comunitárias e ONGs do bairro Monte Cristo e arredores a se reunirem com a proposta de se estabelecer um trabalho em rede intitulado, inicialmente, como Rede de Entidades do Monte Cristo (conforme ANEXO).

Na primeira linha deste ofício era expresso o “desejo de construir cidadania com os moradores deste Bairro, através de espaços de participação popular” em que, com a colaboração de entidades governamentais e não governamentais, tinham como proposta buscar “formas de articulação que possam contribuir para melhorar a qualidade de vida desta população” (ANEXO).

A concepção inicial era de que, é importante a construção de um trabalho em rede, pois “cada entidade se fortalece sem perder sua autonomia, construindo, ao mesmo tempo, [um] importante espaço de troca de idéias e de busca de soluções conjuntas para os (...) grandes desafios” (ANEXO).

A partir das atas e registros de reuniões deste período, foi possível contabilizar ao todo 14 instituições que participaram das primeiras reuniões. Foram elas: Associação de Moradores da Comunidade Chico Mendes, Associação de Moradores Nossa Senhora da Glória, Casa Chico Mendes, CEAFIS (Centro de Apoio à Formação Integral do Ser), CARMOCRIS (Conselho das Associações de Moradores da Região do Monte Cristo), Creche Chico Mendes, Creche do Conjunto Habitacional Chico Mendes, Ação Comunitária Chico Mendes (Prefeitura Municipal de Florianópolis), Escola Estadual América Dutra Machado, Fundação Fé e Alegria do Brasil, Oficina do Saber, Lar Fabiano de Cristo, BEMFAM (Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil) e GAPA (Grupo de Apoio aos Portadores de AIDS/HIV).

Embora a Associação de Moradores PROMORAR fosse a mais antiga do bairro (fundada em 1988), há de se ressaltar que a mesma nunca manifestou interesse em participar das atividades da rede. Convém lembrar que tanto a comunidade do PROMORAR, como a do PANORAMA não participaram do mesmo tipo de movimento de ocupação pela qual as outras comunidades passaram. Como dito anteriormente, estas eram formadas por funcionários da Eletrosul e sua estrutura de habitação era diferenciada, correspondendo a um tipo de arquitetura nos padrões de conjuntos habitacionais: conjuntos de prédios padronizados e aglomerados em um mesmo terreno com áreas de lazer em comum, construídos especificamente para a população de baixa renda.

As reuniões tinham duração de duas horas e costumavam ser realizadas quinzenalmente. Havia, como proposta de coordenação, uma dinâmica de rotatividade que compreendia no revezamento de coordenação e também de local de realização das mesmas, possibilitando que seus participantes transitassem pelas dependências de todas as instituições envolvidas.

Nas primeiras reuniões surgiu como proposta que a rede tivesse como primeiro tema a ser trabalhado a educação sexual e prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST/AIDS). Este mesmo tema já constava no calendário de atividades da escola do bairro e este fato contribuiria para o movimento de mobilização dos moradores. Vê-se então, que a primeira ação

já se vinculava com a escola, pois assim seria possível se comunicar com o maior número de pessoas possível no bairro.

Foi possível notar nas atas registradas da época, a atenção dada a como seriam as melhores maneiras da rede se comunicar com o bairro em grande escala. Como fruto desta discussão surgiu a proposta de se realizar um evento para comemorar o Dia Internacional de Combate ao HIV/AIDS, a ser realizado no sábado, dia 30 de novembro de 2002.

Na programação do evento eram previstos shows de Hip-Hop, Maracatu, cultura popular (Boi de Mamão), teatro, capoeira, dança, e, inicialmente, uma apresentação e resgate histórico do evento. Um dos objetivos do evento era divulgar e fortalecer a idéia da construção de uma Rede de Entidades do Monte Cristo e, conforme foi discutido nas reuniões, um evento deste porte, seria o instrumento ideal para tal empreita. Durante o processo de organização do evento, a rede passou por alguns obstáculos que se fazem relevantes nesta descrição para compreender como este grupo de instituições foi sendo tecido.

Pelo registro de uma das atas das reuniões da rede para a organização do evento, datada de 24 de outubro de 2002, o então presidente da Associação de Moradores da Comunidade Chico Mendes ressaltou as dificuldades em conseguir dar seguimento a alguns encaminhamentos solicitados para a prefeitura. A denúncia é no sentido de que a prefeitura demora em responder a estas solicitações e o presidente da associação teme um boicote por parte da mesma sobre as atividades da rede. A representante do poder público então se desculpou pelos entraves e sugere a oficialização da rede perante o mesmo. Os integrantes da rede negam tal encaminhamento.

Durante o mês de novembro, mais próximo ao evento, a rede encaminha ofícios para as secretarias municipais de esporte, saúde e transporte coletivo no sentido de solicitar materiais para a realização do evento e transporte para artistas de fora da comunidade que fariam apresentações no referido dia. Todas as solicitações foram indeferidas.

Na terceira reunião realizada pela rede, uma das pautas da reunião era a saída do CARMOCRIS da rede. A justificativa dada pelo presidente é de que a instituição não poderia mais participar das reuniões, já que o mesmo não teria disponibilidade de freqüentar os encontros, pois tinha outros compromissos a cumprir. Sabe-se que neste período, o presidente deste conselho tinha uma maior proximidade com a prefeitura e especulou-se sua saída devido a este fato.

O evento foi então realizado no dia 30 de novembro do ano referido com maciça participação da população local e marcando a oficialização pública e em massa da rede de articulação comunitária das ONGs e OGs. Devido ao sucesso do evento, a rede iniciaria o próximo ano com o apoio popular e, portanto, com uma capacidade de mobilização em massa. O desafio ficaria em torno de como aproveitar esta capacidade de mobilização da rede para abrir discussões na comunidade sobre questões sociais e políticas públicas.

3.2. I Seminário do Bairro Monte Cristo: “Vozes do Monte Cristo: Paz – fruto da justiça