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Relação das comunidades com(tra) o Estado

Parte III: Cartografias

1. A necessidade faz o coletivo:

1.3. Relação das comunidades com(tra) o Estado

Ao contextualizar sobre o momento político no período das ocupações, situamos sucintamente o posicionamento do poder público local. Neste item, pretende-se esclarecer por quais vias se efetivaram relações entre a instância pública e as da sociedade civil em questão.

Durante o mandato de Édson Andrino foi promovida a idéia de uma prefeitura que deveria ser democrática e participativa. A prefeitura era do PMDB e contava com apoio parcial, embora não oficial, do PT e, portanto, o discurso democrático-participativo passava por discussões com as camadas populares, via instituições legitimadas pela mesma e pelo governo estadual.

Para representar as bases populares foi incitada, pelo poder público local, a criação da UFECO (União Florianopolitana de Entidades Comunitárias), uma federação que se constituiu por associações comunitárias da cidade com aparente autonomia perante o Estado. Neste momento, as associações de bairro encontram espaço para se instituírem como um coletivo.

Durante as articulações para a fundação da instituição, relata-se que o governo municipal estava privilegiando e fortalecendo a participação de lideranças dos conselhos comunitários ligados ao governo e associações que compunham a Federação das Associações do Estado de Santa Catarina (FEMAESC). Desta forma, a UFECO foi sendo composta por representantes, políticos e técnicos, ou simpatizantes do governo municipal, alijando do processo de deliberação as representações das comunidades de periferia e dos morros ocupados (CANELLA,1992, p. 60- 66).

Após a estruturação da UFECO, seu discurso era o da organização dos movimentos comunitários e de suas exigências. Neste sentido, foram estabelecidos entre os anos de 1986 e 1988, seminários populares que tinham como objetivo discutir o planejamento orçamentário do

município. Segundo Canella (op.cit.), os processos de negociação e implantação das deliberações durante os seminários foram frágeis e inconsistentes. Nos dois primeiros seminários, observou-se uma falta de organização das duas partes e no terceiro, que tinha a intenção de se transformar em medida permanente de deliberação, o prefeito Édson Andrino teve seu projeto vetado pela Câmara de Vereadores, pois a mesma era composta por uma maioria conservadora.

Com a eleição de Espiridião Amin para prefeito, observa-se uma mudança nas deliberações sobre as participações populares na gestão dos bens públicos. Durante este governo, não foram priorizadas estas ações participativas e fez-se valer a representatividade eleita. O atual governo, pertencente ao PDS era descendente do partido que apoiava o regime de ditadura militar e, como tal, defendia que o povo devia deixar a seus representantes legais a tarefa de gerir o território sem sua interferência.

Neste sentido, várias instituições enfrentaram problemas para deliberar sobre os problemas que afligiam a cidade como as ocupações territoriais. Os instrumentos utilizados por este governo eram a lei, pelas ações de despejo, e a polícia, pelas demolições e conflitos pela disputa dos territórios.

Em 1989 (primeiro ano de mandato de Amin), uma série de embates se deflagrou acerca da questão de disputa de terras e moradias. Com a já citada ocupação da prefeitura por parte do MST, apoiado pelo CAPROM, foi produzido um documento assinado pelas partes em que o poder público local se comprometia com o encaminhamento de um projeto de lei prevendo a regulamentação das áreas ocupadas e a suspensão das ordens de despejo.

A lei nº 3210 instituía, assim, um Fundo Municipal de Famílias de Baixa Renda e a formação de um Conselho Municipal de Habitação. No entanto, a formação deste conselho não era paritária e o poder público ficou com maior representatividade para as deliberações. Ainda no mesmo ano, a Prefeitura Municipal decide elaborar um plebiscito com a cidade para decidir sobre o futuro dos migrantes. Esta atitude terminou por afastar de vez os movimentos de base das deliberações com o poder público referentes ao problema das ocupações.

Os dois governos municipais deste período apresentavam diferentes posicionamentos quanto ao tipo de gestão democrática a ser trilhada. No governo de Édson Andrino, prezava-se por um modelo de democracia mais participativa em que conselhos comunitários e espaços de deliberações populares eram criados com o objetivo de deliberar sobre a gestão do orçamento municipal. No entanto, como se pôde perceber estes instrumentos foram criados e geridos por

sujeitos vinculados ao governo local, criando suspeitas sobre sua real eficácia no que diz respeito à participação popular. Já no governo de Espiridião Amin, o desejo de que a população não participasse diretamente da gestão municipal era mais explícito e o resultado foi um conflito mais direto entre os migrantes e o governo.

Embora com diferentes estratégias, esses dois governos representavam um desejo da cidade de investir em uma estética urbana voltada para o turismo e para os olhares estrangeiros em que os “barracos” não faziam parte. Neste sentido, ficava difícil gastar o orçamento municipal na urbanização das áreas ocupadas. A prioridade estava em desenvolver as áreas que seriam transitadas pelos turistas e pela população de maior poder aquisitivo da cidade

Obviamente, os moradores desses casebres, também não desejavam continuar naquela situação. No entanto, a expulsão das áreas conquistadas, obrigando-os a voltar para o campo, onde o Estado também não realizava grandes investimentos, não lhes parecia atraente. O desejo estava na conquista por melhores condições de vida dentro do projeto social previsto pelos direitos de cidadania.

A partir destes posicionamentos, pode-se perceber a demarcação de dois acontecimentos politicamente diferenciados. De um lado, a produção da norma voltada para a imagem de uma cidade bem desenvolvida que representasse um estilo de vida europeu e acima dos padrões nacionais. De outro, a produção de um sujeito do contingente representada pela população que vem para esta cidade grande e desenvolvida em busca desta imagem, todavia, nesta norma estética não cabe uma população sem alto poder aquisitivo e fora dos altos padrões sociais exigidos. O resultado foi este conflito urbano que culminou na criação de táticas de resistência contra a expulsão e a regulação da norma, ou mais do que isso, a necessidade de lutar pela garantia dos básicos direitos sociais por moradia, educação, trabalho e lazer.