• Nenhum resultado encontrado

Os princípios constitucionais e a legitimação do direito ao uso das TRAs

3. AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA EM SEUS

3.2. Os princípios constitucionais e a legitimação do direito ao uso das TRAs

Diante da problemática do uso das técnicas de reprodução assistida para o alcance do sonho da procriação, dadas as suas implicações morais e éticas, faz-se necessária a observância dos preceitos constitucionais atinentes ao Direito das Famílias e ao direito de procriar, enquanto derivações do princípio maior da dignidade da pessoa humana, notadamente o qual orienta o desenvolvimento da família, esta em seu papel de viabilizadora do desenvolvimento pleno de seus membros, propiciando o bem-estar e a concretização dos projetos íntimos da vida dos indivíduos que a compõem.

A flexibilização dos valores constitutivos da família, outrora rígidos e definidos pela engessada fôrma do patriarcalismo, transportaram-na do patamar da

hipocrisia – aquele em cujo fim precípuo era o da procriação, e, dadas as

características machistas em que se enfincava, atribuía à mulher todo o ônus do casamento, a qual devia subserviência e fidelidade ao marido, sem que pudesse esperar mesmo em troca, pois a sociedade não cobrava esta postura do homem- para o patamar do amor, da compreensão mútua e da liberdade de escolha.

Assim, na contemporaneidade, não se cabe mais falar em uma única forma de constituição de família, eis que esta é complexa e multifacetada, assim como a sociedade em que está inserida. Está obsoleto, portanto, a antiga noção tradicional judaico-cristã de família vinculada à religião, cujo objetivo era procriar.

Para os conceitos modernos de família, o paradigma valorativo deixa de ser a instituição jurídica como fim e o desloca para o indivíduo, posicionamento

sacramentadopela concepção eudemonista de família59, segundo a qual os

interesses e felicidade dos seus membros estão acima dos interesses desta instituição. Com isso a procriação deixou de ser considerada o fim imediato do casamento e passou a ser analisada enquanto direito de cada indivíduo, se e quando ele a considerar importante em seu contexto existencial60, sob o aspecto jurídico constitucional, que identifica, de forma individualizada, o direito do homem ou da mulher, à procriação.

Sob o enfoque do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a instituto família reluz em três aspectos essenciais correlacionados fundamentalmente a este preceito constitucional, os quais são destacados por Maria de Fátima Aflen Silva da seguinte maneira:

Em primeiro lugar, a funcionalização das entidades familiares à realizarão da personalidade de seus membros, em particular dos filhos; em segundo lugar, a despatrimonialização das relações entre os consortes e entre os pais e os filhos e; em terceiro lugar, a desvinculação entre a proteção conferida aos filhos e a espécie de relação existente entre os genitores61. Assim, dada a extrema relevância da interpretação do Direito das Famílias à luz da Dignidade da Pessoa Humana, denota-se uma crescente necessidade da despatrimonialização deste direito, com uma consequente valorização do ser

humano enquanto indivíduo com um fim em si mesmo – buscando a família como

meio para as suas realizações pessoais, ponto em que, se observa dever ser a família consagrada como instrumento primordial de proteção e desenvolvimento da

59 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 194.

60SOUZA, Wagner Mota Alves. Direito à procriação, técnicas de reprodução medicamente assistida e a doutrina venire contra factum proprium – a inseminação artificial heteróloga e o comportamento contraditório do cônjuge ou companheiro(a). Aracaju: Evocati Revista n. 41, maio 2009 Disponível em: <

http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=327 >. Acesso em: 17/10/2014

61

SILVA, Maria de Fátima A. Direitos fundamentais e o novo direito de família. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editora: 2006, p.82.

dignidade da pessoa humana62- erigindo-se, desta forma, a constitucionalização do Direito Civil.

Observado ainda que, com os avanços biotecnológicos a reprodução deixou de ser um fato essencialmente biológico, relacionado unicamente ao agir humano, passa-se a considerar o fenômeno sob uma nova dimensão, na qual o agir técnico se torna mais um elemento viabilizador da procriação, destituindo o fator

biológico de sua posição de único elemento essencial à reprodução63.

Com isto, surge a temática do direito de procriar, tema ainda polêmico,

mesmo diante da criação dos direitos de quarta geração64, relacionados à

biogenética, assegurados pela Carta Magna. O reconhecimento deste direito é matéria de necessária regulamentação, pois, somente quando explicitada a tutela jurisdicional ou não à ele é que se poderão definir os limites da atuação médica e das relações jurídicas firmadas com base nestas novas tecnologias reprodutivas.

No que concerne ao direito de procriar propriamente dito, bem como em suas limitações e liberdades, a doutrina pátria é bastante divergente.

Algumas correntes afirmam o direito aà procriação como contraditório, eis que a própria natureza determina quem será estéril e quem será fértil. Assim, não haveria por que se falar em “direito” se a prerrogativa de ser capaz ou não de se

reproduzir já acompanha o indivíduo desde o seu nascimento65.

Há ainda os que defendem que, diante do surgimento das técnicas de reprodução assistida, a reprodução se tornou uma opção para os que, a depender de fatores unicamente biológicos, não a levariam adiante. Assim, instrumentalizou-se a reprodução, de forma que procriação pode ser considerada um objeto de desejo, realizável e adquirível na medida do agir técnico adequado. Com isto, o que há, ao

invés de um direito, é um desejo à reprodução66, encerrado enquanto uma

faculdade, nas palavra de Eduardo de Oliveira Leite:

Este ‘direito’ invocado é apenas uma faculdade, ou melhor, uma liberdade. Catherine Labrusse-Rieu e J.L. Baudoin já se referiram a matéria em termos bastante claros. Existe uma liberdade de engendrar filhos. Quando a

62SILVA, Eduardo. A dignidade da pessoa humana e a comunhão plena da vida: o direito de família ante a

Constituição Federal e o Código Civil. In: A reconstrução do Direito Privado. COSTA, Judith M. (org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. P. 40.

63SOUZA, Wagner Mota Alves. Op. Cit.

64BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 6

65ASCENÇÃO, José de O. Problemas jurídicos da procriação assistida. Rio de Janeiro. Revista Forense,

nº328, out/dez. 1994, p. 70.

66

DURANT, Guy. A Bioética: natureza, princípios e objetivos. Trad. Porphírio Figueira de Aguiar Netto. São Paulo: Paulus, 1995, p. 70-75.

natureza se opõe, o direito médico e social criaram um verdadeiro direito à cura da esterilidade tentando vencer este handicap e permitindo o exercício da liberdade de procriar. Entretanto, procriar não é um direito. Até poderia ser se a liberdade em jogo constituísse num direito pessoal ou um direito real. (...) Na realidade, ‘não há direito a ter filhos, nem direito de fazer um para outrem. O que há é uma liberdade de desejar um e a liberdade de ajudar o semelhante (estéril) a ter um. O direito a ter filhos, quando se quer, e em qualquer circunstância é reivindicado como direito fundamental, (mas é apenas) a expressão de uma vontade exacerbada de liberdade e de plenitude individual em matérias tais como o sexo, a vida a morte67.

Uma terceira linha de pensamento valida a existência do direito de procriar, cuja natureza é personalíssima, como consectário da liberdade de escolha posta em prática quando se faz opção pela inseminação artificial homóloga ou heteróloga (vez em que o material genético utilizado para a fecundação não é total

ou parcialmente dos envolvidos na elaboração do projeto parental)68. Para esta

corrente, a procriação artificial é reconhecida como um direito atinente à espécie humana, eis que é desdobramento do direito de fundar uma família, por sua vez, confirmado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Para Maria Claudia Crespo Brauner69, o direito de procriar está

compreendido na linha de varredura dos direitos personalíssimos70, elencando-se,

pois, dentre os direitos humanos, a demandar, portanto, respaldo e proteção jurídica. Insta salientar que, muito embora o direito à procriação não esteja expressamente consagrado na Constituição Federal em seu título II, do qual se depreendem os direitos e garantias fundamentais, este preceito não perde o seu status de garantia individual, em que pese a Carta Magna ter consagrado a “abertura

material do catálogo constitucional dos direitos e garantias fundamentais71”.

Assim, não é a localização do dispositivo no complexo físico- organizacional do texto normativo constitucional que determina se a norma pode ou não ser enquadrada no rol dos direitos e garantias fundamentais. Com prejuízo do

67LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos,

psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 36.

68 FERNANDES, Tycho B. A Reprodução Assistida em Face da Bioética e do Biodireito: aspectos do

direito de família e do direito das sucessões. Florianópolis: Diploma Legal, 2000, p. 69.

69BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e reprodução humana: conquistas

médicas e o debate bioético. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 52

70Consideram-se direitos da personalidade, segundo Carlos Alberto Bittar, "os direitos reconhecidos à pessoa

humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos" - BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p.10 – Sendo assim, o direito à procriação é um direito da personalidade, na exata medida em que o seu exercício encerra um projeto de vida de seu titular, tendo, pois, grande importância para o desenvolvimento da personalidade.

71SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal

critério formal para se aferir a natureza das normas, na Constituição de 1988 sobressaiu-se o critério material, a partir do qual devem ser observados o conteúdo e a natureza jurídica do regramento constitucional, para se qualificar um direito como fundamental ou não.

Corolário do entendimento de que o direito à procriação assistida é garantia fundamental, à luz da Constituição, é que os direitos relacionados à estruturação da família e de seu planejamento são reconhecidos por este compêndio normativo com uma grande carga de importância, dado o fato, extraído da leitura de seu art. 226, de que a família é a base da sociedade.

Alçada, pois à condição de pilastra para a manutenção da sociedade, a instituição da família enseja uma série de direitos e garantias fundamentais, tal qual o direito ao planejamento familiar (art. 226, §7 da CF/88), enquanto consequência prática do desdobramento do direito de procriar como elemento inerente à condição humana e primordial à realização pessoal do indivíduo, sem jamais olvidar a dignidade da pessoa humana e a paternidade responsável.

Consoante este entendimento de que, em que pese não está explicitado na Carta Magna a condição do direito de procriação enquanto direito fundamental, dever ser assim entendido este direito pelo conteúdo das normas a ele relacionadas, é o fato de que o direito à procriação não pode ser extirpado do ordenamento jurídico sequer por emenda constitucional, conforme disciplina do art. 60, § 4º,inciso

IV da Constituição Federal , o qual aduz in verbis: “Não será objeto de deliberação a

proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais”,

por qualificar-se como cláusula pétrea.

Seguindo este raciocínio, enquanto desdobramento do direito fundamental à procriação, o planejamento familiar, conforme disciplina o art. 2º da Lei nº 9.263/96, é definido como “o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”, também é alçado à qualidade de direito fundamental, que deve ser garantido pelo Estado, na medida em que cabe a este promover as condições e providenciar os recursos técnicos e científicos bastantes ao seu livre exercício.

Dada a natureza do direito de procriar, direito personalíssimo alçado à condição de direito fundamental, ao Estado não cabe a imposição de medidas arbitrárias que visem a coibir ou a limitar o direito de gerar do casal, é o que postula

o Código Civil em seu art. 1565, §2º: “O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas”.

Seguindo essa linha de argumento, enfatiza-se que o direito de gerar revela o direito à intimidade e à auto-determinação das pessoas, não podendo ser cerceado ou limitado, como acontece em certos países, como a China. (...) Um Estado que impõe uma política de reprodução humana tolhe o direito inalienável das pessoas em ter filhos, viola o direito de seus cidadãos quando os impede de gerar, ou, quando impõe um número restrito para a prole72.

O direito de procriar, assim como qualquer outro direito, não é absoluto. A ele também cabem limitações, estas igualmente dispostas no texto constitucional. Com efeito, a dignidade da pessoa humana e a paternidade responsável devem ser os parâmetros nos quais o planejamento familiar, notadamente a reprodução assistida deve ser pautar.

Ao Estado não cabe estabelecer qualquer limite ou condição ao direito fundamental do indivíduo ao seu planejamento familiar, exceto quando suas deliberações forem atuar fora do âmbito de autonomia privada deste indivíduo. O controle estatal deve, pois, se fundar primordialmente no direito à saúde e na autonomia do casal. Ainda, o planejamento familiar não pode se prestar a realizar o planejamento populacional, porque não deve induzir o comportamento social ou

sexual, nem deliberar quantos filhos o casal pode ou deve ter73.

Corroborando esta posição, ensina Arnaldo Rizzardo:

desde que não afetados princípios de direito ou o ordenamento legal, à família reconhece-se a autonomia ou liberdade na sua organização e opções de modo de vida, de trabalho, de subsistência, de formação moral, de credor religioso, de educação dos filhos, de escolha de domicílio, de decisões quanto à conduta e costumes internos. Não se tolera a ingerência de estranhos – quer de pessoas privadas ou do Estado -, para decidir ou impor no modo de vida, nas atividades, no tipo de trabalho e de cultura que decidiu adotar a família. Repugna admitir interferências externas nas posturas, nos hábitos, no trabalho, no modo de ser ou de se portar, desde que não atingidos interesses e direitos de terceiros”. (...) Dentro do âmbito da autonomia, inclui-se o planejamento familiar, pelo qual aos pais compete decidir quanto à prole, não havendo limitação à natalidade, embora a falta de condições materiais e mesmo pessoal dos pais. Eis a regra instituída no §2º do art. 1565: ”O planejamento familiar é de livre decisão do casal,

72BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Op. cit., p. 54

.

competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas74.

O Estado, então, não poderia, em regra, ferir o princípio da isonomia e, editar normas que obstassem ou limitassem o acesso aos modernos métodos de reprodução artificial, consubstanciado nas Técnicas de Reprodução Assistida (TRAs) desde que observada a existência de indicação médica, que identifique o problema de saúde reprodutiva.

Ainda que condicionado à observância de certas condições para que se possa fazer uso de qualquer das técnicas de reprodução assistida, a exemplo da priorização do melhor interesse da criança, sob o enfoque da dignidade da pessoa humana, o direito à procriação existe no ordenamento jurídico brasileiro, o qual, inclusive, consagrou os avanços do pensamento moderno, ante o advento da quebra dos paradigmas tradicionais da família patriarcal, estabelecendo-se no art. 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente qualquer pessoa, civilmente capaz e maior de

18 anos, pode adotar, independentemente de seu estado civil75.

Com isto, o Direito brasileiro acenou legalmente para a possibilidade de mães solteiras adotarem uma criança, sem a necessidade de está casada. Reconhecendo, portanto, a validade da família monoparental, o ordenamento jurídico brasileiro avançou e, neste sentido, não se poderia conceber que este mesmo compilado normativo proibisse a mulher solteira de recorrer as técnicas de reprodução assistida, estampado que seria tamanho retrocesso.

Da mesma forma, da leitura do artigo em exame se depreende que se os interessados são maiores de idade, independentemente do estado civil que ostentem, têm o direito de buscar remédio para a esterilidade/infertilidade, ressalvado a condição de capacidade física e mental para se ocupar

convenientemente de uma criança76.

Equipara-se o tratamento jurídico dado, então, a adoção e à gestação, eis que a consequência prática no mundo jurídico de ambas as situações aventadas é similar: a criação de um ser no seio de uma família que naturalmente não seria a

74 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 15 e 16

75RIBAS, Ângela M P. Aspectos contemporâneos da reprodução assistida. Disponivel em <

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2985 > Acesso em 20 out. 2014.

sua, se se dependesse das condições naturais inerentes ao ser humano no tocante aos seus aspectos biológicos e físicos necessário à gestação.

Corroborando a positivação do direito à procriação, então, o princípio da igualdade, assegurado constitucionalmente, veda qualquer tipo de discriminação entre os indivíduos que compõe o corpo social. Assim, se não há qualquer obstáculo ou imposição legal àquele que não quer ter filhos, se não há nenhum tipo de pressão ou coação estatal no sentido de obrigar alguém a procriar, igualmente não pode haver limitações à vontade de procriar. Neste sentido, a procriação consubstancia-se

em um direito, pois requer uma prestação do Estado, seja negativa – de não obstar

o projeto parental – seja positiva – de auxiliar o tratamento das causas de

infertilidade, provendo material humano e científico hábil para tanto.

Para Paludo, o Estado não pode discriminar as pessoas estéreis, tolhendo-lhes o direito de escolher se podem ou não ter filhos, conforme afirma:

A discriminação pela pessoa estéril se reflete ainda hoje sobre a sociedade moderna, podendo aquela sentir-se desigual às demais pessoas do convívio social não pelo fato de ser incapaz de conceber, mas sim por não poder escolher entre ter ou não ter filhos. Todavia, o avanço da ciência permitiu aos casais estéreis a possibilidade de procriar, de exercer a maternidade ou a paternidade77.

Fala-se, portanto, na vedação constitucional à diferenciação do regramento destinado à indivíduos férteis e à indivíduos inférteis. Resta patente, pois, a procriação enquanto direito fundamental que deve ser resguardado pelo Estado.

A observância do melhor interesse da criança também não deve ser olvidada, e, na forma que a Constituição dispõe, é vedado ao casal recorrer às TRAs quando o seu objetivo for unicamente satisfazer aos anseios egoísticos do casal, quando se observar que a criança gerada por estes métodos será apenas um meio para a busca da felicidade do casal, execrando-se, portanto, a reificação da criança e tentando-se, ao máximo, amenizar a instrumentalização do corpo e da reprodução humana. Com isso, a Constituição buscou resguardar a dignidade e o interesse da criança.

A Carta Magna, ao dispor, em seu art. 5º sobre a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem e da liberdade de expressão,

77PALUDO, Anison Carolina. Bioética e Direito: procriação artificial, dilemas ético-jurídicos. Jus Navigandi,

Teresina, ano 6, nº 52, 01 nov. 2001, Disponível em < http://jus.com.br/revista/texto/2333 > Acesso em 20 out. 2014

matérias intimamente ligadas aos direitos da personalidade, dispõe indiretamente sobre o direito à procriação. No art. 218, ainda, estabelece o texto Magno o apoio estatal dado à pesquisa científica e aos avanços da tecnologia.

Estas disposições, quando combinadas com a disciplina do art.6º da CF/88, o qual assegura o direito à saúde, legitimam o papel do Estado enquanto titular do dever de viabilizar Saúde Pública ampla, irrestrita e de qualidade como direito fundamental do cidadão, corolário do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana.

Se considerarmos o direito da pessoa ao acesso à saúde e observado o fato de que a esterilidade, bem como a infertilidade, é uma doença, concernente a um problema da saúde reprodutiva, respaldado pelo art.6º da CF/88, o cidadão acometido destes males tem o direito de exigir do Estado que lhe promova a saúde adequada, mesmo que, em muitos casos não se vá curar a infertilidade/ esterilidade, perquirir-se-á por um adequado e eficaz tratamento do problema.

Neste contexto, o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher

(PAISM)78,visando à implementação dos direitos da autonomia reprodutiva, em sua

interface com o planejamento familiar, conquistados pela população brasileira com o advento da Constituição de 1988 e baseado no princípio concernente ao direito à saúde , surgiu para consolidar os avanços no campo do direito à procriação, tema de