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3.2 Os processos do controle social comunitário

HUNTER (1985)5 desenvolveu três níveis de abordagem do controle social que possibilita um melhor entendimento de como as redes de relações são intrínsecas ao controle do crime no nível comunitário. Assim, o mais básico é o controle no nível "privado", que está baseado na intimidade informal dos grupos primários existentes na área. Dentro de tais grupos, o controle social é geralmente conseguido através da alocação ou da retirada do sentimento de prazer, apoio social e estima mútua. BLACK (1989: 4)6 teria colocado alguns mecanismos primários de controle existentes nesse nível, como críticas a comportamentos, a ridicularização ou a marginalização de grupos, o que poderia redundar em autodestruição ou violência. Contudo, segundo os autores, há indícios de que tal controle é mais eficiente em adolescentes.

O segundo nível de controle social discutido por Hunter é chamado de "paroquial" e representa os efeitos da rede interpessoal local e a interlocução entre instituições locais, como igrejas, escolas, comércios e organizações voluntárias. Assim, se a ordem privada refere-se às relações entre amigos, a ordem paroquial refere-se às relações entre grupos

que não têm nenhuma ligação “sentimental”.

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Cf. BURSIK e GRASMICK, 1993. p. 16.

SPERGEL e KORBELIK (1979)7 mostraram que existem contingências que mediam a capacidade das redes locais e as instituições de controle da ameaça de crime. São algumas associações locais que se ergueram inicialmente devido à intervenção de organizações externas à comunidade.

O terceiro nível de controle social é o "público" que focaliza a capacidade da comunidade em assegurar a implantação de bens públicos para a sua área; serviços que são oferecidos por agências localizadas fora da comunidade. Esses resultados externos podem tomar duas formas básicas:

A) a comunidade pode desejar engajar em atividades de controle do crime que apenas serão bem sucedidas se as organizações locais tiverem a capacidade de influenciar na burocracia dos serviços municipais e nas decisões das políticas públicas que alocam recursos econômicos;

B) Segundo, e talvez o mais importante, referente ao controle externo do crime, é a relação existente entre a comunidade e o departamento de polícia da cidade.

Posteriormente voltaremos à discussão da abordagem sistêmica de forma mais detalhada. Por enquanto o que importa ficar claro é que não só os moradores são afetados pelas atividades da polícia ocorridas nos limites da comunidade, como também os estudos sobre políticas públicas mostram que o ofensor potencial muitas vezes escolhe as áreas baseados nas diferenças de implementação da lei em cada área. Como resultado, quando as atividades da polícia está aumentado em um determinado local, há uma tendência da taxa de crimes aumentar em outras áreas vizinhas onde os riscos para o ofensor é menor.

Isto, segundo os autores, sugere que a natureza da relação polícia/comunidade em uma comunidade específica é função da simultaneidade das atividades da polícia em outras áreas próximas.

O relacionamento da abordagem sistêmica da organização comunitária com as três abordagens de controle social seria expresso no fato de que os níveis de controle privado, paroquial e público não se desenvolvem instantaneamente. Eles emergem vagarosamente através da interação entres os moradores em um período de tempo. Por isso, o maior nível de instabilidade residencial dificulta o estabelecimento de associações formais e informais que possibilitam o controle social.

Nesse sentido, talvez seria interessante tentar perceber como ocorrem essas relações dentro de uma comunidade específica (Vila CEMIG e Conjunto esperança), usando o método qualitativo, com um roteiro de entrevista semi-estruturada, onde os entrevistados estariam se descrevendo enquanto participantes dessa rede de relações. Eles próprios estariam descrevendo essa rede.

Assim, a suposição que fazemos é a de que as concepções que os atores membros dessa comunidade fazem do mundo social interferem na ordem do mundo social em que vivem. Supomos que o real já se acha descrito por esses atores. Tal descrição que os atores fazem do mundo social pode ser equivocada, mas, equivocada ou não, é essa descrição que induzirá o seu comportamento. Estaríamos então analisando o real descrito pelos membros da comunidade da Vila CEMIG e Conjunto Esperança, supondo que se a visão que esses membros têm do mundo social em que vivem se apresenta como real para eles, então o comportamento deles em ralação a esse mundo também será real em suas

conseqüências. Assim, quem sabe possamos apreender aquilo que eles fazem para organizar sua existência social.

Apesar dos "problemas" conceituais, a teoria da desorganização social teve uma revitalização significante nos últimos dez anos, e acreditamos que alguns aspectos reformulados da teoria da desorganização social, dentro da perspectiva sistêmica, poderiam nos trazer resultados bastante frutíferos concernentes à dinâmica contemporânea da relação entre comunidade e crime, dinâmica essa que, no nosso caso, está representada pelas comunidades da Vila CEMIG e Conjunto Esperança.

E o que queremos saber, nesse trabalho, são atitudes e opiniões sobre eventos relacionados aos constrangimentos impostos aos moradores da Vila CEMIG e Conjunto

Esperança pelos “produtores da criminalidade” residentes nessas vilas. Supomos que a

convivência desses atores, em um mesmo espaço físico e social, pode ser analisados à luz da Teoria da desorganização social, principalmente à partir da re-leitura de alguns de seus aspectos.

Baseados então em um roteiro de entrevista semi-estruturada, tentamos captar comportamentos e atitudes de moradores de um local específico, face ao comportamento criminoso de alguns atores e face às identidades que lhes foram impostos por uma visão senso comum que insiste em usar a pobreza como variável explicativa para o comportamento criminoso.

Tentaremos, nesse sentido, discutir dois problemas. O primeiro é teórico e refere-se tanto às possibilidades do desenvolvimento de uma organização social (nos moldes da reformulação sistêmica da Teoria da desorganização Social, enquanto a capacidade da

comunidade analisada supervisionar comportamentos desviantes de seus membros), quanto à hipótese dos controles sociais privado,paroquial e público, tais quais definidos por BURSIK e GRASMIK (1993), funcionarem como mecanismos de controle do comportamento criminoso nessas comunidades. O segundo problema que pretendemos discutir deixaremos para o final desse trabalho. É de natureza empírica e descritiva e vai se orientar para a identificação (no cotidiano desses moradores e nos termos teóricos) das variáveis explicativas que os moradores utilizam para o comportamento criminoso e,

conseqüentemente, qual seria a dimensão moral de “comportamento criminoso” expressa

em suas falas.

Evidentemente, os relatos que serão aqui apresentados não permitem nenhuma inferência sobre a relação entre os níveis de controles sociais e o comportamento criminoso em geral, mas apenas uma aproximação dessa relação; e mesmo assim em um local específico.