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Foto 1  José Bernardo Máximo preso por suspeita de ser escravo (1884)

3 CAMINHOS QUE LEVAM À LIBERDADE – AS ALFORRIAS NO PIAUÍ NA

4.1 Os reduzidos à escravidão: as práticas de reescravização de libertos no Piauí

Seguindo as linhas de pensamento apresentadas até aqui e perseguindo os rastros, as pistas e os indícios281 apontados pelas fontes analisadas na pesquisa, o nosso passo agora é o

de apresentar a narrativa que construímos acerca dessas trajetórias diferenciadas de libertos que lutaram pela garantia de alcançar a plena liberdade ou pela conservação da mesma na Província do Piauí assim como de pessoas livres que sofreram as amarguras do cativeiro ilícito. Dessa forma, para darmos início às nossas análises acerca da temática apontada, o episódio ocorrido com o liberto Simão, da cidade de Barras, é exemplar para apresentar o início do nosso fio condutor na discussão prevista para a construção deste capítulo.

No dia 25 de novembro de 1855, o liberto Simão foi capturado e recolhido à delegacia de polícia da cidade de Barras como escravo a pedido de Laurentino Gomes da Silva. Segundo o senhor Laurentino, quando escravo, Simão teria sido deixado de herança por seu sogro depois da morte deste, no entanto, alegava ser liberto, condição que lhe fora concedida por seu falecido senhor, o major Antônio Borges Leal, em sua carta de alforria. A partilha dos bens, após a morte do major teria causado uma imensa indefinição em relação à condição e à posse de Simão. Laurentino era procurador da viúva, sua sogra, e, por isso, compareceu ao juízo e denunciou que Simão ainda era escravo.

No entanto, após investigação sobre o caso, o chefe de polícia, em relatório ao

281 GINZBURG, Carlo. ―Sinais: raízes de um paradigma indiciário‖ In: Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. 1ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

delegado da cidade de Barras, confirma que Simão era um liberto, fato que poderia ser provado pelas testemunhas que participaram do ato de concessão da carta de alforria. No relatório, o chefe de polícia afirma que

Esse facto criminozo praticado por Laurentino reduzindo à escravidão o pardo Simão ainda se torna mais potente, tendo elle tempos depois passado de seu próprio senhor carta de liberdade a Simão, como verá Vossa Senhoria dos documentos n.º 3 e 4. Em vista, pois, do expedido haja Vossa Senhoria de prender a Laurentino Gomes da Silva Rabello, e processa-lo pelo crime de reduzir à escravidão pessoa livre, devendo o processo ser vistoriado depois de effectuada a prizão.282

Para muitos libertos esse era um momento tenso: a morte de seu proprietário e partilha dos seus bens. Principalmente quando se tratava de um plantel pequeno, como no caso do Piauí. Verificou-se que, nem sempre a condição exposta nas cartas de alforrias, como por exemplo, a concessão da liberdade a partir da morte do senhor, quando era alcançada podia significar a liberdade para o escravo. No caso de Simão, tivemos a possibilidade de conhecer de perto esse cotidiano.

Além das denúncias realizadas pelas próprias vítimas de ameaça de reescravização, algumas delas também eram lançadas nos jornais da época o que levava a investigação por parte das autoridades policiais como podemos ver abaixo.

Informe V. S.ª com urgência sobre o facto denunciado no jornal Telephone que lhe remetto e V. S.ª devolverá, de haver Sabino Veras comprado aos herdeiros que ahi falleceo, 4 escravos a quem a mesma velha conferiu a liberdade antes do falecimento e cujas cartas se acham até lançadas em notas nesse termo. Tratando-se de um facto por sua natureza grave, conto que V. S.ª se esforçará por descobrir a verdade para desafronta da lei. Sr. Delegado de Polícia de Jerumenha.283

Essas práticas se mostravam comum em alguns lugares da província. A liberdade fora concedida pela carta de alforria condicional. No entanto, esta não garantiu o pleno gozo da condição de liberdade esperada por esses indivíduos. A senhora, antes de falecer, concedeu aos seus quatro escravos as cartas de alforria que, provavelmente, aguardavam ansiosos por esse momento. No entanto, a tão sonhada liberdade não chegou da forma como eles aguardavam. Embora acreditassem que as cartas de alforrias estivessem lavradas em cartório e

282 Arquivo Público do Estado do Piauí. Sala do Poder Executivo. Correspondências com delegados de polícia.

Anos: 1861-1867. SPE. Código: 724. Estante: 06. Prateleira: 03.

283 Arquivo Público do Estado do Piauí. Sala do Poder Executivo. Polícia. 1885. SPE. Código: 893. Estante: 08.

que as mesmas significariam o fim da vida em cativeiro, mas, pelo o que foi descrito acima, não chegaram ao poder daqueles libertandos.

Assim também aconteceu com a liberta Joana, da cidade de Oeiras, antiga capital da Província do Piauí, que havia sido alforriada, segundo os documentos analisados, em março de 1821, pela sua senhora Emericiana de Barros, sendo que de acordo com o relatório das autoridades policiais, em junho do mesmo ano, a carta de alforria foi lançada no livro de notas do tabelião daquela cidade. Ao ficar viúva de seus dois primeiros maridos, dona Emericiana de Barros não registrou como escravos Joana e seus seis filhos (Joana com 8 anos, Manoel com 30 anos, Vicente com 17 anos, Maria com 15 anos, Manuel Segundo com 13 anos e Florêncio com 11 anos) vivendo como livres, embora trabalhando para dona Emericiana e sua família, fato que era corriqueiro na vida dos libertos. Como estes geralmente não encontravam outras formas para sobreviver e muitas vezes já haviam constituído famílias e outros laços de afetividade e sociabilidades, continuavam vivendo na propriedade de seus antigos senhores, além disso, os laços construídos até então dificultavam a saída do local, como por exemplo, a constituição de famílias.

Em muitos casos, os libertos já viviam há determinado tempo nessa condição, o que não impedia que a qualquer momento pudessem ter sua liberdade ameaçada, como vimos no caso de Joana. Após trinta e um anos de liberdade concedida, a liberta e sua família enfrentaram muitos problemas para permanecerem livres. Casos como esse nos fornece instrumentos interessantes que nos levam a fortalecer a ideia do desequilíbrio estrutural da liberdade284. Essa fragilidade da liberdade pode ser percebida em toda a vigência da

escravidão. Porém, com o aprofundamento do tráfico interprovincial e a com a relutância de alguns senhores em conceder a liberdade para os escravos, na segunda metade do século XIX, embora passe a existir diversas leis, a precariedade torna-se algo comum no Piauí, já que esta província forneceu inúmeros braços para o tráfico interprovincial.

Através das indicações apontadas nos documentos, Joana teve a maioria de seus filhos após a concessão da carta de alforria recebida no ano de 1821285. Aqui podemos apontar duas

discussões importantes: a primeira está relacionada com a situação acerca dos filhos de libertas por condição e a segunda sobre a instabilidade sofrida pela família escrava, tema já bastante discutido na historiografia. Referindo-nos à primeira questão de análise, se entre o

284 CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão. Ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. 1ª ed. São Paulo:

Companhia das Letras. 2007.

285 Arquivo Público do Estado do Piauí. Correspondências com autoridades. 1861-1867. Código: 724. Estante:

período de concessão da alforria e, por exemplo, o falecimento do senhor, que geralmente era a condição mais comum imposta nas cartas de liberdade, a escrava tivesse um filho, qual seria a condição do mesmo? Esse filho era livre ou escravo? Esta era um situação delicada, pois, tivemos a oportunidade de observar que mesmo diante de um aparato legal, alguns senhores não obedeciam a determinadas leis relacionadas à população escravizada, principalmente na segunda metade do século XIX.

Como ainda não existiam leis que regulamentassem até o ano de 1871 as cartas de alforria, estas eram resolvidas em âmbito privado. Alguns historiadores já debateram acerca dessa questão, chegando a conclusões diversificadas. Para alguns, os filhos nascidos após a concessão da alforria, mesmo sendo esta condicional, são livres. Esses historiadores são influenciados pelas elaborações de Perdigão Malheiro em A Escravidão No Brasil286

. O dilema acerca dessa questão já foi também analisado por Sidney Chalhoub287, Mary

Karasch288 e Kátia Mattoso289: os filhos nascidos após a concessão da alforria condicional

normalmente concedida através da prestação de serviços por um período de tempo que geralmente estava relacionado com a morte de seus proprietários – eram livres ou escravos? Parece-nos que até que se cumprissem as condições declaradas na carta de alforria, os escravos não alcançavam a total liberdade e isso torna a questão bastante complexa. Chalhoub preocupado com o dilema em torno dessas crianças afirma que

[...] mesmo historiadores especialistas em escravidão não têm chegado a um acordo quanto à resposta. Mary Karasch é cuidadosa, e afirma que ―aparentemente‖ os filhos de escravas libertadas condicionalmente nasciam cativos. Ela justifica essa opinião argumentando que encontrou exemplos de senhores que registraram cartas de alforria de filhos de escravas libertadas condicionalmente; ou, ainda, havia senhores que estipulavam na própria carta da escrava que as crianças nascidas no período de liberdade condicional seriam livres. Kátia Mattoso, por outro lado, é decididamente pela posição contrária: ―o alforriado sob condição, foi sempre considerado livre pela lei‖ e, por conseguinte, ―seus filhos nascem livres290

286 MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil. Ensaio histórico-jurídico-social. Rio de

Janeiro, Typografia Nacional. 2008.

287 CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade. Uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São

Paulo: Companhia da Letras, 2011.

288 KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro. 1808-1850. Rio de Janeiro: Companhia das letras, 2000. 289 MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982.

Continuando a discussão, o autor acrescenta que o princípio de que ―o parto segue o ventre‖ significa que a condição legal da criança segue a do ventre da mãe, isto é, ―o filho da escrava nasce escravo [...] pouco importando que o pai seja livre ou escravo‖.291

Assim como outras questões relacionadas à escravidão e à liberdade apontadas aqui, a discussão acerca da condição dos filhos de escravas nascidos no período de gozo da condicionalidade, ou seja, nascidos no decorrer da experiência das libertandas, não estava definida na instância judicial. Nesse sentido, quando ocorriam casos como estes e eram levados à justiça, as decisões tomadas pela instância judicial acerca dessas questões eram diferenciadas. Casos como o da liberta Joana, desembocavam em intensos debates jurídicos, que se alongavam devido a não exatidão do direito brasileiro em relação a essas questões. Embora não tenhamos encontrado o processo da liberta Joana a partir das fontes analisadas percebemos a dificuldade das autoridades em lidar com a questão.

Para alguns autores que trabalharam com a questão, fica visível que o mais importante nesses casos é o fato de determinar se a mãe era juridicamente livre ou cativa no momento do nascimento dos filhos. Segundo o raciocínio de Perdigão Malheiro a questão dos escravos alforriados ou manumitidos

[...] sob condição suspensiva‖ já se constituía num dilema para legisladores e jurisconsultos no direito romano. Para os romanos, o statuliber era aquele indivíduo ‗que tinha a liberdade determinada para um certo tempo, ou dependente de condição‘. Reconhecia-se que esse indivíduo tinha ‗posição diversa do escravo que ainda tal se conservava, sem todavia ser havido por plenamente livre‘. O esforço de Perdigão Malheiro ao reconstituir as leis e os debates sobre o assunto entre os romanos é no sentido de demonstrar uma certa linha de evolução nesse direito: de início, o statuliber era considerado simplesmente escravo do herdeiro enquanto a condição estava pendente; posteriormente, no entanto, passou a haver uma certa ‗preponderância da liberdade‘, com o surgimento de leis que estabeleciam que as penas de tortura e açoites não eram aplicáveis ao statuliber, assim como determinações que autorizavam a presença dessas pessoas em juízo. No entanto, as crianças nascidas de mães cativas manumitidas condicionalmente eram consideradas escravas dos herdeiros. De qualquer forma, o autor mostra que no direito romano, que sempre funcionava como subsidiário ao nosso em casos omissos, houve uma evolução no sentido de um maior favor à liberdade.292

Nesse aspecto, discutindo também acerca dos libertos que receberam carta de alforria condicional, a historiadora Hebe Maria Mattos argumenta, a partir dos discursos dos

291Ibid. p.123.

contemporâneos, que sobre essa questão existia, na década de 1860, uma visível divisão de opiniões entre os juristas brasileiros, como afirmamos anteriormente. Segundo a autora, para alguns a liberdade para os escravos só se tornava efetiva com o cumprimento total da condição imposta na carta de alforria. Mas, para outros a liberdade das escravas se tornava efetiva desde a época em que fora lavrada a carta de alforria em registros de notas cartoriais. Para a autora,

Teixeira de Freitas considerava que, durante a vigência da condição, o escravo continuava o que sempre fora: um escravo. Não pensava assim, entretanto, quase a unanimidade dos membros dos Institutos dos Advogados Brasileiros, em 1859, que, ao assumirem institucionalmente a doutrina oposta, levaram à renúncia o autor da Consolidação das leis civis. Mesmo assim, estavam ainda (a maioria) divididos. Viam todos a ‗condição‘ de modo análogo às obrigações de prestação de serviços por um colono. Ela adiaria o gozo da liberdade, mas não a suprimiria. Faziam ainda reviver do Direito Romano a figura do statuliber e, portanto, também obrigado aos serviços da mãe? Ou já nasceria livre de qualquer ônus ou serviço? Esta segunda posição foi majoritária e seria encampada por Perdigão Malheiro. Em seu histórico-jurídico sobre a escravidão no Brasil.293

No que se refere à segunda questão apontada por nós, ou seja, a instabilidade da família escrava, a mesma se constitui tema bastante discutido na atual historiografia brasileira.294 Não havia, porém uma estabilidade na instituição familiar, pois, a estrutura

escravista no Piauí, ao mesmo tempo em que incentiva as uniões entre os escravos tendo como objetivo reprodução de mão de obra, principalmente após 1850, para o suprimento do tráfico interprovincial, também acabava afetando a sua estabilidade exatamente porque dependia da lógica comercial do tráfico, pois, no momento em que precisavam transferir ou vender um ou todos os membros da família, não havia nenhuma proteção sobre essa instituição, a não ser a partir de 1869, quando se tornava proibida a venda de mulheres escravas separadas de seus filhos menores - questão que será aprofundada logo adiante.

Voltemos à trajetória de Joana. O início de sua batalha para manter a liberdade deu-se no ano de 1852, quando a sua antiga senhora, Emericiana, faleceu, sendo que a mesma,

293 MATTOS, 1998, p.181. Discutindo acerca dessa questão, em sua pesquisa a autora destaca uma ação de

liberdade referente ao município de Barra Mansa do ano de 1869. Mattos descobre que o juiz ao proferir sua sentença considerou livre apenas os cativos diretamente alforriados e seus filhos nascidos após o cumprimento da condição e que a Relação do Rio de Janeiro em segunda e última instâncias libertou também os filhos dos libertos nascidos entre a data da carta da alforria e a morte do senhor (MATTOS, 1998, p.182).

294 Ver, por exemplo, as obras: FLORENTINO, Manolo. A paz das senzalas (famílias escravas e tráfico

atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1850). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997; SLENES, Robert Wayne. Na senzala, uma flor – esperanças e recordações na formação da família escrava: Brasil Sudeste, século XIX. 2ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2011. 302 p.

juntamente com o seu terceiro marido, não registraram Joana e seus filhos como escravos, todavia, os herdeiros do primeiro casamento de dona Emericiana com o senhor Antonio Barbosa de Carvalho apareceram para requerer seus direitos e, em consequência disso, tentaram reduzir novamente à escravidão a liberta Joana juntamente com toda a sua família.

O terceiro marido da falecida senhora, Antonio Maria de Araújo, inicialmente não concordou com a atitude dos herdeiros, no entanto, logo depois de perceber, que poderiam tirar vantagens com a venda da liberta como escrava juntamente com sua família, passou a afirmar que Joana e seus filhos eram cativos, aceitando que os herdeiros os castigassem. Quando o juiz de órfão tomou conhecimento do que vinha acontecendo, em 1855, ordenou que a família de Joana fosse depositada para que o fato fosse investigado devido à escrava sofrer violência, pois era açoitada quase sempre por seus supostos proprietários. Entretanto, no relatório do chefe de polícia para o presidente da Província, em 10 de fevereiro de 1863, aquele afirmava que nada sabia sobre o resultado do caso de Joana.295

Logo em seguida, no dia 11 de fevereiro do mesmo ano, o chefe de polícia da Província na época, o senhor Gervázio Campelo Pires Ferreira, tratando sobre o caso, enviava um ofício ao tabelião da cidade de Oeiras, Antonio Manoel de Freitas Fragoso, solicitando os documentos comprobatórios da liberdade de Joana, como segue:

Me remetta copia da carta de liberdade de Joanna de Barros, que foi escrava de Emericiana de Barros, e me declare se essa liberta já foi ou não ahi depozitada com seos filhos Joanna de Barros, Manoel, Vicente, Maria, Manoel 2º e Florêncio para tratarem de sua liberdade, que fim levou o depozito, ou em que estado isto se acha; convenho dizer-lhe que a carta de liberdade de que se trata foi passada em 1821; o que cumpra com urgência, declarando se soube onde existem prezentemente a liberta e seos filhos.296

Como foi indicado acima, a carta de liberdade foi recebida no ano de 1821. Acreditamos que a carta de alforria era condicional, ou seja, a condição seria a morte da senhora Emericiana de Barros, já que os filhos reivindicavam a posse da escrava e toda a sua família. Já se passavam mais de 31 anos de concessão da carta e Joana aguardava ansiosamente por sua liberdade, provavelmente, não imaginava que sofreria juntamente com seus filhos a ameaça de reescravização, pois acreditava que iria se tornar completamente livre. A partir da idade dos filhos de Joana, acreditamos que alguns poderiam ter nascido no período

295 APEPI. Sala do Poder Executivo. Correspondências com autoridades. 1861-1867. Código: 724. Estante: 06.

Prateleira: 03.

296 APEPI. Sala do Poder Executivo. Correspondências com autoridades. 1861-1867. Código: 724. Estante: 06.

no qual Joana estava ainda cumprindo a condição. Dessa forma, concluímos que para a maioria dos senhores, os filhos de escravas nascidos nesse período também eram considerados escravos. Portanto, a liberdade não era um dado absoluto.

Outro ponto a ser discutido nessas querelas é o fato de que em todas as questões relacionadas à causa da liberdade, as averiguações acerca disso partiam sempre para a investigação sobre a real condição jurídica do dito liberto. Se eles de fato eram libertos ou escravos fugidos. Se o mesmo estava afirmando a verdade ou não. O suspeito passava a ser, inicialmente, a própria vítima. A busca da carta de alforria era sempre solicitada para tal confirmação. Em alguns casos, as cartas sumiam, pois com a morte do senhor que havia prometido a alforria os herdeiros as escondiam ou muitas vezes já havia se passado muitos anos desde a concessão da carta, como no caso de Joana, e muitas se perderam nos arquivos cartoriais.

Discutindo acerca das ações de liberdade, Sidney Chalhoub em seu livro Visões da Liberdade afirma que

A morte do senhor podia trazer mudanças significativas na vida de um escravo, incluindo a possibilidade da alforria. Mais do que um momento de esperança, porém, o falecimento do senhor era para os escravos o início de um período de incerteza, talvez semelhante em alguns aspectos à experiência de ser comprado ou vendido. Eles percebiam a ameaça de se verem separados de familiares e de companheiros de cativeiro, havendo ainda a ansiedade da adaptação ao jugo de um novo senhor, com todo um cortejo desconhecido de caprichos e vontades. Os escravos ficavam preocupados em garantir os direitos adquiridos por doação do senhor, mas frequentemente encontravam a oposição de herdeiros decididos a impedir qualquer subtração ao seu legado – mesmo que para isso tivessem de dar sumiço em testamentos e cartas de alforria.297

Situação análoga a essa acima retratada por Sidney Chalhoub também foi vivenciada no Piauí, como tivemos a oportunidade de observar na narrativa acerca da trajetória de Joana. O que poderia ter sido um alívio, início de uma nova vida numa nova condição, transformou-

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