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Os Repertórios Interpretativos e As Representações

CAPÍTULO 1: FIRMANDO OS PASSOS

1.4 Os Repertórios Interpretativos e As Representações

As representações dos alunos sobre a produção escrita nas interfaces papel e blog, e as minhas interpretações, como professora/pesquisadora, serão parte integrante e essencial deste trabalho.

Visto que o conceito de representação traz à tona vários enfoques e discussões teóricas que visam esclarecê-lo, necessário se faz colocar que, nesse trabalho estarei contrastando as visões de Moscovic (1961) e Freire e Lessa (2003).

Reformulando o conceito de representações coletivas de Durkhein (1898), surge, a partir do trabalho de Moscovic (1961), o conceito de representações sociais.

Segundo Moscovic (1961:66) as representações sociais são “um universo de opiniões próprias de uma cultura, uma classe social ou um grupo, relativas aos objetos do ambiente social”. O autor afirma que as representações são sociais, porque são humanas, pois todas as interações humanas, surjam elas entre duas pessoas ou entre dois grupos, pressupõem representações, é isso que as caracteriza (Moscovic, 2003:40).

O papel das representações sociais, para Moscovic (2003:20), é dar significados ao processo pelo qual o sentido de objetos e/ou pessoas são construídos pelo e para o homem. Em outras palavras, é fazer com o que seja não familiar se torne familiar. Ao familiarizar o não-familiar, o homem consegue dar mais significado ao mundo, pois esse se torna compreensível.

A representação social, de acordo com Moscovic (1984:44), toma como ponto de partida, a diversidade de indivíduos, de atitudes e fenômenos, em toda a sua estranheza e imprevisibilidade. Seu objetivo é descobrir como os indivíduos e grupos constroem um mundo estável e previsível sob tal diversidade; é mostrar as significações atribuídas a algo por alguém; é mostrar a visão sobre algo em um determinado contexto, envolvendo julgamentos, rotinas, valores e regras; é envolver os outros em um processo dinâmico e social; é influenciar e ser influenciado.

Dois processos básicos são propostos por Moscovic (2003:61) na caracterização da formação de uma representação social: a ancoragem e a objetivação. O objetivo maior da representação, é a ancoragem, ou seja, a classificação do que ainda não foi classificado, de forma que o que era novo passa a ser integrante do sistema que relaciona o indivíduo ao mundo. A objetivação é a concretização do ato de pensamento, isto é, a materialização de uma abstração ou um conceito, a cristalização de uma representação.

Esses dois processos reforçam o papel da representação social: o de agir sobre o mundo e sobre os outros.

O autor realça a importância da comunicação entre pessoas na construção de representações sociais compartilhadas por um grupo. Afirma ainda que as representações sociais fornecem significados para os objetos, idéias e conceitos promovendo, assim, inteligibilidade às ações, permitindo que as pessoas possam circular e construir outras representações. Isso tem uma conseqüência para a reconstrução da realidade, pois cada realidade é única e contextualizada. Para Moscovic (2003:90), atribuir significados é, portanto, um processo dinâmico e criativo, por meio do qual estamos, re-fazendo, re-criando representações sociais.

O conceito de representações sociais vem sendo discutido “há cerda de 30 anos” (Jovchelovitch 2002:63), sendo que uma das questões em discussão refere-se à conotação dada ao termo social.

Essa conotação, para Potter e Wetherell (1987), apresenta três sentidos específicos, relacionados à origem, instrumento e crivo sociais.

Abordando tal aspecto e apontando Medrado (1998), Freire e Lessa (2003) argumentam que:

... as representações têm origem social, porque resultam de interações sociais e dos processos comunicativos nelas contidos; são instrumentos sociais, pois permitem que os indivíduos compartilhem de um conjunto de códigos que geram entendimento mútuo e garantem a continuidade do processo interativo; e atuam como crivo social, porque permitem a distinção entre grupos sociais, com base nos códigos por eles compartilhados (p.172).

Potter e Wetherell (1987), Medrado (1988) e Freire e Lessa (2003) criticam o conceito de representações sociais pois, a conotação dada ao termo social por Moscovic, pode indicar uma reciprocidade entre representações sociais e grupo social, ou seja, a idéia de que determinadas representações sociais definem e são definidas por um grupo específico.

Visto que, um indivíduo não pertence, essencialmente, a um único grupo e que, portanto compartilha representações com vários grupos sociais em que

se insere, Freire e Lessa (2003:173) destacam a proposta de Potter e Wetherell (1987:149) de repertórios interpretativos, entendidos como:

...um léxico ou registro de termos e metáforas(...) sistemas de uso recorrente utilizados para caracterizar e avaliar ações, eventos e outros fenômenos. Um repertório (...) é constituído através de uma quantidade limitada de termos usados em construções estilísticas e gramaticais particulares.

Para Potter e Wetherell (1987:156) seria mais coerente pensar que a conotação atribuída a repertórios, estaria dissociada da de grupo e da de social, visto que, os repertórios estariam à disposição do indivíduo, para serem utilizados em qualquer grupo ou grupos sociais nos quais ele se insira. Esse indivíduo redimensiona diferentes e variados repertórios, para suprir as necessidades, impostas pela multiplicidade de situações com as quais se depara no decorrer de sua vida.

Ifa (2006:50), afirma que os repertórios interpretativos compreendem os componentes lingüísticos que utilizamos para expressar significados que atribuímos às ações, às experiências vividas, aos eventos e aos outros fenômenos que estão a nossa volta. Acrescenta que vale ressaltar que os repertórios e as representações não representam a realidade, mas sim, como ela é visualizada por pessoas que a vivenciam, de uma determinada perspectiva.

Freire e Lessa, (2003:174), após destacarem o referencial teórico de Potter e Wetherell (1987) e Medrado (1998), consideram o enfoque conceitual de representações como:

(...) maneiras socialmente construídas de perceber, configurar, negociar, significar, compartilhar e/ou redimensionar fenômenos, mediadas pela linguagem e veiculadas por escolhas lexicais e/ou simbólicas expressivas que dão margem ao reconhecimento de um

repertório que identifica o indivíduo e sua

relação sócio-histórica com o meio, com o outro e consigo mesmo (Freire e Lessa, 2003:174).(grifo das autoras)

Sob tal enfoque conceitual, entendo que as representações dos meus alunos sejam um universo de opiniões, elas não são próprias do grupo e nem relativas aos objetos do ambiente social, visto que, o blog não faz parte do ambiente social desses alunos. Portanto, não posso dizer que a representação dos meus alunos sobre a mudança da interface papel para a interface blog os definiriam como grupo, pois a utilização dessa segunda interface não faz parte do cotidiano do grupo e, sim, chega ao conhecimento deles através do contato com outros grupos.

Todavia, durante a pesquisa, eles foram mediados pela linguagem, percebendo, negociando, significando, compartilhando o fenômeno da produção escrita em língua inglesa nas duas interfaces (papel e blog), passando a construir um repertório que, a partir dessa vivência, os identificará em sua relação consigo mesmo, com o meio e com o outro.

Adotarei neste trabalho o posicionamento de Freire e Lessa (2003:174), por assumir que quando da utilização do conceito de representações estarei me referindo à maneiras socialmente construídas pelas quais os participantes percebem e significam o fenômeno da produção escrita em língua inglesa nas interfaces papel e blog. Essas maneiras socialmente construídas, mediadas pela linguagem, e reveladas por escolhas lexicais, estilísticas e gramaticais própria dos participantes, revelam aspectos de seus repertórios interpretativos que serão utilizados para melhor compreender a utilização do blog na produção escrita em língua inglesa.

Refletindo sobre os objetivo traçados para este trabalho, concluo que é fundamental caracterizar os repertórios e através deles identificar as representações dos alunos , compreendendo como eles descrevem e interpretam a produção escrita em língua inglesa nas duas interfaces propostas.

Os textos produzidos pelos alunos que permitirão a investigação dos repertórios e, por conseguinte, das representações serão coletados em períodos voltados à reflexão. O processo utilizado na busca por uma prática reflexiva e por compreender a natureza do fenômeno foco desta investigação é o que passo a descrever no capítulo seguinte.