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Os roteiros seculares

No documento haudreygerminianicalvelli (páginas 40-43)

CAPÍTULO I: PEREGRINAÇÃO E TURISMO RELIGIOSO

1.5. Os roteiros seculares

Na sociedade moderna e contemporânea, o fenômeno da peregrinação parece apresentar uma elasticidade, e os deslocamentos aí produzidos vêm abarcando uma variedade de significados. Não são somente as motivações religiosas que são capazes de impulsionar aqueles que pretendem realizar uma viagem, traduzindo-se em experiências pessoais que transcendem os significados “tradicionais” das peregrinações. Assim, esses deslocamentos vêm sendo reinterpretados, problematizando as tradições religiosas à medida que se observa o incremento da reflexidade também nesse contexto.

Tanto as peregrinações tradicionais e religiosas como as “seculares”18 fazem, dessa forma, sucesso entre os indivíduos da sociedade contemporânea. Os locais seculares alvos de peregrinações, como túmulos de artistas, poetas e cantores, antigas residências de personalidades importantes, atraem admiradores e fãs, assim como os lugares onde foram filmadas cenas de filmes de Hollywood19 atraem cinéfilos, podendo ser considerados símbolos capazes de acionar experiências religiosas no contexto da sociedade contemporânea. Na Europa, antigas igrejas há muito tempo em ruínas, lares de escritores e cientistas importantes e, até mesmo, as câmeras de tortura em São Petersburgo e em Phonom Pehn estão sendo restauradas e divulgadas para atrair peregrinos (COSSINEAU, 1999).

Túmulos de cantores famosos como Jim Morison, vocalista da banda norte- americana The Doors, localizado em Paris, são tidos como locais capazes de inspirar longas viagens. Outro exemplo também marcante é a imagem grafitada de John Lennon, em Praga, República Theca, transformada em sacrário popular, com oferendas de incensos e velas, atraindo pessoas de todas as partes do mundo para prestar em homenagem a esse ídolo da música (COUSSINAU, 1999, p. 221).

Existem peregrinos que buscam na literatura de grandes escritores a inspiração para o empreendimento de uma jornada. Nos EUA, os peregrinos literatos seguem os passos dos

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Segundo Steil (2003, p.32) a religião na sociedade contemporânea tornou-se também uma experiência mística interior, uma vez que seus mediadores não necessitam de uma investidura sagrada institucional adquirida no âmbito de uma comunidade de crenças e valores. Os mediadores apenas criam as possibilidades e disponibilizam os recursos simbólicos para cada um realizar o seu próprio caminho.

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Como exemplo de lugares imortalizados por Hollywood, Cosineau (1999) citou as pontes cobertas no condado de Madison, em Wisconsin (EUA), que atraem cinéfilos que cultuam o filme “As Pontes de Madison”, com Clint Eastwood e Meryl Streep.

poetas da geração Beats20, em Greenwich Village, inspirados, principalmente, pelo livro On the road, de Jack kerouac.

Na França, escritores e poetas percorrem os lugares visitados por escritores e poetas clássicos da literatura francesa, como os locais freqüentados por Henry Miller, em Paris. Uma das finalidades dos peregrinos literatos é ler sobre o local estando lá, atribuindo, assim, um significado especial à viagem. O sentido de estar pisando o chão onde coisas de grande importância cultural ocorreram, mesmo que na ficção, atribui significado sagrado àqueles que trilham caminhos que outros percorreram, tornando-os participantes, de certa forma, de tudo o que ocorreu naquele lugar (ROBINSON, 1995).

As antigas residências de personalidades também são pontos de chegadas de longas “peregrinações”. Como exemplo, pode-se citar a casa onde viveu o naturalista inglês Charles Darwin nos arredores de Londres. Segundo o documentário “Grandes Gênios”, exibido pela GNT, desde sua morte a casa de Darwin sempre atraiu cientistas e admiradores de todo o mundo, que empreendiam longas viagens para realizar o desejo de conhecer o local onde ele elaborou sua teoria sobre a evolução das espécies. Assim, sua casa onde viveu e trabalhou pode ser considerada para muitos uma espécie de “local sagrado” da ciência.

Uma outra modalidade de peregrinação que ganha cada vez mais adeptos na sociedade contemporânea é a peregrinação virtual. Através da internet pode-se realizar peregrinações, por exemplo, à Terra Santa e a Santiago de Compostela, seguindo um itinerário repleto de fotos destes lugares acompanhado de um texto explicativo. São várias as opções encontradas na rede: desde os lugares que são considerados como centros religiosos até lugares procurados pela beleza natural, pela importância cultural e ainda pela excentricidade.

Pode-se dizer que os “roteiros seculares” enfatizam a experiência da viagem como valor central, sugerindo uma nova “experiência religiosa” capaz de construir sentidos que ainda não estão dados, mas que podem ser encontrados em locais diversos. Como sugere Cousinau, ao destacar a desterritorização das peregrinações “seculares”, “todo lugar tem um quarto secreto. Você mesmo precisa achá-lo, seja numa pequena capela, num bar escondido, num parque silencioso, na casa de um novo amigo, num banco junto a um vitral que a luz da manhã atravessa”, ou ainda, continua o autor, “não há um caminho, apenas o seu caminho” (1999:149).

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A geração “Beat” foi um movimento cultural e literário que surgiu quase que simultaneamente na costa leste e oeste dos EUA. Participavam desse movimento escritores e poetas que proclamavam a liberdade de todas as restrições (WILLER, 2004).

Observa-se, portanto, que o revival das peregrinações, nos dias atuais, tem levado à construção de itinerários utilizados também para a experiência religiosa, na medida que parecem necessitar de um “pouso” para que se exteriorize21

. Os caminhos, no entanto, são elaborados como produtos turísticos, acionando diversos recursos culturais, capazes de suscitar experiências variadas.

21 Devo essa observação as idéias apresentadas por Carlos Steil no Seminário temático Peregrinações e turismo

No documento haudreygerminianicalvelli (páginas 40-43)

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