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3. SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE NA FRONTEIRA: CENÁRIO E AÇÃO PROFISSIONAL NA ATENÇÃO INTEGRAL ÀS NECESSIDADES DE SAÚDE DOS

3.3. OS RUMOS ÉTICO-POLÍTICO DA AÇÃO PROFISSIONAL NO CAMPO DA SAÚDE

O debate sobre a intervenção profissional do assistente social, no âmbito da saúde, não deve estar deslocado do contexto macrossocietário e das inúmeras proposições e reflexões que constituem o acervo intelectual da categoria profissional nas obras de Netto (1990; 2005), Iamamoto (1999; 2006), Bravo e Matos (2001; 2004; 2006), Nogueira (2002), Nogueira e Mioto (2006), Mioto (2001), Raichelis (2004) e Vasconcelos (2002) e Costa (2000).

Fundamentando-se nessas produções, constata-se, conforme afirmado anteriormente que, no Brasil, a inserção do Serviço Social na área da saúde deu-se no início da década de 1940, considerando-se que a emergência de algumas escolas foi motivada por demandas do setor (BRAVO E MATOS, 2004).

A intervenção profissional naquele contexto concentrava-se na assistência médico- hospitalar embasada nos moldes europeus, no período denominado pós-guerra, face às exigências internacionais de aprofundamento do capitalismo no Brasil.

O marco desta mudança de influência situa-se no Congresso Interamericano de Serviço Social realizado em 1941 em Atlantic City (EUA). Posteriormente, foram criados diversos mecanismos de interação mais efetivos, como o oferecimento de bolsa aos profissionais brasileiros e a criação de entidades. Os assistentes sociais brasileiros começaram a defender que o ensino e a profissão nos Estados Unidos haviam atingido um grau mais elevado de sistematização (BRAVO e MATOS, 2004, p. 28).

Assim, a influência européia foi substituída pela norte-americana, reordenando a intervenção profissional do assistente social, substituindo o julgamento moral característico da atuação junto a população-cliente por análises de cunho psicológico. Um outro fator a ser considerado, na expansão da ação profissional do assistente social no interior da saúde, naquele momento, foi o reconhecimento dos aspectos biopsicossociais do conceito de saúde introduzido pela OMS em 1948. As inovações trazidas por esse conceito ampliaram as práticas na área da saúde, enfatizando a intervenção multidisciplinar que permitia suprir a falta de profissionais e ampliar as abordagens em saúde por meio de ações preventivas e educativas, entre outras proposições (BRAVO e MATOS, 2004).

Constata-se, à época, que a intervenção profissional incidia diretamente na vida dos sujeitos e das famílias através de uma abordagem educativa centrada, principalmente, em aspectos relacionados às condições de higienização. As ações profissionais materializavam-se por meio de plantões, triagens, seleção, encaminhamentos. Não havia qualquer vinculação das transformações societárias com as desigualdades sociais.

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A adoção da medicina “integral” e “preventiva” nos anos 1950, e “comunitária” nos anos 1960, no contexto das propostas racionalizadoras para o setor da saúde, não alterou as formas de vinculação e intervenção do Serviço Social na área da saúde. Os assistentes Sociais, em sua maioria no campo médico hospitalar, privilegiavam cada vez mais o atendimento individual ou Serviço Social de Casos, através do qual buscavam a adesão dos “clientes ao tratamento” (BRAVO e MATOS, 2004).

As transformações do Serviço Social, na primeira metade dos anos 1960, com a emergência do Movimento de Reconceituação, caracterizado pela crítica e autocrítica da profissão, com intensos questionamentos acerca do pensamento conservador fortemente presente no interior da profissão, a categoria viu-se dividida em três direções distintas na busca por seu reordenamento: Modernização Conservadora, Reatualização do Conservadorismo e Projeto de Intenção de Ruptura (NETTO, 2001).

No contexto da saúde, estas transformações, através da modernização conservadora, reiteravam o agir profissional com práticas baseadas na assistência curativa através de intervenções burocratizadas, psicologizadas, mantendo e dissociando o processo saúde- doença do quadro macrossocietário.

Na década de 1970, observa-se, no interior da profissão de Serviço Social, um intenso amadurecimento da perspectiva denominada de Intenção de Ruptura, cuja base de sustentação está vinculada à tradição marxista. Esta direção busca associar o exercício profissional aos processos socioeconômicos enquanto condição e parte integrante da intervenção profissional.

Assim é que Faleiros procura fundar o projeto de ruptura nos domínios do fazer profissional a partir de uma análise das conexões entre dinâmica social e dinâmica institucional e das correlações de força, oferecendo fecundas indicações prático- operativas; e ao mesmo tempo, enfoca, de um ponto de vista analítico, problemáticas socioeconômicas que engendram os espaços sócio-ocupacionais para intervenção profissional, buscando além de determinações teóricas encontrar referencias criticas para a prática cotidiana dos assistentes sociais (NETTO, 2001, p.273).

Embora este momento represente avanços significativos para a profissão, tanto no plano teórico quanto no metodológico, por demarcar e sedimentar as bases do projeto ético- político que, na década de 1980, se tornaria hegemônico na profissão, no contexto da saúde tais ganhos não qualificaram substantivamente a prática dos assistentes sociais. Estes continuaram desvinculados do Projeto da Reforma Sanitária, fortalecendo ações de caráter eminentemente curativo.

Nos anos 1990, o Serviço Social ainda mantém uma intervenção tímida e não inovadora na área da saúde, mesmo apresentando os princípios ético-político em consonância

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com os princípios do SUS, embora esta área continuasse sendo a que mais incorporava os profissionais.

O tratamento da prática profissional, em qualquer campo, está permeado por problemas de naturezas diversas que tornam o seu debate um verdadeiro desafio para aqueles que se propõem realizá-lo. Apesar dos inúmeros questionamentos que pairam sobre as possibilidades de responder a esse desafio, reafirma-se que o Serviço Social tem um conhecimento acumulado que o habilita a concretizar as ações demandadas na perspectiva da promoção à saúde, desde que se inscrevam de forma sistematizada e articulada aos marcos teóricos em curso (NOGUEIRA E MIOTO, 2006, p.9).

Tal situação se explica à medida em que houve uma preocupação com a qualificação interna da profissão no plano teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo. Se, de um lado, esta preocupação desvinculou-a da luta pela reforma sanitária, de outro, na maioridade intelectual, com um acervo teórico consolidado e já conquistado, apresentava as condições para propiciar esta articulação oferecendo significativas contribuições para ampliar a garantia do direito à saúde. O projeto de reforma sanitária, ao reconhecer a saúde como produto social, portanto, resultante de um conjunto de direitos, aponta a necessidade de uma nova cultura nas intervenções, abrindo espaço para os assistentes sociais reverem e alterarem a sua vinculação neste campo.

Desta forma, observa-se que, desde o final dos anos 1990, os assistentes sociais não têm medido esforços para a superação do atraso histórico de inserção e contribuição no fortalecimento do projeto de reforma sanitária e, conseqüentemente, da saúde enquanto um direito público universal. Tal possibilidade tem se alargado à medida que os defensores deste projeto vêm lutando incansavelmente para materializar o art.198 da Constituição Federal de 1988, que anuncia a integralidade, a descentralização e a participação da comunidade com as diretrizes do Sistema Único de Saúde brasileiro.

Essas diretrizes, em especial a integralidade, têm se colocado como um terreno fértil para a sedimentação da ação do assistente social na área da saúde. Isto porque a garantia da atenção integral requer uma apreensão dos fatores condicionantes e determinantes dos “estados de saúde”, ou seja, traz para o cenário a discussão dos determinantes sociais que influenciam o processo saúde/doença.

A integralidade pressupõe a superação das ações fragmentadas, com o reconhecimento de que os sujeitos sociais que buscam a satisfação de suas necessidades de saúde devem ser vistos a partir do contexto no qual se encontram inseridos e de suas vinculações com o cenário social mais amplo. Isto equivale a dizer que a integralidade requer uma intervenção

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profissional levando em consideração os aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos que perpassam a vida social.

Com base no exposto, entende-se que a integralidade na atenção à saúde requer uma intervenção sistemática nas expressões da questão social, base de fundação do Serviço Social. Entendendo-se, também, que a questão social se expressa no conjunto de desigualdades sociais, seja na educação, habitação, assistência, previdência, renda, etc, que influenciam diretamente os “estados de saúde”.

Desta forma as ações profissionais, no campo da saúde, pautadas na integralidade têm se destacado por apreender as demandas dos usuários como demandas contextualizadas e historicamente situadas, ou seja, como uma construção social, que só pode ser encaminhada via compreensão e interpretação das tensões e contradições nas quais se inscrevem as intervenções profissionais.

Portanto, as condições de trabalho e relações sociais em que se inscreve o assistente social articulam um conjunto de mediações que interferem no processamento da ação e nos resultados, individual ou coletivamente, projetados, pois a historia é o resultado de inúmeras vontades projetadas em diferentes direções que tem múltiplas influências sobre a vida social (IAMAMOTO, 2006, p.23).

Considera-se, a partir do exposto, que ações profissionais no âmbito da saúde apoiadas em um sólido rigor teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo e que dêem consistência argumentativa aos encaminhamentos propostos, poderão ampliar a fruição do direito à saúde. Sem esses requisitos a profissão não conseguiria superar o seu atraso neste campo e nem compreender que as condições de trabalho e relações sociais em meio às quais se dá a intervenção profissional são indissociáveis das transformações societárias que, no âmbito da saúde, repõem a hegemonia do modelo médico privatista.

É necessário pensar e realizar intervenções profissionais que expressem a defesa e o asseguramento do direito à saúde, dotado de uma legitimidade técnica, ética e política reafirmando a universalidade e a integralidade como pilares fundantes de uma política de saúde, de fato, pública. Tais ações somente poderão ser construídas e efetivadas na tensa dinâmica da vida social vivenciada pelos sujeitos individuais e coletivos.

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3.4. ATENÇÃO INTEGRAL E DILEMAS DA AÇÃO PROFISSIONAL NA REGIÃO DE