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2.1 A formação continuada e a prática docente

2.1.2 As contribuições da formação continuada para a prática do professor: saberes

2.1.2.1 Os saberes docentes e a formação continuada do professor

As pesquisas sobre a formação de professores e os saberes docentes surgem com marca da produção intelectual internacional, com o desenvolvimento de estudos que utilizam uma abordagem téorico-metodológica que dá a voz ao professor, a partir da análise de trajetórias, histórias de vida e outros aspectos que envolvam o cotidiano docente. Segundo Nóvoa (1995), esta nova abordagem veio em oposição aos estudos anteriores que acabavam por reduzir a profissão docente a um conjunto de competências e técnicas, gerando uma crise de identidade dos professores em decorrência de uma separação entre o eu profissional e o eu pessoal. Essa virada nas investigações passou a ter o professor como foco central em estudos e debates, considerando o quanto o “modo de vida” pessoal acaba por interferir no aspecto profissional. Acrescenta ainda o autor que esse movimento surgiu “num universo pedagógico, num amálgama de vontades de produzir outro tipo de conhecimento, mais próximo das realidades educativas e do quotidiano dos professores” (NÓVOA, 1995, p. 19).

Um dos autores que também analisa a questão dos saberes profissionais e a sua relação na problemática da profissionalização do ensino e da formação de professores é Maurice Tardif. A primeira produção desse autor publicada no Brasil ocorreu em 1991, por meio de um artigo na Revista Teoria & Educação em parceria com Lessard e Lahaye. O artigo apresenta considerações gerais sobre a situação dos docentes em relação aos saberes, buscando identificar e definir os diferentes saberes presentes na prática docente, bem como as relações estabelecidas entre eles e os professores.

Tendo como referência os ensaios desenvolvidos em sua pesquisa, Tardif (2002) identificou seis fios condutores que fundamentam o saber do professor, e a partir destes define o saber docente “[...] como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais” (p. 36). Nessa perspectiva, os saberes profissionais dos professores são temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados, e carregam as marcas do ser humano.

Nos ensaios do Tardif (2002) observa-se uma valorização da pluralidade e a heterogeneidade do saber docente, destacando-se a importância dos saberes da experiência. Também apresentam algumas características dos saberes profissionais segundo a definição de “epistemologia da prática profissional dos professores”, compreendida como o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas.

Considerando que esses saberes são provenientes de diferentes fontes e que os professores estabelecem diferentes relações com eles, tipologicamente Tardif (2002) os classifica em: saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica), compreendido como o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores; saberes disciplinares, correspondentes aos diversos campos do conhecimento sob a forma de disciplina - são saberes sociais definidos e selecionados pela instituição universitária e incorporados na prática docente; saberes curriculares, que correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita; e, por fim, os saberes experienciais, que são aqueles saberes que brotam da experiência e são por ela validados, incorporando experiência individual e coletiva sob a forma de hábitos e de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser.

Neste contexto, as pesquisas sobre a formação e os saberes docentes surgem com característica da produção intelectual internacional, com o desenvolvimento de estudos que utilizam um enfoque téorico-metodológico que dá a voz ao professor, a partir da análise de trajetórias, histórias de vida etc. Esta nova abordagem veio, segundo Nóvoa (1995), em oposição aos estudos anteriores que acabavam por restringir a profissão docente a um conjunto de competências e técnicas, causando uma crise de identidade dos professores em decorrência de uma separação entre o eu profissional e o eu pessoal.

No entendimento de Tardif (2002) e Nóvoa (1995), essa reflexão nos remete a uma característica básica, num processo de formação de professores, característica

essa em que o professor possa ser visto como o sujeito de sua prática, como foco central em estudos e debates.

Essa mudança de paradigma nas investigações se deu de acordo com Nóvoa (1995), ao se constatar o quanto o “modo de vida” pessoal acaba por interferir no perfil profissional. Acrescenta ainda o autor que essa nova concepção surgiu “num universo pedagógico, num amálgama de vontades de produzir outro tipo de conhecimento, mais próximo das realidades educativas e do quotidiano dos professores” (NÓVOA, 1995, p. 19).

Para Nunes (2001), a reformulação da concepção da formação dos professores, que até pouco tempo tinha como foco a capacitação destes, através da transmissão do conhecimento, para que os mesmos “aprendessem” a atuar eficientemente na sala de aula, vem sendo substituída pela abordagem cuja ideia é analisar e refletir sobre a prática que este professor vem desenvolvendo, ressaltando a temática dos saberes docentes, buscando assim uma base de conhecimento para os professores, considerando os saberes da experiência.

A autora prossegue avaliando que este campo de pesquisa, sobre o profissional docente e sua prática ainda é novo na realidade brasileira, e por isso necessita de estudos empíricos que venham responder às questões do tipo:

[...] como são transformados os saberes teóricos em saberes práticos? Existe um “conhecimento de base” a ser considerado na formação do professor? Como é constituído o saber da experiência? Teria ele uma maior “relevância” sobre os demais saberes? (NUNES, 2001, p. 39).

Ela ressalta que a busca por respostas a essas questões, entre outras, referentes à ação pedagógica e aos seus saberes, certamente fornecerá subsídios para o desenvolvimento de políticas voltadas para a formação e profissionalização do professor.

Outra referência teórica que traz grande contribuição para o estudo sobre os saberes docentes é Candau (1997). Para a autora:

A formação continuada não pode ser concebida como um processo de acumulação (de cursos, palestras, seminários etc., de conhecimentos ou de técnicas), mas sim como trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de

(re)construção permanente de uma identidade pessoal e profissional, em interação mútua. E é nessa perspectiva que a renovação da formação continuada vem procurando caminhos novos de desenvolvimento (CANDAU, 1997, p.64).

De acordo com Candau (1997), existem três elementos basilares para o processo de formação continuada de professores: a valorização do saber docente; o ciclo de vida dos professores; e a escola, como lócus privilegiado de formação. Segundo ela, significa então, que a formação continuada deve: primeiro, partir das verdadeiras necessidades do cotidiano escolar do professor; segundo, considerar o saber docente, ou melhor, o saber curricular e/ou disciplinar, mais o saber da experiência; e por fim, valorizar e resgatar o saber docente construído nas vivências da sala de aula (teoria e prática).

Para explicar o primeiro aspecto abordado, que se refere à valorização do saber docente, a autora se apoia em Tardif, (2002), que destaca a importância fundamental de se levar em consideração os saberes experienciais dos professores:

O que caracteriza os saberes práticos ou experienciais, de modo geral, é o fato de se originarem da prática cotidiana da profissão e serem por ela válidos [...]. Os saberes adquiridos da experiência profissional constituem os fundamentos de sua competência. É a partir deles que os professores julgam sua formação anterior ou sua formação ao longo da carreira. (TARDIF, 2002, p.48).

Nesta mesma direção, Candau (1997) afirma que esses saberes advindos da experiência são extremamente importantes na profissão do professor e, apoiada nas contribuições de Nóvoa (1992a) e Zeichner (1995), a autora ressalta que esses saberes nascem no trabalho diário e no conhecimento do seu ambiente, sendo, portanto, conhecimentos que se originam da experiência e são por ela legitimados.

O segundo aspecto mencionado por Candau (1997, p.61), ao discorrer sobre os processos de formação continuada dos professores, é o que [...] “centra sua reflexão sobre o ciclo de vida profissional de professores”. Para melhor esclarecer, a autora recorre aos estudos de Huberman, que apresenta cinco etapas básicas presentes na vida do profissional docente, porém as mesmas não são lineares, nem estáticas. A primeira etapa deste ciclo é a que tem seu início na entrada na carreira, fase que caracteriza como de „sobrevivência e descoberta‟; a segunda etapa é a fase da

estabilização, período de identificação profissional e segurança; a terceira é a fase da diversificação, momento de experimentação, de questionamento e buscas constantes; a quarta etapa denomina-se fase da serenidade, período caracterizado pela distância afetiva e/ou conservadorismo e lamentações, e por fim, a quinta fase, momento de recuo e interiorização, desinvestimento, características do final da carreira profissional docente (CANDAU, 1997, p.63).

Candau (1997) ressalta, ainda, que o ciclo profissional docente configurasse-se em um processo “complexo e heterogêneo”. Sendo assim, devemos ter consciência de que os problemas, as necessidades, e as expectativas presentes no início da carreira dos professores não serão os mesmos no final da carreira. Portanto, de acordo com Candau (1997, p.64):

Esta preocupação com o ciclo de vida profissional dos professores apresenta para a formação continuada o desafio de romper com modelos padronizados e a criação de sistemas diferenciados que permitam aos professores explorar e trabalhar os diferentes momentos de seu desenvolvimento profissional de acordo com suas necessidades específicas.

O terceiro e último aspecto concebe a escola como lugar privilegiado para que formação se realize, já que é na escola que o professor coloca em prática os conhecimentos e aprendizagens adquiridos na formação inicial, além de compartilhar experiências com os colegas. Para Candau (1997), a realização da formação continuada no ambiente escolar, com ênfase na socialização de experiências e reflexão sobre a prática, permite aos professores adquirirem uma intencionalidade política perante o seu desenvolvimento profissional, fazendo com que se percebam em constante transformação e construção de sua própria identidade.

Ainda sobre a importância da escola como lócus da formação continuada, Candau (1997) destaca que ação pedagógica deve ser refletida e debatida, ressaltando a importância de o professor se apropriar e compreender os fundamentos epistemológicos da sua prática. Logo, é necessário cautela ao se afirmar que o fazer pedagógico está articulado somente ao cotidiano imediato, no sentido pragmático, desvinculado dos pressupostos teóricos que colaborem para fundamentar uma nova ação.

Em suma, a autora ressalta que a formação continuada passa a ser um dos instrumentos necessários para a transformação do professor e de sua prática, visto que é através do estudo, da reflexão, da pesquisa, da troca de experiência que a mudança é possível. Deste modo, a prática docente crítica reflexiva, reveste-se de um movimento, dialético, dinâmico entre o fazer e o pensar sobre o fazer.

Na próxima subseção dialogaremos sobre a prática pedagógica reflexiva, em que, segundo a visão dos autores citados, a prática docente deve levar em consideração aspectos políticos e sociais.