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2 A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA E A OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA PÓS-

2.2 OS SUJEITOS DA QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA

O panorama da situação apresentada na seção anterior teve a função de demonstrar como milhões de pessoas foram deslocadas do meio rural para as cidades e regiões de fronteira agrícola ao longo do último século. Nenhuma situação de conflito foi abordada diretamente, mas as transformações ocorridas no campo foram permeadas de violência, assassinatos, expulsões e expropriações. Não se trata apenas de agressão física, mas também social; enfim, da exclusão que amplos setores da sociedade brasileira sofreram durante todo esse tempo. O abandono que o Estado relegou a essas pessoas foi respondido pela organização desses setores em sindicatos, movimentos sociais e nas mais variadas formas de resistência ou de lutas por garantia de seus direitos.

As discussões sobre a questão agrária no Brasil datam da segunda metade do século XIX. Porém, como vimos anteriormente, foi a partir das mudanças ocorridas

durante e após a era Vargas que o país iniciou um debate mais profundo. São vários os fatores que podem ser relacionados com a preocupação com essa questão: pode-se mencionar o momento político que a nação vivia; o surgimento de partidos políticos; os debates sobre o desenvolvimento econômico; o surgimento das universidades e a preocupação da academia com o desenvolvimento do país. Porém, surgiam nos anos de 1950 os primeiros movimentos e lutas sociais em defesa de terra para trabalho, assim busca-se apresentar, de maneira sucinta, como esses sujeitos partindo da organização popular colocaram definitivamente a questão agrária na agenda política.

Então, diante da emergência da modernização conservadora, construção possível com uma intensa integração de capitais agrário, industrial e financeiro, a agricultura brasileira assumiu novas formas de acumulação. O Estado brasileiro adotou novo papel e desenvolveu políticas públicas que ao mesmo tempo reprimiu conflitos sociais, induziu e regulou o processo de modernização, atendendo os interesses da burguesia nacional, não cedendo às pressões populares, conforme nota Gehlen (2004, p. 100):

A burguesia brasileira se recusou a desempenhar o papel de produzir um projeto e executar essa reforma, desdenhando essa responsabilidade e não assumindo, enquanto classe social, essa questão como sendo central entre as demandas do povo brasileiro.

No caso específico do Brasil, a burguesia optou por uma aliança com setores arcaicos, em detrimento a uma vinculação com operários ou com setores populares. Se esse fato não chegou a impedir a modernização do país, a atitude da burguesia nacional foi responsável pelo fato da sociedade brasileira ser marcada por uma forte divisão social.

Favareto (2006) aponta a criação, em 1975, da Comissão Pastoral da Terra, como um impulso fundamental para a ampliação da ação da igreja no meio rural. Tendo por objetivo interligar, assessorar e dinamizar os que trabalham em favor dos homens sem- terra e dos trabalhadores rurais, a CPT passou a se fazer presente nas áreas de conflito, com os agentes pastorais, tornando-se parte da própria comunidade.

Ainda no final dos anos de 1950 surgiram as Ligas Camponesas, que marcaram a história do país, pois permitiram que os homens do campo tivessem o direito à voz e alcançassem o acesso à justiça. O movimento liderado por Francisco Julião congregou trabalhadores rurais, não necessariamente assalariados, mas que a partir de sua organização e mobilização lutaram para garantir o direito de receber os dias trabalhados nos canaviais os quais seus proprietários se negavam a pagar. Está situação gerou muita

violência, pois os descendentes dos antigos senhores de engenho, não aceitavam a subordinação da Lei e nem serem tratados em situação de igualdade, mesmo que de forma teatralizada nos tribunais, com os miseráveis que ocupavam suas terras. Quando um morador entrava com uma ação contra os proprietários ou servia como testemunha em um processo, era comum receber retaliações, ameaças de morte e constrangimentos (GARCIA, 2003).

Francisco de Oliveira anotou o papel das Ligas Camponesas como de significado importante para a amplificação da política. “As Ligas Camponesas, menos pelo seu real poder de fogo, medido do ponto de vista de travar uma luta armada com os latifundiários (...), deram a fala, o discurso, capaz de reivindicar a reforma agrária e de des-subordinar o campesinato, após longos séculos, da posição de mero apêndice da velha classe dominante latifundiária” (OLIVEIRA, 2000, p. 63). Assim, esse movimento permitiria que o sindicalismo rural ganhasse voz e de alguma maneira desequilibrasse a relação com as classes dominantes.

Nos anos subseqüentes, por conta de toda uma mobilização popular ocorrida, tanto nas cidades quanto no campo, surge o sindicalismo rural. O novo cenário político é predominado por sindicalistas de origem católica ou comunista, mas a luta continuava no sentido da ampliação de direitos trabalhistas para os trabalhadores rurais. Novas organizações foram criadas, entre sindicatos e Federações estaduais, capitaneadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), fundada no ano de 1963.

A CONTAG dirigiu as lutas camponesas dos anos de 1960, mas enfrentou a repressão do regime militar. O Estado autoritário promovia a modernização e a exclusão social. “Reforma agrária, direitos trabalhistas e fim da violência no campo eram, assim, as reivindicações básicas e traziam para o mesmo campo de oposição o latifúndio, o patronato, e os agentes da violência, como as empresas colonizadoras” (FAVARETO, 2006, p. 36).

O regime ditatorial impôs um sistema policial e repressor à sociedade brasileira, militarizou a questão agrária, deixando de tratar essa questão como problema social, (ALMEIDA, 1992; MARTINS, 1985). O processo de modernização seguia sob a ordem dos militares, assim vários projetos de infra-estrutura foram desenvolvidos em todas as regiões do país, atingindo as populações rurais, sem que as mesmas participassem de qualquer tipo de negociação ou das etapas de planejamento, ficando alheias aos seus destinos. Essas intervenções no espaço rural, desconsiderando a vida dos povos que lá

viviam, resultaram em novos movimentos de resistência, como dos atingidos por barragem, indígenas, ambientalistas, agricultores familiares, trabalhadores sem terra e tantos outros (MARTINS, 1993; SCHERER-WARREN, 1993).

Esses novos movimentos sociais mantinham formas de lutas diferenciadas, distanciando-se dos antigos movimentos cuja sustentação se dava nas lutas de classe; os novos movimentos emergiam de uma diversidade cultural que, até então, não eram reconhecidas ou consideradas (SCHERER-WARREN, 1993). Mas de qualquer forma, essas novidades não impediram uma aliança com o chamado novo sindicalismo, que buscava a conquista de direitos trabalhistas e a democratização do país:

Quanto ao projeto político, portanto, desde o início a diversidade de situações encontradas na base social do novo sindicalismo no campo apontava para uma potencial dispersão de temas e frentes de luta. Mas a conjuntura do período, que trouxe em seu desenrolar um enfraquecimento progressivo da ditadura e uma ascensão da crítica social e das forças dela portadoras, propiciou as condições para que essa diversidade fosse amalgamada em uma agenda e em bandeiras de lutas unificadoras que, a um só tempo, faziam sentido para quem vivia e experimentava os conflitos, e traduziam as reivindicações básicas daquele conjunto de segmentos (FAVARETO, 2006, p. 33).

A partir de então, o campo contava com novos sujeitos, unidos pela existência de um interesse comum: a luta pela terra. Com o fim da ditadura militar, os setores populares vislumbravam a possibilidade de avanços sociais, especialmente com o Congresso Constituinte de 1988. Em relação à reforma agrária, várias projetos foram apresentados, inclusive contando com a inclusão no texto final. Porém, uma maior transformação na estrutura política do país, especialmente nas mudanças que atingiriam o latifúndio, foram barradas pela chamada bancada rural, que contou com apoio e articulação da UDR, que tem como objetivo a preservação do direito de propriedade e a manutenção da ordem.

O MST, que também atuou junto com outros movimentos sociais para alcançar uma constituição mais avançada, após a promulgação da atual carta constitucional, aprofundou suas atividades e passou a promover ocupações de terras em todo o país, pressionando o Estado a realizar a reforma agrária. Apesar disso, as políticas públicas para o setor agrário continuaram beneficiando os grandes proprietários em detrimento dos produtores familiares e dos trabalhadores sem terra. Somente com a implementação do Plano Nacional de Reforma Agrária alguns programas de assentamentos rurais foram promovidos.

Recentemente, setores dos movimentos sociais do campo, bem como parte do movimento sindical, mudaram suas bandeiras de lutas, relegando a reforma agrária para um segundo plano e optando por investimentos no que foi conceituado de agricultura

familiar.

Com relação às bandeiras de luta, o novo sindicalismo abandona as antigas – reforma agrária e direitos trabalhistas, ou reforma agrária, política agrícola e direitos trabalhistas – e assume outras – 'um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural, ancorado na expansão e fortalecimento da agricultura familiar', segmento que passa a ser considerado prioritário nessa nova estratégia para o meio rural que o sindicalismo se propõe a construir (FAVARETO, 2006, p. 38).

Essa tendência é percebida com a criação de entidades representativas dos agricultores familiares, que contam inclusive com a simpatia e o apoio do atual governo federal.

(...) em 2004 já existiam federações da agricultura familiar em dez estados. Em julho deste mesmo ano um Encontro Nacional da Agricultura Familiar reuniu aproximadamente 1.500 agricultores de todo o país em Brasília, anunciando a criação de uma Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar, o que ocorreu num congresso realizado em 2005 (...). Todas essas organizações são vinculadas à central e passam a dividir com a CONTAG a representação das categorias de trabalhadores rurais. Além da representatividade expressiva dessa organização, ainda que minoritária em relação à CONTAG, merece destaque a participação enfática do presidente da República na abertura do encontro que levou à sua fundação, assim como a presença de ministros e representantes de outras sete autarquias ou estruturas ministeriais, o que simboliza, de alguma forma, um reconhecimento político por parte do Estado, (FAVARETO, 2006, p. 41).

Mas mesmo com a criação de novas organizações voltadas para a agricultura familiar, mesmo com o apoio de sindicatos e centrais sindicais para essas novas bandeiras, e apesar da aproximação da produção rural de pequena escala ao mercado, da formação de produtores rurais para lidarem com crédito, da implementação de novas tecnologias para esses agricultores e do desenvolvimento de políticas públicas, a exemplo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), vários movimentos sociais, como o MST, continuam lutando pela reforma agrária. No entanto, o mais importante, é perceber que a reforma agrária agora tem o apoio de várias forças políticas. Diante disso, a questão posta nesse momento é saber qual reforma agrária será efetivamente implementada (FAVARETO, 2006).

Até esse ponto, nos voltamos para o exame da atuação dos movimentos sociais representativos de setores populares e para o modo que esses sujeitos construíram instrumentos ou influenciaram para manter a questão agrária e por conseqüência a reforma agrária na agenda política. Para além disso, devemos reconhecer que outros sujeitos foram importantes para que essa questão social permanecesse no cenário político nacional, dentre os quais pode-se apontar parte da burocracia estatal, ligada ao

Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Sobre esse aspecto da questão, são muito significativas as palavras de Plínio de Arruda Sampaio, que funcionarão como uma espécie de encerramento desse tópico:

O Sujeito dessa reforma agrária é aquilo que restou da penetração selvagem, perversa e desordenada do capitalismo no campo brasileiro. São Esses que ficaram, são os imigrantes do Sul que lá criaram um território com transposição da economia camponesa européia para as regiões Sul e que agora estão sendo expulsos, muitos dos quais se dirigindo para a Amazônia e toda a região Oeste do Brasil. São os Expulsos da economia canavieira do Nordeste, são expulsos também aqui de São Paulo, da desorganização do café (SAMPAIO, 2004, p. 332).

Como se percebe, as políticas públicas para reforma agrária têm-se concretizado no Brasil principalmente em virtude das lutas sociais. Ao pressionarem o Estado, os vários movimentos populares que agitam esse cenário têm conquistado espaços que permitem vislumbrar um projeto de sociedade que permita aos homens e mulheres que vivem no meio rural a esperança de conquistarem uma vida digna.

2.3 AS ESPECIFICIDADES DA OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA A PARTIR DOS