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2 INTRODUÇÃO

2.3 OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA

2.3.3 Os sujeitos do Ensino Médio

Os sujeitos que compõem a população do Ensino Médio são entendidos como indivíduos em processo de formação, tendo por base características físicas e psicológicas de uma faixa etária e do papel social que ela representa. Esta perspectiva geracional compreende a juventude como um momento de passagem, de transição, entre a infância e a idade adulta.

Os estudos sobre juventude e educação5, têm sinalizado para a necessidade de se compreender a juventude como categoria histórica e social, considerada em suas múltiplas dimensões. No plural, as juventudes – enquanto categorias históricas e sociais – resultam das condições concretas de vida, condicionadas pelo pertencimento a uma classe social, a uma determinada cultura, a um determinado território, a cor, credo, gênero, enfim, à diversidade de condições com as quais se constroem as identidades. Nesta perspectiva, entende-se que a identidade juvenil não é dada simplesmente pela idade biológica ou psicológica, mas se configura a partir de um processo contínuo de transformação individual e coletiva (CARRANO, 2000).

Esse processo de transformação que resulta, de um lado, do amadurecimento intelectual, físico, psicológico e, de outro, da ampliação das trocas com o ambiente próximo e remoto e suas representações, faz o jovem ser constituinte e constituído pela ordem social em que se insere. A juventude é, assim, parte de um processo mais amplo de constituição de sujeitos; ela detém especificidades, de modo que não é uma mera passagem. Essas especificidades dizem respeito ao sujeito, ao meio social em que este se insere e à qualidade das trocas que este meio proporciona (DAYRELL, 2003).

A identidade juvenil, segundo Carrano (2008), pode ser entendida a partir de três recortes. O primeiro recorte diz respeito ao espaço e este se desdobra em duas dimensões: o espaço dado e o espaço construído. O espaço dado se refere ao que preexiste aos sujeitos, mas que se transforma cotidianamente, como espaço construído pelos jovens, constituindo-se em extensão destes, mesclando identidade e memória do grupo. No segundo recorte, o autor aponta a necessidade do outro para a constituição da identidade do grupo e, no terceiro recorte, a necessidade de expressão das identidades pessoais e do grupo para que estas possam se manter (CARRANO, p., 2008; p.112-113).

Num país marcado por profundas diferenças sociais e econômicas, a trajetória dos jovens na constituição de suas identidades desenha um cenário que acentua potencialidades e vulnerabilidades, marcando diferenças profundas nas diversas expressões do “ser jovem”. De um lado, temos uma parcela da população que estendeu sua juventude, ampliando o tempo de preparação escolar para as necessidades da vida adulta; de outro, temos a grande maioria que reduziu o tempo de preparação para responder aos papéis próprios dos adultos. Os dados do Censo

5Com relação o tema “juventude e educação”, neste documento, nos remetemos aos trabalhos de Dayrell (2003), Carrano (2000), Silva, Pelisari e Stembach (2012), Sposito e Galvão (2004).

Escolar (INEP, 2011), cotejado com os do Censo Demográfico (IBGE), de 2010, apontaram que um percentual de cerca de 10% da população brasileira, de 15 a 17 anos de idade, encontrava-se fora da escola, e que apenas 53% desta população frequentava o Ensino Médio.

Os jovens que se encontram inseridos no sistema escolar, bem como os que a ele têm direito, mas que não o acessaram ou estão em descompasso etário, representam territórios onde, no

“espaço dado”, na expressão de Carrano (2008), tem-se uma multiplicidade de situações. Conforme os jovens se desenvolvem, trazem a identidade destes espaços, que se manifestam ou se expressam também mediados por uma variedade de condicionamentos e pressões resultantes da relação real ou virtual com outros territórios.

Assim, populações constroem e expressam suas identidades num “espaço construído”

pelas condições objetivas das possibilidades desses espaços, quer sejam:

• as populações urbanas de pequenas, médias e grandes cidades, que vivem nas chamadas cidades legais ou nos espaços alternativos que esta população buscou para garantir o direito de morar; quer sejam

• as populações rurais com especificidades regionais e culturais, como as populações ribeirinhas, quilombolas, indígenas, povos da floresta com diferentes condições de acesso à terra e aos serviços públicos – em suas multiplicidades de expressões decorrentes das formas como acessam ou não os aparatos tecnológicos de produção e das formas como se relacionam com o espaço urbano, com o mercado de consumo e com as ferramentas da sociedade da informação.

A referência ao “jovem ideal” que tem se constituído em parâmetro para as instituições que desenham políticas públicas, incluindo aí as políticas de educação, fez com que parcela importante da população jovem não se reconhecesse e não reconhecesse nestas instituições um valor a ser alcançado. Tradicionalmente, se ofereceram políticas compensatórias com vistas a corrigir descompassos, ou então alternativas de acomodação à ordem social e econômica estabelecida.

Os dados apresentados na Tabela 1 apontam para a necessidade de se pensar os direitos da população que ainda não está cursando o Ensino Médio, nas idades consideradas “adequadas”, e de se considerar as características desses jovens que, ao ingressarem no Ensino Médio, já estarão respondendo por papéis sociais próprios de adultos e que necessitarão de um percurso formativo que contemple suas demandas e condições de inserção no sistema escolar.

Tabela 1 – Distribuição da população de 15 a 17 anos por Região e situação escolar em 2010

Os dados também apontam para a necessidade de reduzir o descompasso entre as regiões do país, oferecendo oportunidades efetivas de acesso e permanência, para que jovens e adultos contribuam para a alteração das condições sociais, políticas e econômicas de sua região e de seu país. Nas últimas décadas, o foco do sistema educacional foi a universalização do Ensino Fundamental. Uma importante parcela da população, que o concluiu, o fez em idade mais avançada e muitos já estão, de diferentes formas, inseridos no mundo do trabalho.

A universalização do Ensino Fundamental, que se deu paralelamente ao avanço da legislação direcionada à garantia de direitos, decorreu, de um lado, do processo de democratização no país e, de outro, da ação política de organismos internacionais. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma expressão dos avanços legais, com profundo impacto não só para as crianças e os adolescentes, mas também nas instituições a eles destinadas. Este novo desenho do quadro institucional e jurídico aconteceu concomitante à incorporação de avanços tecnológicos, ao crescimento econômico e à incorporação de importantes segmentos da população no mercado de consumo, que demandam por mais escolarização, redefinindo expectativas de qualidade de vida em relação à saúde, à educação e ao acesso aos bens culturais. Esta circunstância nos impõe pensar nos sujeitos que ultrapassaram a faixa etária identificada como da juventude, que frequentam ou têm o direito de frequentar as etapas da Educação Básica. Segundo o Censo Demográfico, de 2010, eram

3,3 milhões de pessoas com 18 anos ou mais que não haviam completado o Ensino Médio. Além destes, 9,1 milhões de brasileiros não frequentavam e nunca haviam frequentado a escola, os quais, portanto, deverão encontrar a possibilidade de realizar um processo formativo escolar que altere sua forma de inserção na vida social, política e econômica do país, bem como usufruir dos seus bens culturais e materiais.

São, potencialmente, sujeitos do Ensino Médio: o público jovem e adulto que frequenta, frequentará ou tem direito a frequentar as diferentes modalidades da Educação Básica, em seus diversos formatos organizativos. A Educação de Jovens e Adultos (EJA), incluindo a modalidade Profissionalizante (PROEJA), o Ensino Noturno, o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, deverão constituir-se em respostas efetivas ao ingresso, permanência e conclusão da Educação Básica. Isto só será possível se os projetos pedagógicos contemplarem as especificidades das condições dessa população que pode se beneficiar das ofertas escolares, pois, como se observa na Tabela 1, as formas alternativas institucionalizadas não têm exercido atração para a população que não se encontra dentro da linearidade matrícula/idade, apresentando índices tímidos em relação à população total que poderia estar inserida no sistema escolar.

Em Sposito e Galvão (2004), podemos localizar algumas indicações dos dilemas que se interpõem entre os jovens e a escola média e indicar porque esta última etapa da Educação Básica não se configura como alternativa para uma parcela importante da população, pois o desejo de trabalhar e melhorar profissionalmente torna-se mais urgente para os que já estão, de alguma forma, inseridos no mercado de trabalho. Assim, os jovens e adultos são tensionados por escolhas mais imediatas, embora entendendo-as como provisórias ou reversíveis. Os que logram manter-se dentro do sistema escolar vivem esta etapa como um tempo de urgências e inquietações. O percurso educacional, na escola média, se dá dissociado da experiência do estudante como trabalhador e das complexas vivências decorrentes de sua condição social.

Tal realidade torna-se mais aguda quanto mais restritiva é a condição socioeconômica dos jovens, quanto mais eles estão à margem dos benefícios do crescimento e do desenvolvimento econômico, quanto menos a escolarização é valorizada no grupo imediato. Este distanciamento ou desinteresse pela escolarização que resulta desde a falta de oferta de escolas até a oferta de escolas que não correspondem às necessidades dos jovens, se reverte em desvalorização dos conhecimentos escolares e no não reconhecimento de vantagens objetivas que a realização desta etapa da formação possa trazer para os jovens que não têm a perspectiva de chegar ao Ensino Superior. Assim, a

demanda pela universalização do Ensino Médio público foi sempre muito tímida por parte do conjunto da população e chegou-se ao final da primeira década do século XXI, como apontado anteriormente, com pouco mais da metade dos jovens cumprindo esta etapa de ensino, dentro da faixa etária esperada (ainda que, não custa frisar, a presença da população na escola tenha se ampliado significativamente em relação a um passado recente).

Neste sentido, a referência para pensar as políticas e práticas para o Ensino Médio são os sujeitos reais que o frequentam ou que têm direito de frequentá-lo, suas singularidades, suas necessidades, suas expectativas, seus projetos de futuro. É esta referência que torna possível estabelecer com maior propriedade sua relação com o conhecimento escolar e o papel que este pode representar na alteração da forma como estes indivíduos se constroem como identidades e se constituem como grupo, e na forma como expressam e dão visibilidade a estas identidades. Embora as matrículas no Ensino Médio tenham apresentado um significativo avanço, nas duas últimas décadas, como demonstra a tabela 2, o formato proposto não logrou constituir-se em resposta efetiva à multiplicidade de expressões das realidades dos jovens e adultos que têm direito a cumprir esta etapa de formação escolar.

Tabela 2 – Evolução das matrículas do Ensino Médio por Dependência Administrativa – Brasil

Fonte: INEP/INEP. Sinopses Estatísticas da Educação Básica