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OS SURTOS EPIDÊMICOS NO PERÍODO COLONIAL: BREVE HISTÓRICO

Desde a chegada dos colonos portugueses, têm-se notícias de epidemias assolando a Capitania do Espírito Santo. Luiz Serafim Derenzi (1965) diz que, entre 1558 e 1559, uma epidemia teria matado tanta gente que os jesu- ítas sepultavam até cerca de dez cadáveres por dia. Para Sebastião Cabral (1992), o número de mortos foi ainda maior, referindo-se a um total de 13 mortos diariamente.

Seis anos mais tarde, o jesuíta Luiz Da Grã, ao chegar à Capitania do Espírito Santo, afirma que encontrou um grande número de moradores que estavam convalescendo de febre, o que sugere ainda a existência de algum surto epidêmico. Nesse mesmo ano, chega à Capitânia a epidemia de varíola, que atacou principalmente a Aldeia da Conceição (atualmente Município da Serra). Vítimas dessa epidemia faleceram alguns jesuítas, entre eles, Diogo Jácome e Pedro Gonçalves (LEITE, 1938).

Para Maria Stella de Novaes, a epidemia de varíola provocou “um espetáculo lastimoso porque as casas serviam de hospitais de enfermos e de cemitérios de mortos” (NOVAES, [197–], p. 37).

Passados mais de cem anos, em 1669, volta-se a ter notícias de epi- demias assolando a população. Dessa feita, o caso era tão grave que a população pede clemência para livrá-la de tão pavoroso mal, fazendo procissão, levando a imagem de Nossa Senhora da Penha, de Vila Velha até a cidade de Vitória (NOVAES, [197–], p. 37).

Têm-se notícias ainda de outras doenças fustigando a população da Capitania do Espírito Santo, como sarampo, malária, impaludismo, disenteria hemorrágica e, sobretudo, as febres renitentes.

A falta de profissionais de saúde fez com que os religiosos que apor- taram à Capitania do Espírito Santo com o trabalho de evangelizar a população indígena tivessem que se dedicar a cuidar da população enferma. A partir de observações, começaram a pesquisar a fauna e a flora local, objetivando descobrir antídotos para as diversas doenças. Assim, passaram a exercer importante papel de assistência e socorro aos doentes.

O desconhecimento na área da Medicina, até o século XVII, a falta de medicamentos e a falta de profissionais de saúde fizeram com que, em 1666, quando da ocorrência da epidemia de bexiga, ou varíola, a população se visse impotente frente a essa doença. Dessa forma, mui- tas vezes recorriam aos préstimos de religiosos, barbeiros, curandeiros e aos remédios caseiros na expectativa de que não fossem dizimados pela doença.

Em face da precariedade da assistência médica, certamente a iniciati- va de D. Maria I, rainha de Portugal, em 1782, de criar a Junta de Pronta- Medição do Reino, deve ter sido vista como um alento para a população que se encontrava tão à mercê das doenças. Entretanto, tal iniciativa não atingiria todo o reino indistintamente. No caso da Capitania do Espírito Santo, essa Junta nunca se fez presente, até porque sabemos que a sua duração foi efêmera, pois, em 1808, quando a Corte portuguesa se transfe-

riu para o Brasil, foi criado o cargo de Provedor-Mor do Reino e do Brasil, substituindo a antiga Junta.

Além da falta de medicamentos e de profissionais na área de saú- de, outra grande carência da colônia portuguesa no Brasil foi a de hospitais. Na Capitania do Espírito Santo, nos tempos coloniais, só podia a população contar com a Casa de Misericórdia que, inicialmen- te, estava instalada em Vila Velha e depois se deslocou para Vitória, a sede da Capitania.

Segundo Walace Bonicenha (2004), em 1545, foi criada, por ação dos religiosos, a Santa Casa de Misericórdia com a missão de realizar trabalhos assistenciais, atendendo, sobretudo, à população pobre nos tratamentos de moléstias, assim como prestando socorro aos feridos e efetuando os sepultamentos. Afonso Schwab e Mario Aristides Freire dizem que a Santa Casa do Espírito Santo teria sido a segunda instituição pia e de beneficência do País (SCHWAB; FREIRE, 1979). Laima Mesgravis lista o surgimento das Santas Casas pelo Brasil, dizendo que a primeira delas foi a de Santos, em São Paulo, seguida das de

Salvador (1549), Espírito Santo (1551), Olinda e Ilhéus (década de 1560), Rio de Janeiro (1582), Porto Seguro (fim do século XVI), Sergipe e Paraíba (1604), Itamaracá (1611), Belém (1619), Iga- rassú (1629), Maranhão (data incerta, com as primeiras refe- rências do Pe. Vieira em 1653) […] (MESGRAVIS, 1976, p. 38).

Não se sabe exatamente quando a Santa Casa de Misericórdia foi deslocada para Vitória. Sabe-se, entretanto, segundo José Marcellino Pereira de Vasconcellos (1858), que, pelo Alvará de 1º de junho de 1605, foram concedidos a esta os mesmos privilégios da Santa Casa de Mise- ricórdia de Lisboa.

A existência da Santa Casa e o seu acolhimento aos doentes e feridos não significaram a existência de um hospital propriamente dito, que, segundo Basílio Carvalho Daemon (2010), só teria sido fundado em 1605.

O hospital inicialmente contava com o auxílio da população mediante a oferta de esmolas e donativos. A existência de hospital não representava garantia de uma assistência efetiva, pois se sabe, de forma geral, que as condições dos hospitais eram precárias, tanto em relação às instalações, quanto aos recursos humanos e mesmo financeiros.

Aliás, a penúria financeira dos hospitais dos primeiros tempos e até no período imperial foi uma característica constante de norte a sul do Brasil.

Segundo Mesgravis (1976), os rendimentos dos hospitais eram prove- nientes de cobrança de dívidas, juros referentes a empréstimos a dinhei- ro, esmolas (dadas por pessoas vivas, em geral de pequeno valor), doações (feitas em testamento, normalmente, casas, sítios, dinheiro), loterias, alu- guel de casas, diárias (pagas por doentes pensionistas), venda e aluguéis de esquifes para sepultamentos).

Atender à população mais pobre em geral consumia os recursos auferidos pelas Santas Casas, que viviam quase sempre em grande penúria financeira.

Um bom exemplo das condições precárias de funcionamento do hos- pital da Santa Casa de Misericórdia de Vitória é apontado por Daemon, ao informar que o governador da Capitania do Espírito Santo, Francisco Alberto Rubim, pediu ao Governo-Geral, em requerimento em nome de lavradores e negociantes da vila de Vitória, a permissão para edificar um novo prédio para a Santa Casa e reorganizar o hospital, o que foi concedido, embora só tivesse se concretizado com as doações de Maria de Oliveira Subtil e Luiz Antonio da Silva. A primeira doou, em 1818, um grande terreno e um prédio, enquanto o segundo, em 1828, doou duas residências, dinheiro e ouro (DAEMON, 2010).

O ALVORECER DO SÉCULO XIX