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O parentesco é um sistema exclusivamente dos humanos, mas já começava a ter seus primeiros indícios com os primatas. Nessa época, o sistema ficava restrito entre a mãe e os

41 filhos (matrilinear). O desenvolvimento das relações de parentesco começou a se efetivar realmente com o Homo sapiens sapiens, esse que desenvolveu a linguagem, a arte e a escrita (GHASARIAN, 1996, p. 19).

Com o aparecimento dos códigos linguísticos e dos sistemas simbólicos, se conseguiu reestruturar as relações internas dos grupos, nomeando pais e filhos, a relação de quem procria com quem, os irmãos. Lévi-Straus (1949 apud GHASARIAN 1996, p. 20) menciona que, foi nesse período que começou a proibição do incesto12. Com isso originou-se uma nova organização social e, consequentemente, os grupos desenvolveram uma cultura, uma política e uma língua em comum. Com o surgimento da agricultura13, a organização social em bandos de recolhedores e caçadores se extinguiu, dando início a um estilo de vida pastoril. Isso favoreceu as uniões, tornando-as estáveis e duradouras; bem como estabilizou os sistemas de parentesco (GHASARIAN, 1996, p. 21).

Ghasarian (1996) faz menção que o parentesco nem sempre é organizado da mesma maneira nas sociedades humanas. Mas o mais difundido, principalmente no ocidente é a família nuclear, que é composta pelos cônjuges, os filhos e alguns ascendentes como hóspedes. Dessa maneira, o parentesco se torna uma das principais formas de ordem na sociedade, uma rede de relações. Assim, a estrutura e o funcionamento das sociedades industriais e tradicionais estão diretamente ligados ao parentesco.

Segundo Batalha (1995, p. 751), “[...] existem universalmente dois princípios mentais subjacentes à organização social de qualquer grupo doméstico: a afinidade e a filiação”, A filiação é estabelecida pelos laços de sangue, também é atribuído a um pai e uma mãe social, isto é, alguém que cria e educa, sem necessariamente ser o genitor (adoção); a citar os termos que provem dessas relações: pai, mãe, filho, filha, irmão, irmã, avô, avó, tio, tia, sobrinho, sobrinha, primo, prima, bisavô, bisavó, tataravô, tararavó. Os termos padrasto, madrasta, enteado e enteada advêm da relação de casais que trazem filhos de outra (s) união (es), sejam eles separados ou viúvos (famílias recompostas) (LOBO, 2005). A afinidade perpassa entre dois grupos através do casamento, além da união casal, se tornam parentes também os membros

12 Incesto: s.m. união sexual ilícita entre parentes consanguíneos ou afins.

Relação sexual entre parentes, entre pais e filhos, entre irmãos (consanguineos ou adotivos (HOUAISS – Dicionário Online, disponível em: http://www.dicio.com.br/incesto/).

13 Segundo Mello, Raso e Altenhofen (2011), a revolução agrícola ocorreu por volta de 10.000 a.C no

42 das duas famílias, desencadeando os termos marido, esposa (homem e mulher), sogro, sogra, genro, nora, cunhado, cunhada e consogros.

Já o parentesco espiritual ou “parentesco fictício ou pseudoparenteco” está ganhando cada vez mais espaço nos estudos. Foi por instituição da Igreja no século VI que ele surgiu. Os pais naturais não podiam mais ser pais espirituais, desse modo, surgem os termos como padrinho, madrinha, afilhado, afilhada, compadre e comadre. (GECKELER, 1973; GOLDSCHMIDT, 2004 apud HORST, 2011).

Vale destacar também, que o parentesco sanguíneo é caracterizado por tipos de relação. A relação de sexualidade, entre marido e mulher; de descendência, entre pais e filhos e de fraternidade ou colateralidade, entre irmãos. Contudo esse sistema divide os consanguíneos em parentes primários: pai, mãe, filho, filha, irmão e irmã, os secundários (ligados por um intermediário): avô, avó, neto, neta, tio, tia, sobrinho e sobrinha e os parentes terciários (ligados por dois intermediários), os primos (GHASARISN, 1996).

Outra forma de organização é a relação nuclear, as chamadas de famílias extensas. Residem juntas duas famílias nucleares pertencentes a duas gerações. Constituem-se pelo casal, os filhos casados e os seus filhos (netos), dando continuidade no tempo e envolvendo relações de primeira ordem entre parentes primários (marido e mulher, pai e filho (s), irmão e irmã), relações de segunda ordem, entre duas pessoas (duas famílias nucleares diferentes), ligadas entre si por uma pessoa, que é parente primário para cada um deles. Ou seja, o ego a duas famílias (A e B), que são para ele parentes primários, já X e Y são ligados entre si por ego, sendo parentes secundários. Conforme a figura 4, extraída de Ghasarian (1996):

43 Figura 4 – O ego tem relações primárias com a família de criação e com a sua família de procriação

(A e B) e X e Y têm relações secundárias entre si ligadas pelo ego

Fonte: (GHASARIAN, 1996, p. 40)

Nem sempre a família se constitui sob o mesmo teto, devendo assim distinguir família de grupo doméstico, caracterizada por laços de sangue e de residência – dimensão mais lateralizada do que as famílias extensas, sendo chamada de famílias elementares. Portanto, a família do ego (B) está ligada à família do seu cônjuge (A), resultando dessa união a família de procriação do ego (C), estando ligada à família de procriação do seu germano (D) e as famílias de seus filhos (E e F). Ghasarian (1996, p. 42) relata que, “co-residentes ou não, os membros de uma família possuem uma identidade comum. O patronímico, o nome de parentesco que um indivíduo recebe ao nascer, testemunha essa identidade.” Para uma melhor compreensão, segue a figura 5, de acordo com Ghasarian (1996):

44 Figura 5 – A família do ego (B) está ligada à família do seu cônjuge (A), e este também se liga com

seus filhos (C), com as famílias de seus irmãos (D) e com os filhos de seus filhos (netos) (E e F).

Fonte: (GHASARIAN, 1996, p. 41).

Sarti (2005) ressalta a contribuição de Lévi-Strauss na teoria do parentesco, e para ele são necessárias duas famílias para que exista a família. A relação de aliança entre dois grupos é a base fundadora da família, tornando a sociedade precessora da família, dessa forma, com os laços de aliança se torna possível um sistema de articulação. Portanto, para Lévi- Strauss a aliança (social) precede a consanguinidade (biológico). Com base nas palavras de Silva (1999, p. 2):

Os estudos do parentesco correspondem, sem dúvida alguma, a uma arena privilegiada para o desenvolvimento da reflexão sobre a relação linguagem e cultura, como assinala Lévi- Strauss. Consagrado tanto na Linguística quanto na Antropologia, o campo de pesquisa tradicionalmente denominado “estudos de parentesco” articula duas ordens de realidade inextricavelmente imbricadas: um sistema terminológico, que consiste fundamentalmente em um vocabulário (portanto fenômeno linguístico), e um sistema de atitudes, que corresponde a um código que atribui a indivíduos, ou a classe de indivíduos, condutas em função de relações sociais que estabelecem entre si (logo, um fenômeno social).

Com base no social, Lobo (2005) trata da questão das famílias recompostas, que de certa forma são uma ameaça à ordem social, perturba o tradicional do que seja a família, tanto a social

45 (de aliança) e a natural (fundada pelos laços de sangue). Furstenberg (1979) complementa ainda que isso se deve em partes pelo fato dos pesquisadores sociais terem deixado essa área de estudo um pouco de lado. Ainda hoje, cientistas sociais europeus e norte-americanos tratam a questão do recasamento e das famílias recompostas como um “problema social” frente à primeira família, a tradicional família nuclear.

Butler (2003, p. 221), sobre os novos modelos de famílias expõe o seguinte pensamento: “o parentesco não é nem uma esfera completamente autônoma, proclamada como distinta da comunidade e da amizade – ou dos regulamentos do Estado [...] nem está “ultrapassado” ou “morto” [...]”. Na sociologia recente, o parentesco tem se separado da hipótese de casamento, podendo ser vista em abordagens sociológicas americanas, por exemplo, que existem relações de parentesco que não se enquadram nos modelos de famílias nucleares, podendo dessa forma basear-se em relações biológicas, mas também em relações não biológicas.

1.5 Dialetologia Tradicional, Sociolinguística e os pressupostos teórico-metodológicos da