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1.3 NICANOR PARRA: TRADUTOR

1.3.1 Os tradutores Beatnick da antipoesia

Shakespeare, que já estava em uma poesia da fala, não se pode traduzir ao castelhano” O que tem que se fazer é então reescrevê-lo. (PARRA, 2004, p. 53)

Para realizar a tradução do texto de Shakespeare o antipoeta dedicou tempo para leituras no idioma de origem, foi até a Inglaterra e lá pesquisou arduamente o texto. Também leu as traduções para o castelhano realizadas. Se tomarmos como exemplo a prática tradutória de Parra para traduzir os seus antipoemas, devemos antes da tradução nos aproximar e conhecer a antipoesia e seus elementos. Com respeito à tradução, em 1991, Nicanor Parra faz a seguinte reflexão:

Pode-se estar interessado no que se chama tradução literal, que pelo menos tem sentido acadêmico. Logo, ser uma tradução livre ou uma paráfrase (tradução na qual imita-se o verso, sem vertê-lo com escrupulosa exatidão). Mas está claro que toda aproximação ao problema da tradução deve começar com esse velho ditado que diz traduttore e tradittore, ou seja que Judas Iscariote é o tradutor mais grande de todos os tempos.31 (PARRA, 1991,

s.p)

A tradução de Parra marca um antes e depois na recepção da obra de William Shakespeare no Chile. Nessa proposta o leitor/espectador pode experimentar ouvir os diálogos em um espanhol conhecido, próximo na sua variação. Ao mesmo tempo, nessa tradução se introduz um outro idioma, essa outra origem. Os fragmentos em inglês trazem a sonoridade e musicalidade do inglês e contagiam o leitor espectador com o alheio a sua cultura. Estamos assim, imersos em uma peça de Shakespeare, cânone internacional.

1.3.1 Os tradutores Beatnick da antipoesia

31 Uno puede estar interesado en lo que se llama una traducción literal, que por lo

menos, tiene sentido académico. En seguida, puede ser una traducción libre o una paráfrasis (traducción en la que se imita el verso, sin vertelo con escrupulosa exactitud). Pero está claro que toda aproximación al problema de la traducción debe empezar con el viejo edictum ese que dice que traduttore e tradittore, o sea que Judas Iscariote es el traductor más grande de todos los tiempos. (PARRA, 1991,).

Os antipoemas de Parra foram traduzidos ao inglês nos anos sessenta por Jorge Elliot, Antipoems (1962). Também foram traduzidos pelo poeta da geração beat, Allen Ginsberg (1926-1997); por William Carlos Williams (1883-1963); por Lawrence Ferlinghetti (1919-), editor, poeta beat e pintor; e também por Thomas Merton (1915-1968). A geração beat tem como marco inaugural o poema Uivo32 (1956) de Allen Ginzburg. O movimento beatnick está catalogado como movimento de contracultura e se localiza nas décadas de 60/70. Como podemos observar, é um movimento contemporâneo à inauguração da antipoesia, que aconteceu em 1954.

Jorge Elliot, em 1960, traduziu ao Inglês a obra inaugural da antipoesia, publicada pela editora City Lights, de Lawrence Ferlinghetti: Antipoems. Em 1954, antes de realizar essa tradução, Elliot afirma: “[...] o humor em sua obra é mais aparente que real e de nenhuma maneira é anglo-saxão”. E ainda acrescenta: “É curioso que os poemas de Nicanor Parra fossem bem recebidos por todos setores, apesar de ser uma poesia de choque, por assim dizer” (ELLIOT in PARRA, 2006, p. 920).

Em 1967, William Carlos Williams traduz os antipoemas de Parra e publica Poems and Antipoems. Essa tradução contou com a colaboração de Nicanor Parra.

O poema Soliloquio del Individuo recebeu atenção especial e foi traduzido por Allen Ginsberg e por Ferlinguetti33. Em 1960, convidado para o “Primer Encuentro de Escritores Americanos”, realizado no sul do Chile, na Universidade de Concepción, Allen Ginsberg visitou o Chile e ficou por três meses hospedado na casa de Nicanor Parra. Henrique Lihn, escritor e um dos primeiros a fazer a crítica da antipoesia, comenta sobre a antipoesia e a conexão com os poetas estadunidenses:

[...] para o verdadeiro homem de letras tem sido uma presa de caça maior no bosque da poesia, um desafio à pontaria intuitiva, uma lâmina analítica: Elliott no Chile, Benedetti no Uruguai, Fernando Alegría nos Estados Unidos, onde uma tradução de

Poemas y Antipoemas que cumpriu sua terceira

edição associou o nome de Parra ao de poetas como

32 Uma das traduções desse poema foi feita pelo poeta brasileiro Claudio Willer

em 2006.

33 O áudio de Ginsberg, recitando a tradução desse antipoema para o Inglês em

1990 está disponível no site Naropa Poetics Archive. Disponível em: <https://archive.org/details/naropa&sort=-reviewdate> Acesso em: 10 out. 2015.

Ferlinghetti e Allen Ginsberg sob o signo de uma mesma vocação ao prático e a combatividade e “frescuras” expressivas próprias da autêntica poesia de vanguarda.34 (LIHN, 1963, s.p)

A tradução da obra inaugural da antipoesia para o Inglês confere um impulso para a maior divulgação do projeto antipoético de Nicanor Parra no âmbito da poesia internacional. A tradução certamente colaborou para uma para uma projeção tanto da obra quanto do antipoeta no ambiente literário.

Em 1970 Parra assiste a um evento literário na Biblioteca do Congresso de Washingnton, no mês de maio (OYARZÚN, 1970, s.p.). Em 1987, Parra reencontra a Allen Ginsberg em Nova York:

Os enlaces da antipoesia com a poesia beatnick estão marcados pela época, já que é em 1954 que se inaugura a antipoesia e 1956 é recitado por primeira vez o poema Uivo por Ginsberg, marco da poesia beat. Algumas das semelhanças entre o movimento beat e a antipoesia de Parra podem ser seu caráter contestatário e a capacidade que tiveram de conquistar plateias. Nicanor Parra em muitas ocasiões recitou seus antipoemas em saraus universitários, eram eventos massivos. Essas leituras públicas o tornaram figura conhecida e alguns críticos conferem a Parra uma capacidade e manejo de marketing do próprio trabalho poético. Para Michael Hamburger esse é um fenômeno cultural e social mais que puramente poético, e ao referir-se a poesia beat aclara:

[...] o que hoje é “pop”, “beat” ou “underground” amanhã será acadêmico se sobreviver à noite; ou seja, se não for prejudicada pela negligência que advém de contar com uma reação previsível por parte da plateia, [...] o problema tem que ver com o novo público da poesia em vez de que com a poesia em questão. (HAMBURGER, 2008, p. 436)

34 [...] para el verdadero hombre de letras ha constituido algo así como una pieza

de caza mayor en el bosque de la poesía, un desafío a la puntería intuitiva, al cuchillo analítico: Elliott en Chile, Benedetti en el Uruguay, Femando Alegría en Estados Unidos, donde una traducción de Poemas y antipoemas que cumplió su tercera edición asoció el nombre de Parra al de poetas como Ferlinghetti y Allen Ginsberg bajo el signo de una misma vocación de practicismo, combatividad y “frescura” expresivas propios de la auténtica poesía de vanguardia. (LIHN, 1963, s.p.).

Essa ponderação sobre o “novo público” devemos considerar dentro das reflexões da tradução da antipoesia. Se a antipoesia no Chile já faz parte dos livros didáticos escolares, e muitos compatriotas de Parra estão acostumados com seus antipoemas, aqui no Brasil é por meio do acadêmico que essa escritura está ingressando em um primeiro momento. Vamos desenvolver mais adiante essa reflexão ao comentar nossa tradução.

Talvez a maior influência dessa aproximação na trajetória da antipoesia foi justamente a tradução dos antipoemas para o inglês pelos poetas beat, visto que estavam em pleno auge nos anos sessenta. Para o crítico René da Costa o antipoema Autorretrato, publicado em 1954, em Poemas y Antipoemas, pode ser lido e relacionado com o contexto histórico da época, e particularmente com o movimento beat da literatura estadunidense. Costa assinala como características da época a “brutalidade” na arquitetura, o “absurdo” no teatro e no que condiz com a literatura: a poesia beatnick (COSTA, 1988, s.p.). Segue um fragmento de Autorretrato35:

Considerem, meninos, Esta língua roída pelo câncer:

Sou professor em um colégio obscuro, Perdi a voz dando aula.

(Depois de tudo ou nada Faço quarenta horas semanais.) Que acham da minha cara bofeteada? Não é verdade que inspira piedade me olhar? E o que você diz desse nariz podre?

Pelo cal do giz degradante. [...] (PARRA, 2006, p. 24)

A obra que é nosso objeto de estudo foi traduzida por Sandra Reyes, em 1983, com o título Sermons and homilies of the Christ of Elqui by Nicanor Parra; em 1985 Richard Wilbur traduziu a mesma obra e utilizou o mesmo título. De forma on-line, no formato blog, encontramos fragmentos do mesmo texto traduzido do espanhol para o Inglês por

35 Considerad, muchachos, Esta lengua roída por el cáncer: / Soy profesor en un

liceo obscuro, / He perdido la voz haciendo clases, (Después de todo o nada/ Hago cuarenta horas semanales.) / ¿Qué os parece mi cara abofeteada? / ¡Verdad que inspira lástima mirarme!/ Y qué decís de esta nariz podrida/ Por la cal de la tiza degradante. [...] (PARRA, 2006, p. 24).

Brandon Holmquest, a obra está com o título: The Preachind and Sermons of the Christ of Elqui.

1.4 ANTECEDENTES: TRADUÇÃO DA ANTIPOESIA NO BRASIL

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