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CAPÍTULO 3. VALORES HUMANOS

3.2. Os Valores Humanos de Schwartz

Shalom Schwartz propôs um modelo que, desde o final dos anos 1980, vem se consolidando e é considerado referência no campo de estudos sobre os valores humanos, recebendo forte influência da obra de Rokeach em seus trabalhos (Gouveia, 2008). Schwartz (2001) apresenta uma tipologia que define valores como “metas desejáveis e transituacionais, que variam em importância, e servem como princípios na vida de uma pessoa ou de outra entidade social” (p. 55).

Segundo Schwartz (2012), esta teoria adota uma concepção de valores que ressalta seis características principais implícitas nos estudos de diversos autores, como Allport (1961), Feather (1995), Kluckhohn (1951), Morris (1956) e Rokeach (1973), como indicado a seguir:

1. Valores são crenças. Quando ocorre a ativação dos valores, estas se tornam infundidas com o sentimento.

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2. Valores como metas desejáveis que motivam a ação. Indivíduos cuja ordem social, a justiça e a utilidade são valores prioritários, ficam mais motivados a atingir estes objetivos.

3. Valores transcendem ações e situações específicas. Alguns valores como a obediência e a honestidade são importantes, por exemplo, no ambiente escolar e de trabalho, tanto com amigos quanto com pessoas estranhas. Esta característica os diferencia de normas e atitudes, que geralmente estão relacionadas a ações mais específicas, objetos ou situações.

4. Valores servem como padrões ou critérios. Os valores servem para guiar a seleção ou avaliação das ações políticas, pessoas e eventos. Visto que os indivíduos são capazes de escolher entre o que é bom ou ruim, justificável ou não, que vale ou não a pena fazer baseados nas consequências que terão para seus valores.

5. Valores são ordenados por importância. Os valores das pessoas formam um sistema ordenado de prioridades que os caracterizam como indivíduos. Ou seja, as pessoas atribuem mais importância a realização ou justiça? A novidade ou a tradição? Esta característica também é responsável pela distinção estabelecida entre valores, normas e atitudes.

6. A relativa importância de múltiplos valores guiando ações. Qualquer que seja a atitude ou o comportamento, este apresenta implicações para mais de um valor. Por exemplo, frequentar uma igreja pode promover o aumento de valores de tradição e conformidade em detrimento dos valores de hedonismo e estimulação.

De acordo com Schwartz (2012), as características supracitadas dizem respeito a todos os valores, sendo que o que vai distingui-los entre si é o tipo de objeto ou as motivações que expressam. O autor também indica que os valores podem representar três tipos principais de necessidades: (1) as biológicas do organismo, para garantir

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sobrevivência; (2) a de regulação das interações sociais coordenadas; e (3) necessidades sócio institucionais de bem estar e sobrevivência grupal (Schwartz, 2006). Neste sentido, os tipos motivacionais definem os valores baseados na motivação expressa por cada um deles (Schwartz, 2012).

Inicialmente, foram identificados sete tipos motivacionais (Schwartz & Bilsky, 1987), em seguida dez (Schwartz, 1990) e depois onze (Schwartz, 1994). Esta flutuação talvez se deva ao fato deste empreendimento científico não apresentar base fortemente empírica, nem um modelo teórico sólido e unívoco das necessidades humanas, fazendo com que estes números possam sofrer mais variações ao longo do tempo. No entanto, visto que o modelo formado por dez tipos motivacionais é o mais conhecido, este será tido como referência no presente estudo.

A seguir, são apresentados os dez tipos motivacionais, colocando entre parênteses exemplos dos itens de cada um, os quais são contidos no instrumento desenvolvimento para mensuração destes valores.

1. Autodireção. Consiste na busca de independência no pensamento e nas ações, sendo derivado das necessidades do organismo de controle e domínio (Bandura, 1977) e requisitos interacionais de autonomia e independência (Kluckhohn, 1951), (liberdade, criatividade, escolher suas próprias metas, curioso, independente).

2. Estimulação. Valores de estimulação derivam de necessidades do organismo por variedade e estímulo e possivelmente se relacionam com os valores de autodireção (uma vida variada, excitante e ousada).

3. Hedonismo. Este tipo motivacional se refere à busca por prazer e gratificação sexual, derivando de necessidades do organismo (prazer, curtindo a vida, autoindulgente).

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4. Realização. Evidencia a demonstração de sucesso pessoal e competência de acordo com padrões sociais aceitáveis. (sucesso, capacidade, ambição, influência, inteligente, esperto).

5. Poder. É um tipo motivacional que sugere a busca por status social e prestígio, além de controle e/ou domínio sobre pessoas e recursos (poder social, autoridade, riqueza, preservação da imagem, reconhecimento social, vaidade).

6. Segurança. Refere-se à busca por segurança, harmonia e estabilidade na sociedade, nos relacionamentos e em si mesmo. Estes valores são derivados de necessidades básicas individuais ou grupais (ordem social, segurança familiar, segurança nacional).

7. Conformidade. Diz respeito às restrições de ações, impulsos e inclinações que infringem as expectativas e normas sociais vigentes. Estes valores derivam da exigência de que os indivíduos devem inibir estas inclinações, evitando perturbar ou prejudicar a interação e o funcionamento grupal (autodisciplina, bons modos, obediência).

8. Tradição. Refere-se a valores de busca de respeito, compromisso e aceitação de costumes e ideias impostos pela cultura ou religião (devoto, honra aos pais e mais velhos, respeito pela tradição, vida espiritual).

9. Benevolência. Foca a busca e preservação do bem-estar das pessoas com quem se está em frequente contato pessoal, derivando da necessidade do organismo de filiação (ajudando, honesto, não rancoroso, ter sentido na vida).

10. Universalismo. Refere-se à procura por compreensão, tolerância, aceitação e bem-estar geral, visando ainda a proteção e preservação de recursos naturais (aberto, amizade verdadeira, igualdade, justiça social, protetor do meio ambiente, sabedoria, um mundo em paz, um mundo de beleza).

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Estes dez tipos motivacionais podem ser enquadrados em quatro dimensões distintas: abertura à mudança (autodireção, estimulação e hedonismo), conservação (tradição, conformidade e segurança), autotranscedência (universalismo e benevolência) e autopromoção (poder e realização). Estas dimensões se estruturam em dois eixos bipolares, sendo que uma se opõe a outra, ou seja, a abertura à mudança opõe-se ao conservadorismo e a autotranscedência à autopromoção. Segundo Schwartz, os dez tipos motivacionais apresentam uma organização de forma bidimensional, observada na Figura 1.

O primeiro no eixo horizontal é formado por abertura à mudança (estimulação e autodireção) e conservação (segurança, conformidade e tradição). O segundo eixo vertical é formado pela oposição da autopromoção (poder, realização e hedonismo) e autotranscedência (universalismo e benevolência). As dimensões são importantes para a

AUTOTRANSCEDÊNCIA CON SERVA ÇÃ O AUTOPROMOÇÃO A BERTU RA À M UDA N ÇA

Figura 1. Estrutura Bidimensional dos Tipos Motivacionais (adaptado de Schwartz, 2006)

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possibilidade de diferenciação dos valores nos níveis de análise social e individual. Dessa forma, sua importância é influenciada pelo interesse aos quais servem (Schwartz, 1992). Não obstante, apesar do modelo proposto por Schwartz ser o mais difundido no mundo acadêmico, não está isento de ser passível de críticas. Estas, por sua vez, são baseadas, principalmente, na falta de uma base teórica subjacente à origem dos valores propostos e na ideia de conflitos dos valores, que não é compatível com a concepção do desejável defendida pelo autor, evidenciando a ambiguidade no modelo de ser humano adotado por este autor. Partindo destas críticas, mas sem deixar de reconhecer as contribuições dos modelos existentes, Gouveia (2003, 2012) propôs um modelo alternativo, a teoria funcional dos valores humanos, que se mostra mais parcimoniosa, integradora e que tem apresentado padrões de adequabilidade satisfatórios.

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