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3.2 Filhos em famílias recompostas: representações a partir da atuação profissional

3.3.3 A outra face do diálogo: respostas dos filhos aos profissionais

Em complementação às duas primeiras categorias estudadas nesse tópico, os entrevistados relataram as respostas das crianças e adolescentes a esse contato profissional e tentativa de diálogo. Ademais, alguns deles expressaram também a importância e os cuidados tomados na apreciação dessas falas.

Em relação ao primeiro aspecto – resposta (comportamento) das crianças e adolescentes durante o contato – os entrevistados afirmaram que, de maneira geral, as crianças falam, expressam abertamente seus sentimentos e desejos.

Daniel afirma que as expressões de sentimentos e desejos são manifestadas durante o estudo social, realizado por uma das assistentes sociais. Assim, ele afirma que, normalmente,

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não observa diretamente esses sentimentos, mas “quando a assistente social faz o seu relatório técnico sobre a vida familiar, esses aspectos surgem”. Citando exemplos de manifestações dos filhos, relativos à situação familiar, que costumam aparecer nos estudos sociais, ressaltou o sentimento de insatisfação e de falta de interação com a nova família:

Isso, nos estudos sociais, em alguns, já apareceu essa falta de compreensão, de interação com a nova família. Até mesmo com passagem de não querer exercer, ser visitado ou visitar o pai ou a mãe no local onde essa terceira pessoa está (Daniel, Direito).

Cláudio (Direito) também afirma que os menores não se negam a falar, expressando seus sentimentos e desejos, ainda que negativos, em relação aos membros da família. Segundo o entrevistado, a não expressão ou desconforto ao falar sinaliza a possibilidade de ocorrência de violência no âmbito familiar:

É..., quando é negativa eles não negam a falar, né?! Ou seja, quando não gosta, não gosta mesmo, e deixa muito claro isso. Então, quando eles podem expressar, eles expressam mesmo. Só quando não expressa [...] a gente vê que tem caso de violência, sabe?! (Cláudio, Direito).

Segundo Cláudio, os menores também costumam ser bem claros em relação aos sentimentos positivos, por exemplo, quando gostam dos membros da família. Contudo, conforme informou, com base em sua experiência profissional, “infelizmente a maioria é negativa”. Nesse mesmo sentido, Paula informa que os menores costumam expressar seus sentimentos durante os contatos profissionais e essas reações são, mais comumente, de insatisfação com a situação da família recomposta:

Normalmente, é uma reação de desagrado, de... até antipatia, eu já presenciei. Mas aí eu não sei como a relação foi trabalhada ali na família recomposta. Mas de muita antipatia, de muita insegurança, sempre com o pensamento de que... não vou dizer sempre, que eu estou generalizando, mas é... que me vem mais à mente, no momento, é no sentido de que aquele novo integrante está ali pra substituir o genitor que foi alijado da família (Paula, Direito).

Luna também afirma que os menores costumam se expressar durante as audiências, contudo, em sentido contrário, vivenciou, em sua experiência profissional, mais casos de manifestações positivas do que negativas no contexto de recomposição familiar: “eles manifestam de forma favorável, né?! E, se eu tive aqui casos da criança, é... manifestando desfavoravelmente, foram pouquíssimos. Geralmente eles falam de uma forma carinhosa, sabe?!” (Luna, Direito).

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Às assistentes sociais os menores também relatam as situações vividas e os sentimentos nutridos em relação à família recomposta e seus membros, havendo verbalização tanto dos sentimentos positivos quanto dos negativos, e de maneira bem direta:

é, eles geralmente falam...quando tem eles mesmo já contam: “meu pai tá namorando, minha mãe tá namorando”, né?! E isso às vezes melhora: “ai agora tá ótimo, né?! Porque aí eles começaram a namorar, um não briga mais com o outro, um não persegue mais o outro”... ou o contrário, né?! De que não gosta, que deixou de ir na casa do pai ou da mãe por causa do padrasto ou madrasta, né, que prefere quando o outro não tá. Então, mas eles falam, verbalizam isso (Maria, Serviço Social).

com certeza ele são diretos, geralmente são diretos. A não ser que venha assim com certo medo, e aí às vezes deixam entrever nas entrelinhas, né?! Deixa a gente perceber nas entrelinhas, mas quase sempre são diretos sim, principalmente, como eu estou te falando, quando eles compreendem essa nossa abertura (Emanuele, Serviço Social).

Emanuele revela também a existência de casos em que, por medo, não há uma manifestação direta, a qual, contudo não impede a apreensão dessa situação, transparecida nas entrelinhas das falas. A psicóloga Taís afirma que as crianças e adolescentes costumam falar sobre seus sentimentos e desejos, e essa abertura ocorre sempre que eles têm confiança na pessoa com a qual dialogam: “não, não é difícil eles se expressarem, se eles têm confiança. E isso ele vai adquirindo, né?!”.

Apesar da importância da comunicação verbal entre menores e profissionais, as decisões judiciais podem causar alterações e trazer consequências de grande magnitude para os pais e filhos. Por essa razão, os pareceres dos promotores, os pedidos dos defensores, os estudos sociais e demais provas periciais de assistentes sociais e psicólogos e as decisões judiciais devem se fundar na realidade da família, com todos os seus problemas e conflitos. Diante da importância da descoberta da verdade dos fatos nos processos judiciais, e da vulnerabilidade do menor no meio familiar, os depoimentos de crianças e adolescente costuma ser interpretado com algumas cautelas.

Paulo Márcio atenta para a coerência entre as versões apresentadas em diferentes momentos, ressaltando ainda a grande dificuldade que se tem nos processos judiciais de descoberta da verdade, uma vez que os conflitos familiares costumam ocorrer em ambientes fechados, sem a presença de testemunhas. Paula também revela cautela na apreciação da palavra da criança, sempre procurando valorizá-la sim, mas a partir do contexto no qual se insere. Nas palavras dos entrevistados:

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Eu ouço eles mais do que os pais e o padrasto, né?! Mas é lógico também que nessas situações nós nos apegamos muito às contradições. Se num primeiro momento ele apresenta uma versão, e ele altera ela posteriormente, tem que ter uma justificativa porque ele fez isso. E aí isso é a maior dificuldade que nós temos hoje dentro dos processos porque todas essas brigas, esses relacionamentos, ocorrem num recinto fechado, distante de testemunhas, então, em todos esses processos fica a palavra de um contra o outro, né?! Então, a dificuldade maior é essa (Paulo Márcio, Direito).

É essencial a oitiva de menores, desde que eles ostentem né, uma idade suficiente pra poderem se manifestar. Então, nós procuramos sempre valorizar a palavra da criança, do adolescente, mas também analisá-la no contexto que ele está inserido, porque é... a pouca idade, a falta de maturidade, a confusão de sentimento, a gente tem que levar em consideração. Então, analisar a palavra, dar crédito, mas entende-la sob o contexto em que ele está vivendo (Paula, Direito).

A preocupação com a interferência das características da pouca idade nos depoimentos e demais conversas mantidas com as crianças e adolescentes não é exclusiva dos profissionais. O ECA, por exemplo, prevê a obrigatoriedade do consentimento, para colocação em família substituta, apenas dos maiores de 12 anos (art. 28, § 2º), ao passo que o CPC apenas admite a oitiva, como testemunhas processuais, de maiores de 16 anos de idade (art. 447, §1º, III), somente permitindo a oitiva de menores de 16 anos em caso de necessidade (art. 447, § 4º).

A utilização da imaginação sem a plena consciência de suas consequências acaba induzindo a uma maior cautela na oitiva dos menores. Essa cautela, conforme visto, não implica desconsideração de suas palavras, mas apenas contextualização conforme as demais provas processuais, o que mantêm a importância de sua participação no processo. Ademais, conforme ressaltado por alguns dos entrevistados, o contato permite a apreensão não apenas das falas, mas também dos sinais e das entrelinhas deixadas no curso da conversa.

Brito et al (2006) salientam que diversos autores vêm apresentando uma postura crítica em relação à integral prevalência da vontade da criança e do adolescente nos processos de guarda. Além do sentimento de culpa, por ter escolhido um dos pais, que essa transferência de responsabilidades pode provocar nas crianças e adolescentes, as autoras, citando as lições de Giberti (1985), lembram que, muitas vezes, a decisão do filho pode ser reflexo do relacionamento mantido com um dos pais, como ocorre, por exemplo, quando a criança mantém fortes alianças com o guardião, sentindo-se aprisionada a esse, e manifestando resistência em relação ao outro (BRITO et al, 2006).