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Outras alternativas de alimentação e renda “Naquele tempo cê escolhia o que cê queria

4.2 Modo de vida

4.2.3 Outras alternativas de alimentação e renda “Naquele tempo cê escolhia o que cê queria

A análise das informações coletadas em campo demonstrou que além das atividades principais mencionadas acima, os agricultores familiares locais possuem ainda outras formas de complementar a alimentação e renda da família, seja através da criação de aves, da caça e pesca ou da coleta de frutos do cerrado.

[...] Nós tira muita bacaba aqui. [...] Tira mesmo só mesmo pro consumo da casa. [...] Olha, um pé de bacuri, um pé de pequi, pelo meno... que essa Serra do Centro, [...] essa serra aí tinha um cerrado, mas só de pequi. Ela é uma fruita natural... ela é uma fruita que todo mundo gosta dela. É uma alimentação. Cabô com tudo. [...] No tempo dele, buriti quando é assim de maio. O pequi ocê ia buscar pra cozinhar também. Tinha mais frutinha, mas as preferida era essas duas, da natureza. O bacuri, também... A poupa do bacuri também. [...] Mas o mais... a força do bacuri era no cerrado chato lá, nas larvura. Cabô tudo, cabô. [...] A, o coco... o coco. Tem o coco, vamo dizer tem o coco piaçaba e tem o coco cunhã. O coco cunhã é de cerrado mesmo, onde hoje é as larvura, tinha muito. Cabra ia buscar. Rapaz, coquim de piaçaba. [...] Tem muita coisinha, fruitinha assim do cerrado, que a gente comia. Murici... tinha o muricizim de chapada e tinha o murici de vargem. [...] Virge a bacaba. A buritirana. A gente vai lembrando. [...] Rapaz mas é boa, boa... gostosa mesmo. Eu acho que ela é melhor do que a bacaba. [...] Frutim dela é amarelim. Tinha muita fartura, tinha... Agora que foi

devorado tudim... quase tudo. Tem mais essas fartura não. Cabô. Tem bestera, é um sonho quando você topa num. Hoje pra tu viver da fruita do cerrado, num prantar roça. Vai morrer de fome. Vai comer terra. Vai comer barro. (informação verbal)14.

Infere-se do discurso que o extrativismo apesar de não visar diretamente a comercialização representava uma importante fonte alimentar para essas famílias e que a conversão da vegetação de cerrado local para os plantios das culturas de grãos impactou significativamente na disponibilidade desses produtos.

Sobre caçar eles afirmam que atualmente essa não é uma prática muito comum entre as famílias locais. No entanto, os mais velhos costumavam caçar bastante, mas a atividade não impactava significativamente nas populações de animais silvestres pois a caça nunca visou comercialização ou abastecimento principal de alimento para suas famílias, era apenas uma forma de diversifica-la. É o que se percebe no discurso a seguir.

O povo véio, estragava muito. Só que tinha muito. Era absoluto. Num tinha negócio de proibição naquele tempo. Eles estragavam muita caça aí. Mas tinha muito, tinha muito mesmo... Muito. [...]. Num era profissional. Assim, dava vontade “rapaz me deu vontade de comer uma caça.” Você ia matar. Cê ia nesse intuito. [...]. Estragava roça. Muitas vez... cê botava uma roça na bera dum rio desse, perto da mata aí, onde tem a capivara. [...]. Estragava muito o arroz, os pranti. [...]. Tinha muita cacinha pequena, quando era no tempo do mi, eles estragava demais... a paca. Aí eu botava, na armadilha, pra espingarda ficar lá sozinha, eu ia ficar longe dela. Se tava estragando o mi... que estragava demais. [...] Muito, mas tinha muito. Que... isso tinha um tempão dum morador pra outro. [...] Dentro dessa mata esconde umas cacinha, né muito não mais esconde. Fica aí quetinha. Num tá mexendo, aí elas fica aí. Tem um pouco. Num é como era de premero não, mas tem. [...]. Tinha o refrigelo do cerrado e na mata... aquilo tá acabando, acabô tudo. Pelo mendo... nesse cerrado aí das larvura, ele tinha muito... muita fruita da natureza pra pássaro comer, aí acabô. [...]. Inda tem, tá fechado, num foi desmatado, inda acha algum refrigelozim. Mas aonde era o apoio deles de verdade, era na serra ali que era, ele tinha muita caça, tinha muita fruita da natureza, aí eles viviam daquilo. Aí acabô tudo. [...]. Mas aí o refrigelo é muito pouco, a caça invade, vai pra outro lugar. Procurar outras onda, desabitada, grande, que ainda tem ainda, eles fica estocada pra lá. (informação verbal)14.

O discurso revela ainda que muitas vezes as caças ocorriam em função da proteção de suas roças da invasão dos animais que vinham da mata. Infere-se dele que a população das espécies que eram caçadas reduziu bastante com a conversão da vegetação do cerrado local em monocultivos de grãos. Segundo eles, o desmatamento total das áreas de “refrigelo” das caças fez com que esses animais procurassem abrigo em outras regiões.

Sobre as pescarias o discurso é bem parecido com o das caçadas. Eles são enfáticos em afirmar que nunca viveram de caça e pesca e que faziam isso esporadicamente, apenas como um complemento e para diversificar a alimentação da família. É muito recorrente as afirmativas

14 Arquivo do pesquisador. DSC sobre “outras alternativas de alimentação e renda”, agricultores familiares da

de que os peixes diminuíram muito. Às vezes eles apontam como causa os invernos que são menos chuvosos que no passado, diminuindo os espaços disponíveis para os peixes. Hora dão a entender que as causas são as pescarias desenfreadas, feitas por pessoas de fora, ligadas ao Projeto Agrícola Campos Lindos. Mas a maior preocupação é em afirmar que pescavam somente para o consumo da família, de forma eventual, com instrumentos artesanais e que se houve uma redução na quantidade de peixes nos rios não foi devido às suas pescarias.

Há ainda o mel de abelha, normalmente as famílias têm em casa um pouco de mel guardado, para alimentação e para uso medicinal. Sobre o mel e a madeira não verificamos alguma importância mais significativa dentro do sistema produtivo e nem sobre a interferência das lavouras e do projeto nesse sentido. Segundo eles, a extração de madeira e coleta de mel era apenas para alguma necessidade dentro da propriedade, como uma casa ou uma cerca, e para consumo familiar.

4.2.4 Comercialização e transporte “Nossa cidade toda vida foi Balsa. [...] O transporte era talo