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CAPÍTULO 2 LEITURA EM MATO GROSSO: O DISCURSO CRÍTICO

2.2 Foco do discurso crítico voltado para o não-local

2.2.4 Outras conexões

Outros textos, ainda que não abordem livros da escola naturalista, continuam mostrando a existência de uma rede de conexão cultural entre o Mato Grosso e várias outras regiões brasileiras e estrangeiras. Do Diário Oficial do Rio de Janeiro, foi transcrita a crítica de Dr. Benignus, de Emile Zaluar. As apreciações foram passadas para o A Situação, quase dois meses depois de terem sido publicadas no Diário Oficial, porém a matéria saiu nos dois jornais em 1875, ano de lançamento do “romance científico”. O crítico informa que a obra não é de pura imaginação, “nem pintura de costumes ou caracteres”, ela pertence ao gênero do romance científico a exemplo do que tem feito o autor de Vinte mil léguas submarinas, Júlio Verne. Continua dizendo que o Sr. Zaluar fez longos e pacientes estudos para inaugurar este gênero no Brasil. Elogia a narração “animada, interessante e curiosíssima” (A Situação – Cuiabá, 10/11/1875).

Apesar de toda dificuldade de locomoção existente no Brasil da década de 70 dos oitocentos, Mato Grosso também recebia notícias de acontecimentos literários ocorridos em São Paulo, ou mais precisamente, havia comunicação entre cidades do interior das duas províncias, Campinas e Corumbá por meio dos jornalistas de A Gazeta de Campinas e de O Iniciador. Este último possuía em seu quadro de colaboradores o poeta mato-grossense Amâncio Pulchério de França173, homem que prestou grandes serviços à

instrução pública de Corumbá (O Iniciador – Corumbá, 10/03/1881). Além de participar assiduamente das atividades de A Opinião, publicando poemas, prosa de ficção, textos críticos, chegou a ser, ainda que por um curto espaço de tempo, em meados de 1878, editor e redator deste mesmo jornal.

O texto assinado por ele, “Crepúsculos”, é relativamente extenso. Nele, o poeta mato-grossense faz comentários sobre uma crítica literária publicada pelo “distinto” poeta Carlos Ferreira, na Gazeta de Campinas, sobre o livro Crepúsculos, de autoria da 173 Seu nome também aparece associado ao jornal O primeiro de março, de 1871. Conferir: PÓVOAS, Lenine

C. História da cultura mato-grossense. Cuiabá: Resenha Tributária, 1982, p. 63. Pulchério produziu, ainda, uma série de comentários críticos sobre Histórias brasileiras, de Visconde de Taunay, em O Liberal, de Cuiabá, valendo-se do pseudônimo Palmiro, conforme consta no último capítulo deste estudo.

poetisa Amália de Figueiroa. Pulchério elogia muito a capacidade de trabalho de Carlos Ferreira, “moço de reconhecido talento, ocupa-se sempre da literatura” e suas idéias sobre o livro da poetisa, declarando que “suas palavras em relação à Amália Figueiroa nos impressionaram sobremaneira” (A Opinião – Corumbá, 26/12/1878). Nos mesmos moldes, provavelmente de autoria do mesmo crítico, há mais dois textos que continuam fazendo referências ao poeta e também dramaturgo campineiro Carlos Ferreira174. Um trata dos

elogios que a peça O marido da doida, encenada em um dos teatros da corte, vinha recebendo da imprensa do Rio de Janeiro e dos “dois excelentes volumes de poesias, um dos quais Rosas loucas”, do escritor Carlos Ferreira; há também informações da vida pessoal do poeta e elogios ao “estrondoso triunfo que acaba de conquistar”; entretanto, dos poemas mesmo não aparece nenhuma referência (A Opinião – Corumbá, 06/01/1878). O outro repete praticamente as mesmas informações destacando a saída do prelo do drama O marido da doida e alegando que “começam a ser distribuídas as respectivas listas para assinaturas havendo já um crescido número delas em Campinas. Dando esta boa nova literária chamamos a atenção do público, a quem recomendamos esse livro.” O jornalista compara O marido da doida, de Carlos Ferreira, à Suplício de uma mulher, de Dumas Filho, dizendo que ambos pertencem à escola realista e que, se O marido da doida fosse escrito em língua francesa, marcaria uma época literária. Ainda segundo o jornalista, este livro será precedido por um prefácio literário em que o autor fará comentários sobre as diversas críticas que apareceram a respeito do problema filosófico e social que envolve o drama da obra (A Opinião – Corumbá, 14/04/1878).

Vinte anos depois, Campinas, por via indireta, volta a ser alvo da crítica, desta vez por meio de um jornal cuiabano. São os comentários da obra Plectros, da poetisa Ibrantina Cardona, “talentosa e encantadora poetisa rio-grandense”, todavia residente em Campinas, já que era considerada “um dos ornamentos da primeira sociedade de Campinas”. A crítica se inicia dando informações gerais sobre o livro de poesia, revelando, inclusive, que o prefácio era de um autor conhecido dos mato-grossenses, Carlos Ferreira. Logo depois, a nota diz que a autora pertencia a uma “plêiade de talentos feminis”, como 174 A estreita relação ou grande interesse do jornalista mato-grossense pelas obras do escritor, e também

jornalista campineiro, Carlos Ferreira, pode estar no fato de ambos terem em comum um amigo cuiabano, cujo nome não é revelado. Ou nas palavras do próprio jornalista: “O Sr. Carlos Ferreira deve ser, segundo supomos, bastante jovem, pois foi contemporâneo nos bancos escolares de um amigo nosso, e também seu, moço de talento e ilustração, residente me Cuiabá, de onde é natural, que a seu respeito sempre se exprimiu, ante nós, em termos encomiásticos”. Conferir: A Opinião – Corumbá, 06/01/1878.

Revocata de Melo, Júlia Lopes de Almeida, Amália Figueiroa, Carolina von Koseritz e muitas outras. A partir deste ponto, o jornalista se vale de um recurso bastante comum nos textos críticos encontrados, o de citar totalmente ou em partes comentários de outras fontes. Nesse caso, a citação feita na íntegra é da “excelente revista paulista” América Ilustrada que também, após os costumeiros elogios a “fille du parnasse”, encerra com a transcrição de dois sonetos “arrancados ao acaso” do livro em questão (O Republicano – Cuiabá, 31/07/1898).

As reflexões sobre uma brochura escrita pelo general russo Dragoniroff contra as teorias militares e conclusões filosóficas do romance Guerra e paz, de Tolstoi, que havia sido escrito aproximadamente há trinta anos, resultaram em um pequeno texto crítico pertencente ao mesmo jornal citado anteriormente. O autor da matéria toma partido do romancista russo dizendo que o único mérito da brochura do general foi despertar o desejo de se ler novamente a obra “assombrosamente bela e grandiosa de um dos espíritos mais poderosos deste século” (O Republicano – Cuiabá, 20/09/1896).

De um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, Afonso Celso, a obra escolhida foi Lupe. Como de praxe, o jornalista inicia suas observações alegando incompetência para o exercício da crítica, todavia alega ter sido “a melhor possível a impressão que nos causou a leitura de Lupe, cujo estilo ameno e elegante está ao alcance de todos”. Em seguida, começa a fazer um resumo da história de Guadalupe, uma jovem que perde o pai nos Estados Unidos e volta com a mãe, que fica pobre, a viver modestamente com a família de um tio em Acapulco, no México. Interrompendo abruptamente a síntese, o jornalista alega que, além de não ter espaço suficiente para contar a história inteira, o livro encontra-se à venda na loja de Caetano Galvão e conclui: “Não vão supor que é reclame que fazemos para a venda do livro, não; o nosso fim apenas é indicar o modo de passar-se algumas horas entretido com uma boa leitura”. A negação relacionada ao “reclame” da obra em defesa da boa leitura pode causar um efeito contrário no leitor do jornal, a negação parece se transformar em afirmação, a intenção do redator parece ser também a de vender um livro da casa Caetano Galvão, de Cuiabá, o qual ele provavelmente havia recebido gratuitamente de seu proprietário após dois anos de seu lançamento e cuja primeira edição é de 1894 (O Republicano – Cuiabá, 19/03/1896). Embora alegue que o livro tenha caído em suas mãos “casualmente”, a escolha do crítico de O Republicano reforça a tese da conexão

e da preocupação de Mato Grosso em saber o que vinha ocorrendo ou como eram representados, em obras literárias, países distantes como os Estados Unidos, o México ou mesmo a Rússia, no caso de Guerra e paz.