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Outras consequências das explosões nucleares

Capítulo I: As armas nucleares

I. 6. Outras consequências das explosões nucleares

Consideraremos como “outras consequências”, as consequências psicológicas, sociais, económicas e políticas resultantes da detonação de uma arma nuclear que se fazem sentir muito para além do impacto imediato da explosão. Estas consequências são ainda mal conhecidas e têm sido muito menos estudadas que o impacto directo.

As consequências psicológicas, as consequências no domínio da saúde pública, as consequências económicas e as consequências políticas, internas e externas, ampliarão os efeitos da explosão muito para além do local directamente afectado e atingirão mesmo uma dimensão global. A ordem política mundial mudará, embora seja difícil prever de que forma. Há no entanto, algumas consequências que podemos desde já antecipar, embora de forma imprecisa dada a complexidade da situação, baseados na pouca literatura que começa agora a aparecer (FEMA, 2006, Bartoshuk e

Diamond, 2008, Bunn e Roth, 2017, Jenkins, 2008) sobre “os dias seguintes ao dia seguinte”. Após uma primeira vaga de mortos, vítimas directas da explosão, seguir-se- á uma segunda vaga das vítimas do fallout, o assassino invisível, silencioso e inodoro. Nas zonas envolventes da zona atacada gerar-se-á o pânico, levando à fuga generalizada da cidade, gerando centenas de milhar de deslocados.

O poder político desorganizado e com dificuldade em articular e implementar uma resposta, logo que consiga organizar-se minimamente, concentrará os seus esforços na resposta de urgência às consequências do ataque e na prevenção de novo ataque. Será declarado o estado de excepção, o encerramento das fronteiras e a suspensão de todo o tráfego aéreo e marítimo comercial.

Mas esta desorientação e pânico não serão exclusivos do país alvo. Muitos outros países aliados, amigos ou de qualquer forma afins ao país alvo se sentirão ameaçados. Principalmente, se os terroristas proclamarem ter outras bombas, o que quase de certeza farão, mesmo que de facto depois se venha a verificar ser falso. Depois de explodir uma bomba atómica em Paris, poderão Londres, Berlim ou Estocolmo agir como se nada se passe, mesmo que não haja mais nenhuma ameaça? Mas quando houver, o pânico será generalizado entre as populações dos países ameaçados, directamente ou implicitamente. Com a fuga das pessoas dos grandes centros urbanos assistir-se-á à paragem de quase toda a actividade económica. Os sistemas de saúde serão incapazes de dar resposta, as redes eléctricas serão incapazes de dar resposta às necessidades de energia na zona afectada e nas zonas rurais, que agora estarão sobrepovoadas. Sem electricidade, sem telecomunicações, sem quaisquer garantias, as pessoas quererão dinheiro real e o dinheiro electrónico entrará em colapso. As seguradoras e resseguradoras não terão capacidade para pagar os prejuízos cobertos e falirão7, as bolsas entrarão em colapso e o sistema financeiro

mundial desintegrar-se-á. Indústrias como o turismo, acabam, as cadeias logísticas globais, são paralisadas e o comércio internacional pára, criando desemprego maciço nos países em desenvolvimento. O modelo actual de comércio internacional passa a ser visto como uma fonte de ameaças e é substituído por um modelo assente na

7 As indemnizações relativas ao ataque ao World Trade Center, custaram às seguradoras cerca de 40.000 milhões de USD (Torres, 2004: 33).

autossuficiência de cada Estado. As grandes cidades não terão possibilidade de abastecimento e verificar-se-á o êxodo em massa para as zonas rurais, provocando conflitos entre locais e deslocados, racionamento, fome e o colapso dos sistemas de saneamento básico. Epidemias de doenças associadas a condições sanitárias precárias (cólera, disenteria, tuberculose, etc.) aparecerão e verificar-se-á uma terceira vaga de mortes, afectando as pessoas com doenças crónicas e dependentes de medicação ou de tratamentos diários, devido à ruptura das cadeias logísticas dos medicamentos e do apoio sanitário (hemodiálise, doenças cardíacas, diabetes, cancro, etc., etc.). Ao nível individual, a previsibilidade do futuro, a certeza num amanhã melhor, mais livre e mais seguro desaparecerá. A ansiedade, o medo, a depressão, o stress pós-traumático, o suicídio e outras patologias do foro psicológico e psiquiátrico serão epidémicas. O desemprego será em larga escala, o que, juntamente com as situações precárias de vida, levará ao surgimento de revoltas sociais e à instabilidade política, a confiança no Estado como garante da segurança dos cidadãos será fortemente abalada. Haverá por todos os países uma restrição generalizada dos direitos, liberdades e garantias e, se não exigida pelos cidadãos, pelo menos com a sua aceitação concordante. A vigilância electrónica de tudo e de todos, a reintrodução da pena de morte e a admissibilidade da tortura como técnica de interrogatório, são alguns dos exemplos. O país alvo será fortemente tentado, compelido mesmo, a retaliar se o puder fazer. Essa retaliação será certamente nuclear, caso o país vítima seja um país nuclear. Foi ultrapassado o “tabu nuclear”. Está aberta outra dimensão da conflitualidade internacional. Como teriam reagido os EUA se o 11 de Setembro tivesse sido executado com uma arma nuclear?

Quais as consequências a longo prazo para o país alvo? A FEMA (2006: 1-7 e 1- 8) estima que para uma bomba com 10 Kt a área contaminada andará por volta dos 8.000 km2, dependendo do tipo de bomba, do tipo de explosão e das condições

meteorológicas. Um trabalho de descontaminação para muitos anos ao preço de muitos milhares de milhões de dólares. O tratamento de centenas de milhar de feridos e traumatizados, física e psicologicamente, prolongar-se-á pelas décadas vindouras com custos exorbitantes em cuidados médicos e em perda de “mão de obra” para a economia. O medo de novo ataque perdurará por muitos anos e alterará os conceitos de segurança nacional e de segurança internacional, o conceito de ataque preventivo e o de guerra justa. Entraremos numa nova era das relações internacionais.