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3.2 – Outras histórias sobre a História

Se é moda não sabemos, mas desde o início dos anos noventa uma série de romances resolveram “por o dedo” na História. Parece que estamos querendo apagar um dos tantos mitos atribuídos a nós, povo, o de não possuirmos memória. Em tempos de globalização estamos sentindo a necessidade de registrar nosso passado antes que nos tornemos um mundo “homogêneo”. Mas aí, percebemos que nunca fomos uma nação única, sempre estivemos tão distantes, que as diferenças de classe, raça, cultura, se constrói

a cada quilômetro percorrido. Somos a mistura de todas as inclassificações. Já não somos índio, negro, ou branco, somos uma identidade surrada, violada por séculos amém!

Cruzando o debate finissecular, mais um romance nos chama a atenção: Lealdade (1997) de Márcio Souza, que traz o seguinte subtítulo: “um país morreu para o Brasil nascer”.

A invasão portuguesa, tratada com o ufanismo contemporâneo, ergue-se na ficção por um viés negativo. A história, lapidada pela literatura, questiona a formação de um país e seus “500 anos”. O país que os “europeus” queriam: sangue, mentiras e injustiças. O Brasil é a morte.

Lealdade é o primeiro volume de uma série de quatro sobre a história do Grão-Pará e Rio Negro. Um trabalho de pesquisa minucioso com o intuito de mostrar um Brasil ao Brasil. O enredo é a composição dos anos de 1783 a 1823. Quarenta anos de história são percorridos pela memória onisciente de um personagem-narrador exilado em sua própria terra. A narração homodiegética, salienta Yves Reuter, tem recebido ênfase pelos romancistas contemporâneos no trato dos efeitos do real. Em que, segundo o mesmo autor, “o realismo se desloca da verdade do mundo (‘objetivo’) para a verdade de uma visão (‘subjetiva’) do mundo” (1995, 151). O que é interessante pontuar é que a obra não mantém apenas um discurso sobre o mundo, mas que ela também cria a própria presença nesse mundo (Maingueneau 1995, 19).

O texto parte de fragmentos históricos da época (há no início do romance três textos dos idos de 1823), os quais servirão de apoio à narrativa e serão colocados no tempo presente e narrados em flash-back. É pela ótica de um coronel (agora personagem) que os conflitos do Império e da Colônia serão esmiuçados. A História do Brasil contada a partir de documentos por uma focalização descentralizada (quiçá ex-cêntrica), pois todo o enredo é construído sob o olhar de uma colônia bem ao norte do país.

Brasil continental, compêndio de complexidades, desconhece-se por inteiro:

“− Não sabemos também muita coisa sobre o Brasil.”, blasfema uma personagem. Donde outra sentencia: “− Vamos pagar caro por isso.” (p.176)

Como diria uma canção popular: “Não temos data pra comemorar”, mas festejamos todos os dias. Somos cacos de um império que nunca soube imperar sobre si mesmo, que acabou nos lançando como escudos e hoje nos chama de irmãos.

Na formação de uma identidade, a província sofre todas as sortes de golpes. Ora são os franceses, ora, os brasileiros sob o conselho inglês, ora, os portugueses de el-rei. Longe de se ver livre, Grão-Pará é forçada a fazer parte da imensa nação que se forma. Ou seja, é pelo esquecimento que a região será anexada ao país:

“− Estamos fadados a ser Brasil, é isto. E vamos ter de usar a nossa inteligência para que o Brasil nos receba como iguais.” (p.175)

A sentença proferida pelo cônego Batista Campos, personagem, chamusca o acorde de nação única decantado por grupos dominantes. Não somos iguais, somos a diferença que se quer homogênea no jogo de interesses diversos. Desse compêndio de diferenças, a literatura propõe trazer uma voz “uníssona”, efeito de um grito contido na garganta de todos os brasileiros. A obra se faz uma totalidade, como afirma Lukács, cuja função é dar uma representação às contradições do mundo histórico ‘real’”(apud Maingueneau 1995, 07).

O eu narrativo, à medida que (re)constrói a história, (re)vive o processo de construção da própria identidade:

“... a nossa chegada à adolescência se fazia pelo senso da diferença, de sabermos que pertencíamos a um mundo em que a desigualdade se processava não apenas através da riqueza, mas, muitas vezes, pela cor da pele.” (p.19)

O reconhecimento da desigualdade é ponto fundamental para a tentativa de compreensão do enredo que culmina com um possível entendimento da realidade recuperada fora do texto. Se a identidade é fixada na diferença, fomos sempre alimentados a não aceitar tal diferença, pela mistura das raças. Mas essa mistura, supostamente pacífica, teve a marca dominadora do branco, que sob extermínio das outras raças, condicionou nosso modo de pensar o mundo. Mundo este traduzido na visão do personagem-narrador que no percurso de sua memória vai adquirindo uma certa consciência crítica.

A identidade que se forma no novo continente é descrita da seguinte maneira pela personagem Fernando no seu regresso ao Brasil:

“Achava que se vestiam mal, rotos e andrajosos os pobres, desengonçados os abastados. E me pareciam todos muito baixinhos e escuros, bem diferentes das multidões lisboetas.” (p.51)

A comparação inevitável com a cultura dominante. O tom empregado pela narrativa dá ênfase a superioridade da raça branca. Este é o primeiro choque produzido pela província.

A personagem-narrador deixa-se levar pelo viés embaçado da lembrança para relatar fatos que o mesmo presenciou. (Segundo Umberto Eco, lemos romances porque eles nos oferecem a agradável impressão de habitar mundos em que a noção de verdade é inabalável (apud Sodré 1994, 151)). Mas esse passeio pela memória casa-se com o senso crítico que a narrativa vai imprimindo aos fatos. A história é revivida nos acontecimentos comentados pela ação de personagens que inflam os episódios narrativos como a dar ao conteúdo histórico uma versão mais condizente com a realidade brasileira. O trecho a seguir pode ser tomado como a epopéia de um país, seus descaminhos e frustrações:

“Volto a entregar-me ao arbítrio da memória que, ao tomar-me gentilmente pela mão, deverá conduzir-me ao largo das ilusões e assim regressarei ao passado, ao tempo em que os sonhos de minha geração foram postos à prova, ao instante em que um país entrou em agonia e morreu.

Sim, os países morrem.

Trovões distantes e altas mangueiras sob a ventania de agosto, as mangas maduras caíam no chão, mas as ruas estavam desertas. Encontrávamo-nos à deriva, nas águas de um rio sem nome, onde a dor logo iria substituir o entusiasmo, e o ressentimento seria inoculado de forma tão profunda em nossos corpos, que se confundiria para sempre com a nossa própria seiva. Aqui nunca mais se ousaria falar de razão, ou de honestidade, ou de consciência, e o nosso futuro começava a ser construído com uma estranha liga metálica que unia a mediocridade ao oportunismo. E não poderia ser diferente, porque assim é quando uma nação gora na gema, nem derrotada, nem dominada, simplesmente falhada. E pelos sombrios desvãos dos tempos, aqueles melhores que virão nas alvoradas estarão sempre a sentir o amargo paladar da frustração e nunca encontrarão a paz; os demais sequer nos acusarão. Não seremos mais que lampejos fantasmagóricos de uma derrota repugnante. Uma selva de insanidades políticas com algumas clareiras de sonhos e utopias.” (p.182)

A necessidade da memória se faz pela necessidade de compreensão do momento atual. A memória recorda por um viés negativo, ou será o contrário? Que país é este que entrou em agonia e morreu? Uma referência ao Brasil? É bom lembrar que a história se passa ao norte do Brasil. A tentativa de independência daquela localidade é tolhida pela independência nacional. O enredo engloba quarenta anos de lutas por independência na província do Grão-Pará. O personagem-narrador relata em flash-back os caminhos percorridos pela província até a chegada do ano de 1823 quando da oficialização, naquelas

paragens, da independência do país. A impressão que dá é que o erro brasileiro está justamente em tentar ser uma única nação. Ao mesmo tempo a frase com ênfase afirmativa compondo um único parágrafo deixa-nos a impressão de que a existência de algumas nações depende da morte de outras. Mas não é isso que o capitalismo imprimiu ao mundo, a falência de uns em benefício da opulência de poucos? “Sim, os países morrem”. Porque as identidades morrem, porque para que a cultura dominante sobreviva se faz necessário a extinção da cultura dominada. Daí um país colocado à deriva. A razão, a honestidade, a consciência seriam consumadas pela mediocridade de tantos e pelo oportunismo de uns. O narrador une seu veio profético de onisciência visão ao contexto pessimista contemporâneo: “... uma nação... falhada. ...pelos sombrios desvãos dos tempos...”

Errantes seres pelo vazio dos anos a compor uma pseudo-história, memória retocada por interesses tantos, país de dimensões continentais e mentiras também, vê-se lançado a fantasmagorias tais que nem sonha conhecer-se. A narrativa sentencia catastroficamente, revelando, num tempo atrás (tempo narrativo), as falcatruas disparadas (e por isso banalizadas pelos media) num tempo após (o hoje, que remete a uma realidade fora do textual), mas que, apesar de tudo isso, percebe um pequeno contorno de sonho e utopia. É esse lampejo que remonta à própria construção narrativa retomando a dimensão histórica, sem a qual o pensamento contemporâneo não enfrenta de maneira adequada os problemas que o preocupam, conforme lembra Cândido (1985, p.15). É marchando para trás, no tempo da história (tempo da memória) percorrendo com os passos de personagens tão verossímeis que começamos a colocar um pouco os pontos nos “is” da história “oficial” e da literatura produzida nesta última década do milênio.

Às vezes o narrador parece se tornar coletivo fazendo o papel da própria nação:

“Foi preciso que minha vida perdesse o rumo e me empurrasse até aqui para refazer na memória fatos tão tristes e tão extraordinários − a melancolia de reviver uma tragédia que ficará para sempre em minha lembrança como uma ruína carbonizada. O rumor surdo dos canhões distantes disparando línguas de fogo e fumaça sobre populações inocentes, os petardos explodindo nos casarios cinzentos. Fumaça escura, chamas de incêndios, corpos estraçalhados. Alguma coisa maligna havia se posto em movimento e não desejava mais parar. Mas nada percebíamos. O país enlouquecia em surdina, extravasando as fronteiras das convenções sociais.” (p.86)

A mesma ruína carbonizada que embaça a memória do narrador não esconde o traço firme da narrativa em revivê-la, quem não lembra da “passagem desbotada na memória das nossas novas gerações” decantada por Chico Buarque? Mas quem perdeu o rumo foi toda uma nação. Neste momento, o narrador não é um, mas toda uma coletividade identificada na realidade. A onisciência narrativa eclode no desconhecimento de um povo por sua própria formação. E talvez seja, a proposta do romance: informar51. Se o passado foi construído por pseudo-histórias é tarefa da arte contemporânea inverter o processo: a ficção revela a verossimilhança da fantasmagórica realidade contemporânea. Mas a fantasmagoria do presente se esconde no veio documental do passado? Possivelmente o contato com o passado desmistificado contribui para um presente racionalmente percebido, não num sentido positivista ou determinista do termo, mas numa posição à revelia dos media, responsáveis pela “evasão” da história52.

O próprio título do romance requer uma pequena amostragem. Há a preocupação de fechar o viés da credibilidade dada ao leitor. O que se quer leal é o compromisso do escritor com o texto e do texto com a representação da “realidade” pretendida; o que está em jogo é a possibilidade da ficção abastecer-se de uma realidade verificável no tempo e espaço para gerir ao real não-romanesco contribuições que possam forjar um sentido para esta mesma realidade no presente.

Os efeitos produzidos pela literatura historicista são o de conduzir sentido ao não- sentido da realidade atual tão aclamado pelos adeptos do pós-modernismo. E nessa tentativa de nomear a realidade ouçamos o texto:

“Os índios, no entanto, pareciam pertencer ao grande passado, a uma espécie de sonho histórico formador da futura nação que seríamos. Eram idealizados para que pudessem exprimir os desejos coletivos e formarem a parte essencial de nossa cultura. O problema maior é que os índios não pareciam concordar com a idéia de que eram coisa do passado.” (p.133-134)

Durante muito tempo assistimos ao extermínio de índios e por dois anos passamos a ouvir o tic-tac da Globo em contagem “regressiva” anunciando os quinhentos do país. Só que na festa realizada na Bahia o índio teve vetado sua participação (e claro que este não havia o que comemorar). O tratamento dado ao índio pelo colonizador teve caráter de

51 - Informar no sentido de fazer com que a história do povo não seja esquecida.

adestramento. Tratado como figura “pré-histórica” teve na índia Iracema, a beatificação de uma raça boa até ao paladar, simbolizado como néctar brotando dos lábios. E nós, brasileiros ingênuos, não entendíamos quando esses grupos resolviam atacar nossos irmãos brancos, que os recebiam com armas de fogo empurrando-os mata adentro. Brancos que queriam transformá-los, o quanto antes, num passado seguro. Mas, cerca de 350 mil, resistiram e de alguma forma mostraram aos brasileiros, no último 22 de abril (de 2000), que não havíamos o que comemorar. Recuperaram assim um pouco de nossa memória.

O olhar do narrador não se limita à revelação do passado porque a onisciência narrativa permite ultrapassar os limites temporais:

“E olhei com novos olhos os dois índios, meus companheiros. Sim, meus companheiros. Porque eles também logo serão exilados e estrangeiros nesta terra que já foi o reino de sua raça. Os índios em breve estarão aqui tão deslocados quanto todos nós e já não haverá mais do que a beleza do desespero.” (p.190)

O foco instalado nos idos de 1823 descortina o acontecimento futuro (realidade vivida, hoje, por índios e pela grande maioria da população, identificada fora do texto), denunciando os descasos praticados pela cultura européia no aniquilamento cultural indígena. Aniquilamento da memória, de nossas origens, de nossa identidade. A “beleza do desespero” sentencia a fetichização dada à raça vermelha colocada como manifestação folclórica, de atrativo turístico, mas ao mesmo tempo resquícios de um outro tempo, revelando também o confisco de bens dos verdadeiros senhores dessa terra.

A onisciência do narrador interage com o leitor empírico:

“Se houvesse futuro, se alguém me mandasse uma mensagem assegurando que tal quimera existe, ainda assim a decepção seria maior do que a vertigem. O que foi que fizemos desta terra? Queríamos que ela fosse uma Europa, uma Europa com mormaço e olhos oblíquos, um arremedo de farrapos e pragas, preguiça e luxo. O horizonte do rio não podia ser maior que nossas convenções sociais, nossas roupas e porcelanas, onde os índios, o beiju e os músculos de bronze não seriam mais que uma gentil manifestação de uma bela lembrança a se esgarçar.” (p.190)

O olhar negativo impingido pelo narrador inviabiliza a possibilidade de algum futuro. Depois de viver os acontecimentos confusos, misturados de interesses franceses, ingleses ou mesmo da coroa portuguesa, a personagem-narrador, coronel Fernando, questiona os meios empregados na colonização. É como se, o autor empírico, neste

momento eufórico dos quinhentos anos, refizesse o percurso inverso da história e visse as incoerências praticadas pelo poder dominante. A eurocentrização do mundo desencadeou todo um processo de desidentificação cultural nos países periféricos. É como se dissesse: há o que comemorar? As convenções sociais, o processo de civilização, ironicamente, descivilizou o mundo. Talvez por isso insistimos em não lembrar.

Se o projeto iluminista ofuscou a sobrevivência da agência humana, a desterritorialização promovida pela cultura global consolidou decisivamente o funeral das identidades culturais. A arte de uma maneira geral, e a literatura, em particular, talvez tenha sentido a necessidade de dar contornos mais nítidos ao esfacelamento dos limites espaciais e temporais do poder na atualidade. Mas, os limites de classe, continuam ainda bem delineados apesar do jogo aparente da era do consumo.

Com ênfase no registro, a ficção recria uma realidade possível, encontrada não nas telas de TV, mas no abrir de portas e janelas em que se visualiza o horizonte cotidiano.

Se a história oficial do Brasil é uma grande farsa, há uma vontade latente em desmistificá-la, entender-lhe o significado, achar um sentido ou vários, e é na literatura, no romance em especial, que outros caminhos se abrem à compreensão dos fatos. Se a lógica cultural do capitalismo tardio lida também com o esquecimento do passado, através da criação fatasmagórica da história, encontrar outros caminhos, a partir de várias fontes, (o que em Lealdade é clara é a posição do autor em revelar ao país que há uma história também ao norte do Brasil, com aspectos bem próprios daquela região), é uma tentativa verossímil de dar ao mundo real uma consistência. Baudrillard diz que “no decurso da história o capital se alimentou da desestruturação de todo o referencial, de todo o fim humano, rompeu com todas as distinções ideais do verdadeiro e do falso, do bem e do mal, para estabelecer uma lei radical de equivalências e de trocas. Segundo ele, a realidade foi liquidada pelo valor de uso” (1991, p.33). O que David Lyon diz de outra maneira: “nada está imune aos efeitos corrosivos do capitalismo”, que no fundo é uma referência clara ao “tudo que é sólido se desfaz no ar” de Marx (1998, p.11). Mas, apesar do pessimismo aparente, “um dos objetivos do tecido verbal é colocar mundo diante dos olhos”, como nos lembra Schüler (1989, 11). Ou seja, a geração de mundos é produção de possibilidades.

O romance acaba sendo o lugar onde mundos são criados e entram em conflito, porque geram sempre questionamentos. Vejamos mais um trecho da obra:

“− Isto aqui começou na mentira (...) e na mentira vai viver sempre.”

(p.189)

A afirmação acima se refere a um dos tantos episódios de tentativa de independência do Grão-Pará, frustradas por manobras, no caso, inglesas. O boato de que uma esquadra estaria pronta para invadir a província foi o suficiente para o fim da rebelião. Só que não havia esquadra alguma.

A fantasmagoria da realidade preenche os intervalos da literatura pela falta (que não é falta, mas uma série de possibilidades). Os caminhos inverossímeis do real (que dá “panos pra manga” a Baudrillard para o mesmo afirmar que “ninguém sabe onde começa e onde acaba o real” (1992, 38)) dão crédito ao tecido romanesco. Essa possibilidade plural da realidade fora faz do texto o espaço da experimentação onde o leitor participa vulnerável a todas as experiências (Schüler 1989, 19). E as personagens ao adquirirem a onisciência, consciência futura, como vimos no trecho acima (“e na mentira vai viver sempre”), assumem, apesar da referência externa (a realidade contemporânea), caráter textual.

Para Yves Reuter, no romance histórico, o leitor a medida em que acredita ser testemunha (acreditamos que o termo mais correto seria cúmplice) do fato no momento que este acontece também adquire consciência do mesmo: “isto confere veracidade aos acontecimentos e os torna ‘vivos’.”(1995, p.101). Ou seja, o passado é presentificado preenchendo a ausência (o esquecimento).

Evidentemente, a literatura jamais preencherá todos os vazios, (já que é da natureza da obra ser incompleta, ou melhor, ela é completa na sua imperfeição, conforme Eagleton (1976:51), mas como bem lembra Genette, “a narrativa diz sempre menos do que sabe, mas, freqüentemente, nos faz saber mais do que diz”(apud Reuter 1995:136).

Eagleton afirma que o século XX foi de longe o mais sangrento (1998, p.57) e que as perspectivas se mostram sombrias já que a própria realidade contemporânea depõe contra a esperança. Esse pensamento pouco confortável, que teve seus discípulos durante a guerra fria com o fim da história (fim catastrófico, fim da vida humana na Terra (Vattimo 1996:ix), nos faz retornar a Nietzsche. Já não sofremos a ameaça nuclear, mas nem por isso estamos certos do amanhã. Como diz Gianni Vattimo, Deus morreu, mas o homem não vai muito bem (1996:17).

Segundo Vattimo, “a história contemporânea onde tudo tende a nivelar-se no plano da contemporaneidade e da simultaneidade, produz uma des-historização da experiência” (1996:xvi). Esse entendimento passa pelo pessimismo baudrillardeano em que a inflação de informação acarretou uma deflação de sentido (1991:104). A era das imagens é responsável pelo acúmulo desmedido de informações. Fato este que torna tudo vulnerável, inclusive a história. Mas ainda assim, apesar desse acúmulo, é possível escrevê-la.

O segundo volume – romance Desordem – da tetralogia das crônicas do Grão-Pará e Rio Negro de Márcio Sousa, assim como o primeiro parte de manuscritos históricos para a