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COMPARATIVO SEXUAL DOS INDIVÍDUOS

5.7. Outras informações

De acordo com as medições aplicadas nos crânios doze e doze, pertencentes aos conjuntos IV e V, respectivamente, chegou-se a algumas informações preliminares. Verificou-se fortes possibilidades de ascendência asiática, em cerca de 76% do sul da Ásia e 23% da África Subsaariana para o crânio do esqueleto doze. Já o crânio do esqueleto onze apresentou porcentagens relativas a 60% para a Polinésia e 39% para o Noroeste da Ásia e Ártico. Esses dados, como dito acima, são apenas preliminares, e necessitam de mais embasamento para se chegar a conclusões mais definitivas.

Entretanto, como pode ser observado na literatura acerca do povoamento de Marechal Deodoro, é possível perceber que houve um variado grupo étnico, cujo se locomoveu para a região em questão. Com isso, pode-se afirmar que as medições, de alguma forma, corroboram para tal afirmação. Cabe ressaltar, porém, que são necessários mais resultados acerca das medições e, além dos crânios, seria interessante a análise de outros ossos.

A partir das informações adquiridas ao longo das investigações presentes no atual presente pôde-se chegar a algumas considerações. As diversas patologias dentárias visualizadas pode representar que os indivíduos relacionados possuíam status social baixo devido aos cuidados com a saúde bucal terem sido extremamente negligenciados. Além disso, houve a presença de cribra orbitária em pelo menos dois crânios e a presença de hipoplasia dentária. Essas alterações são comumente associadas a carências alimentares. Segundo diversos autores, citados por Subirà et al (1992, 154), algumas são as etiologias associadas com a cribra orbitária, porém, ao longo do tempo, se tem considerado as

anemias por deficiências como o fator mais provável, sendo as anemias por déficit nutricional as mais relacionadas a essa lesão. Outro fato que corrobora com a hipótese de os indivíduos pertencerem a status social baixos diz respeito aos enterramentos terem sido realizados ao redor das igrejas e não dentro das mesmas.

Concomitante a isso, na época não existiam serviços odontológicos como o que temos atualmente. Segundo a literatura, no Brasil colonial não existia um especialista encarregado de realizar os tratamentos dentários. Vemos, por meio da bibliografia do século XVIII referente à história da odontologia no Brasil, que as pessoas acometidas por patologias dentárias procuravam por si mesmos para amenizar as dores de dente, sendo diversas as formas para tratar as doenças, como benzeduras, rezas e remédios caseiros. Em última instância, em momentos mais críticos, elas recorriam à famosa figura do tira-dentes (PEREIRA, 2012, p. 148-149). Isso pode estar associado ao fato observado no trabalho em que alguns indivíduos jovens, menos de cinquenta anos, possuírem perdas dentárias ante- mortem, ou seja, possivelmente existiu a necessidade de recorrer a esse último recurso.

Embora essas patologias tenham sido associadas à má higiene é importante ter em mente que, muitas vezes, essas doenças têm influências de fatores genéticos, costumes sociais e sistema imunológico comprometido, ou até mesmo estão associadas com outras doenças. Segundo Almeida et al (2006, p. 381), a diabetes mellitus, por exemplo, é muito associada com a periodontite, sendo que as pessoas que têm esse tipo de diabetes possuem uma maior prevalência em adquirir a referida doença dentária.

Vários dentes desgastados foram observados , indo estes dos mais leves até os mais severos em que é possível visualizar o canal pulpar. Os desgastes foram mais severos nos dentes dos indivíduos com idade mais avançada. Para Araújo (1996), citada por Wasterlain (2006, p. 63), existem fortes indícios que os desgastes dentários aumentam progressivamente à medida que as pessoas envelhecem. Ou seja, à medida que envelhecemos e com o uso constante dos dentes, sejam para fins alimentares, extramastigatórios, aspectos relacionados a desordens funcionais como o bruxismo, ação de substâncias ácidas sobre os dentes, os desgastes tendem a ser intensificarem ao longo dos anos.

Dos destes acometidos pelos desgastes foi observado maior predominância entre os molares e pré-molares. Em alguns casos, houve também a presença de grande desgaste nos

dentes anteriores. Os caninos não representaram grande índice de desgaste, sendo estes menos requisitados, quando comparados com os demais. Esses desgastes indicam uma alimentação baseada em alimentos que requeriam maior esforço dentário.

Em relação às alterações intencionais dos dentes observados nos esqueletos 12 e 11 dos conjuntos IV e V, respectivamente. Foi observado que, embora os dentes possuam algumas particularidades quanto a suas extremidades, ambos apresentam formatos triangulares. As alterações nesses formatos são descritos na literatura como “dentes de piranha” e geralmente são produzidos nos incisivos. Segundo Santos (1962 apud MACHADO, 2006, p. 9), as alterações eram iniciadas em indivíduos de 14 a 20 anos. Certos grupos Bantu, por exemplo, começam a modificar os dentes entre quinze e dezesseis anos de idade. O indivíduo 11, por ser jovem, corrobora com essas afirmações presentes na literatura, ou seja, as modificações não eram realizadas apenas em adultos.

Um fato curioso é o fato de o indivíduo 12 apresentar modificação intencional o segundo molar inferior direito. As modificações dentárias, por si só, já são algo aparentemente difíceis de realizar, ainda mais em pessoas ainda vivas. Levantou-se a hipótese de a alteração ter sido realizada com perda dos dentes adjacentes, sendo estes retirados para tal ou apenas consequências de má higiene bucal. Essa alteração pode ter sido resultado de alguma representatividade étnica específica, porém, não é possível, no atual momento, afirmar sobre.

À respeito da anomalia craniana correspondente ao esqueleto 12, do conjunto IV, é notável a assimetria presente no lado esquerdo do crânio quando comparado com o lado direito. Diante das observações foi levantada a hipótese de se tratar de uma anomalia denominada plagiocefalia. Esta anomalia é uma sinostose unilateral da sutura coronal, e uma das suas características é a testa assimétrica e achatada, deformações nasais e orbitárias. Geralmente não existem sinais de hipertensão intracraniana, logo, não há urgências neurocirúrgicas, entretanto, há casos em que há o aparecimento de hipertensão (SANTOS, 2010, p. 22). Não se pode afirmar se o esqueleto realmente possuía essa anomalia em específico, mas pode-se inferir que ela não levou a uma morte imediata,

Com exceção das fraturas ocasionadas ainda em vida, várias fraturas analisadas estavam associadas aos fatores tafonômicos. Alguns ossos tiveram um grau maior de preservação, como os ossos do esqueleto apendicular, contudo, alguns ossos do crânio,

vértebras, muitas vezes, possuíam mais quebras. Os dentes, como são mais duros e resistentes, apresentaram uma conservação boa, geralmente observados inteiros. Muitos ossos apresentavam várias quebras e estavam extremamente frágeis, o que tornou o processo de limpeza muito difícil.

Com base nas fraturas ante-mortem encontradas acredita-se que o grupo em questão vivia de forma pacífica, sem muitos conflitos, ou seja, uma sociedade que não se envolvia em embates específicos. A fratura localizada na ulna direita, por possuir calo ósseo de pequeno diâmetro, sugere ter sido uma fratura de baixo impacto. Segundo Adams (1976, p. 13) os calos ósseos pequenos geralmente apresentam essa característica devido os fragmentos ósseos terem permanecido em posição anatômica e/ou quando os procedimentos cirúrgicos foram bem executados. Ou seja, a fratura na ulna apresenta características semelhantes, cujas contribuem para tal afirmação. Em relação ao local onde se encontra o trauma, na porção distal, segundo vários autores, citados por Lessa (2004, p. 290) as fraturas causadas nas porções distais e médias nas ulnas ocorrem frequentemente devido à elevação do antebraço em defesa frente a algum golpe. Porém, como no caso analisado neste trabalho não houve a presença de outras fraturas no mesmo indivíduo tem- se em conta se tratar de apenas uma lesão acidental.

A lesão na falange da mão, bem como alguns estresses mecânicos presentes em alguns ossos, pode significar que esses indivíduos faziam atividades/trabalhos que exigiam muito esforço físico da parte deles.

Vários ossos possuem modificações tafonômicas, além dos aspectos ambientais do sítio em que os materiais ósseos foram escavados, aspectos antrópicos também influenciaram. Primeiramente, o solo da área é composto por grande quantidade de material orgânico e o clima da região é dividido em períodos chuvosos e secos, isso aumenta a quantidade de microrganismos no ambiente, o que interfere muito na conservação dos ossos. As interferências antrópicas também fizeram parte das modificações nos ossos, como o plantio de árvores, construções de estruturas, entre outros.

Na sepultura 2 do conjunto IV há fragmentos ósseos esverdeados, o que é comumente associada com metais. A mudança da coloração dos ossos ocorre devido à impregnação destes em contato com diferentes substâncias que entraram em contato com eles. O mais usual é que tomem a cor do sedimento em que estavam enterrados. É frequente

também encontrar ossos com manchas verdes, e isso deve-se aos depósitos de sais de cobre sobre a superfície. Os compostos de cobre, muitas vezes, contribuem para a boa conservação dos restos ósseos (BOTELLA, 1999, p. 194-198).

A presença de raízes foi confirmada como fator de interferência da conservação do material ósseo, não só pela descrição do ambiente e escavação do sítio descritas no relatório sobre Marechal Deodoro, como também pela evidência delas nas sepulturas, algumas até mesmo presentes no interior de alguns ossos longos. Para Botella (1999, p. 207-209) as raízes representam um grande problema para a conservação dos restos esqueléticos e causam, muitas vezes, danos irreversíveis. As raízes agem de duas formas: por efeito físico e por efeito químico. O efeito físico é resultado do crescimento dos vegetais e, na medida em que suas raízes crescem, penetram nos ossos através de seus orifícios. Uma vez que ocorra o engrossamento progressivo das raízes os ossos expostos acabam se rompendo.

6. Conclusões

Através das informações contidas neste relatório é possível perceber o potencial informativo que o sítio Largo da Matriz representa para o conhecimento da sociedade pertencente àquela época na região. Tem-se em conta que, apesar dos dados obtidos, o material proveniente do sítio ainda possui uma riqueza que pode, e deve, ser explorada, não só em análises referentes aos remanescentes humanos, como naqueles materiais ósseos não humanos e os vestígios botânicos. Além, é claro, das informações que podem ser tiradas dos vestígios cerâmicos e líticos. Por meio das análises em diferentes remanescentes é possível um maior conhecimento do modo de vida da população, bem como da relação dos grupos de Marechal com grupos vizinhos, além da relação com o meio ambiente.

Contudo, com as informações trazidas pode-se perceber uma predominância de patologias dentárias, além de alterações influenciadas por carências alimentares. Com isso, e por meio da evidenciação dos esqueletos ao redor das igrejas, pode-se inferir que o grupo estudado pertencia a um status social baixo. Não só isso, mas a presença de sinais de estrsse mecânico em alguns ossos do braço, e processos degenerativos em ossos das mãos e dos pés encontrado em algumas sepulturas, reforça tal afirmação, além de que essas características observadas podem representar que os indivíduos acometidos pelos estresses mecânicos e os processos degenerativos realizam trabalhos, cujos exigiam muito esforço físico.

Em relação à predominância de indivíduos do sexo masculino e adultos não se chegou a uma explicação. Entretanto, o fato de não ter sido possível o diagnóstico sexual e etário em alguns indivíduos não permite o levantamento de determinada hipótese. Pode- se afirmar que, como os indivíduos adultos e infantis, bem como os homens e as mulheres, foram escavados em locais iguais, diferenciando cada conjunto, os locais de sepultamentos não possuíam distinção nesses aspectos.

Em relação ao modo de vida do grupo analisado é possível observar certa preferência por uma alimentação que, apesar da falta de certos nutrientes, observado por meio da hipoplasia e cribra orbitária, exigia muito da dentição dos indivíduos. Os desgastes foram encontrados com maior proporção nos esqueletos identificados como adultos, sendo estes que geralmente tinham desgastes severos. Assim, observou-se a relação dos desgastes também com a faixa etária, em que quanto mais um indivíduo envelhece maior o desgaste nos dentes. Entretanto, cabe salientar, que isso não é uma regra, o que foi afirmado é referente ao grupo analisado neste trabalho.

Com base nas fraturas ante-mortem encontradas infere-se que as mesmas não foram provocadas por forte impacto devido às mesmas não possuírem calos ósseos grandes e/ou as lesões foram amenizadas com os procedimentos médicos realizados. A ausência de fraturas peri-mortem pode indicar se tratar de uma sociedade, ou grupo, pacífico, sem embates intra e intergrupais. Parecem se tratar de fraturas acidentais, talvez, entre outras causas, podem ter relação com alguma atividade/trabalho já que houve alguns casos de estresse mecânico no material.

Em relação às modificações dentárias e suas particularidades mínimas nas extremidades de cada dente pode ser que os indivíduos que as tinham pertenciam a grupos étnicos diferentes. Porém, não se chegou ainda a uma resposta efetiva sobre. Mesmo com as medições realizadas em um dos crânios que possuem a alteração dentária, referente ao indivíduo 12 (conjunto IV), é necessário mais análises a respeito. Levantou-se a hipótese, porém, de a alteração realizada neste esqueleto presente no segundo molar inferior direito ter influências asiáticas, isso de deve devido às observações métricas no crânio. Sobre a outra alteração aplicada no incisivo central superior pode se tratar de influências africanas, já que, segundo a literatura sobre o tema, geralmente essas alterações pontiagudas nos incisivos são associadas a determinados grupos étnicos africanos.

Com relação à fragmentação do acervo ósseo pode-se dizer que, apesar dos processos tafonômicos que o acometeu, o material ósseo se encontra com uma conservação moderada. A conservação dos ossos está, principalmente, relacionada com os fatores tafonômicos extrínsecos, fato associado à grande interferência ambiental e antrópica na área.

Com isso, este trabalho objetiva contribuir de forma significativa para as pesquisas arqueológicas acerca da sociedade de Marechal Deodoro, referentes aos séculos XVIII e XIX. Apesar disso, reforçar a importância que o acervo ósseo possui para futuras pesquisas, tanto para as análises em remanescentes humanos quanto de outra origem, e com diferentes materiais.

7. Perspectivas

Espera-se que o presente trabalho contribua de forma satisfatória para as pesquisas arqueológicas, e de outras áreas afins, na região Nordeste do Brasil, bem como para outros estados do país. Os dados aqui presentes provou um potencial informativo a respeito da população de Marechal Deodoro, porém, o material ainda possui uma riqueza de informações pertinentes.

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