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Outras observações

No documento JEFERSON DO NASCIMENTO MACHADO (páginas 90-93)

Devemos acrescentar que este sistema de símbolos que marcam as diferenças e expressam a pluralidade identitárias do campo da Capoeira (diferença entre grupos e entre capoeiristas), não é algo recente, outrossim, são continuidades de elementos da Capoeira clássica, ou se não são uma continuidade, pelo menos se alicerçam em certo olhar para o passado, que pode ser idealizado ou não. Vale apontar que Rego (1968) não atesta que os capoeiristas usassem marcas distintivas, logo que para ele “sendo a Capoeira, assim como o Capoeira considerados coisas marginais, jamais poderia existir algo que facilmente fosse identificado pela polícia, que dormia e acordava no calcanhar dos Capoeiras” (REGO, 1968, p.73). Todavia as pesquisas mais recentes, como as de Soares (2004, p. 91), apontam que as nações e maltas de Capoeira, presentes no século XIX, possuíam marcas distintivas, as quais variavam do uso de fitas coloridas (amarelo, amarelo e vermelho, vermelho, de cores etc), chapéus coloridos ou modelo de chapéu (boné, barrete, chapéu com alfinetes, chapéu com pena etc).

Mestre Bimba, quando formava um aluno, costumava dar uma medalha com lenço azul de seda e, posteriormente, tinham que fazer duas especializações. Ao terminar a primeira especialização, o aluno recebia um lenço vermelho e, na segunda vez, recebia um lenço amarelo. Depois mais, quando o capoeirista estava para se tornava Mestre ele recebia o lenço branco (PAIVA,2007). Por último, “[...] em vez do lenço, adotam cordas ou cordões amarrados na cintura” (PAIVA, 2007, p. 73), que permanecem até hoje.

No ano de 1989, as graduações se apresentavam de duas formas: Graduação dos Orixás ‒ formada pelas cores azul, amarela, marrom, verde, roxa, vermelha e branca ‒ e a Graduação da Bandeira do Brasil, formada pelas respectivas cores da bandeira. O primeiro sistema de graduação está vinculado a uma afirmação da Capoeira enquanto cultura africana. O segundo sistema já materializa o discurso da Capoeira nacional. Inicialmente, a graduação mais usada era a Graduação dos Orixás, mas, depois, ela começou a perder espaço para a Graduação Bandeira do Brasil (PAIVA, 2007).

Mais tarde, as cores da bandeira são adotadas como padrão pela Federação Brasileira de Capoeira. Entre os grupos vigentes em Ponta Grossa, nota-se que as cores da bandeira são mais usadas. Todavia, o grupo Muzenza ainda mantém o uso das cores dos Orixás que se entrelaçam como as cores da bandeira.

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As trocas de cordas ocorrem, de modo geral, nos batizados. Os chamados batizados são os momentos de consagrações e institucionalização das diferenças. Uma corda só vale se ela foi conseguida mediante este rito (PAIVA, 2007). Em suma, não basta fazer uma corda e colocar na cintura, pois se não existiu batizado, não houve validação de nenhum Mestre ou da comunidade da Capoeira.

Apesar de existirem diferenças entre os grupos, também é notável que há certas aproximações simbólicas. Se aceitarmos a ideia de que esses grupos nasceram dentro de um campo social, com relativa autonomia, podemos compreender que essas aproximações simbólicas são aspectos do ajustamento dos grupos, enquanto ponto singular, dentro do jogo do campo. Em outras palavras, a singularidade, a diferença é estabelecida dentro dos limites impostos pelo próprio campo.

Desse modo, notamos que o berimbau, que aparece nos brasões da ACAPRAS, Muzenza e Guerreiros dos Palmares, são parte deste ajustamento. Quando esses grupos foram criados, já havia um certo consenso sobre a representatividade simbólica do berimbau. Dessa forma, colocar o berimbau como parte do brasão, contribuía para uma aceitação mais rápida do grupo ao campo já constituído.

Os grupos que possuem o berimbau nos seus brasões são grupos criados durante os anos setenta (Muzenza), oitenta (ACAPRAS) e noventa (Guerreiro dos Palmares), o que nos leva a pensar que, durante as três décadas, o berimbau era um elemento simbólico preponderante no campo da Capoeira.

Claro, devemos ressaltar que o grupo ABADÁ, criado na década de 80, não trazia o berimbau no seu brasão. No entanto, vemos que o grupo Gospel de Ponta Grossa comunga com o brasão da ABADÁ, logo, tanto um como outro tem como parte de seu brasão o globo terrestre.

Em compensação, o grupo IIê de Bamba, criado em 2014, não utilizou o berimbau como parte do brasão. Ali o que prepondera é a bandeira do Brasil e dois homens sem camisa jogando Capoeira, o que aponta para outras questões. Notamos, por exemplo, a presença de um nacionalismo, representado na bandeira. Os dois homens jogando, de alguma maneira, representam o campo da Capoeira na sua dimensão masculinizada.

Se por outro lado, notamos o nacionalismo, presente no grupo de 2014, não significa que ele fosse inexistente nos grupos anteriores. Por exemplo, se olharmos para as graduações, praticamente todas (salvo o grupo Muzenza) utilizam as cores da bandeira para diferenciar os níveis (verde, amarelo, azul e branco).

Outros elementos são ajustes dos grupos ao campo, trata-se da própria estrutura, que servem como marcas identitárias de cada academia. Por exemplo, as graduações possuem

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algumas diferenças no que diz respeito à sequência das cores, mas, por outro lado, todos os grupos adotam algum tipo de classificação dos capoeiristas. Em suma, a estrutura hierárquica (aluno, professor e Mestre) é parte fundamental, que deve ser aceito, ficando a critério os sistemas de classificação (que mesmo assim, segue certos parâmetros). As regras de condutas também, apesar de possuírem aspectos diferenciados, são partes que não há como não tê-las.

Ainda, acerca das graduações, devemos acrescentar que o número de cordas, além da classificação, também estão relacionadas a elementos de ordem econômica. Os batizados, algumas vezes, são formas de arrecadar dinheiros para a academia. Desta forma, podemos apontar que as variações no número de cordas possuem relação com os valores arrecadados. Partindo deste ponto, entendemos o porquê da academia ACAPRAS possuir menos cordas. Pois sendo este grupo crítico da comercialização da prática, defendendo ensino voluntário, não teria outro fundamento para as cordas se não a da classificação. Já grupos como o Muzenza, que possuem um outro entendimento acerca da Capoeira, no que toca a questão de ordem econômica, possuem uma graduação mais extensa.

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III CAPÍTULO

A TRAJETÓRIA DA CAPOEIRA PONTAGROSSENSE

No documento JEFERSON DO NASCIMENTO MACHADO (páginas 90-93)