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Quebra Gereba e a roda 1998

No documento JEFERSON DO NASCIMENTO MACHADO (páginas 101-103)

3.2. Disputas, encontros e desencontros na Capoeira pontagrossense

3.2.1. Quebra Gereba e a roda 1998

Quando um jogo esquenta, quando a roda ganhar uma aura mais violenta ou chega algum rival do grupo, a cantiga “quebra gereba” é evocada. Conforme aponta Rego, Gereba é

nome próprio. Teodoro Sampaio registra como corrutela de yereba, o gigante, o que volteia, bem como o nome dado ao urubu-rei, grande voador. Designa nome de aguardente na Bahia. Laudelino Freire e Figueiredo dão com a acepção de indivíduo desajeitado e gingão. Entretanto, na cantiga [...] está como apelido de tipos populares. Quando garoto, conheci um dêsses tipos com o apelido de Gereba, que a meninada sempre importunava, gritando: Gereba!… Quebra Gereba! (REGO, 1968, p. 174)

Essa cantiga é cantada em um ritmo ascendente (cada vez mais rápido, com a intensa repetição da frase “quebra gereba”), inflando ainda mais os ânimos.

Para Mestre Polaco (2018), a “rivalidade sempre existiu, mas isso é mais por conta dos alunos, ou de outros professores que, às vezes, queriam confrontar com a Muzenza”, pois “[...]o aluno sempre quer provar que ele é o melhor, que o seu grupo é o melhor [...]”, no entanto, Mestre Polaco (2018) lembra que essa rivalidade aparece somente nas rodas abertas, pois, quando se trata de “fazer apresentação numa escola... a apresentação é o espetáculo em si” e acaba existindo um consenso sobre deixar fluir mais, no sentido de espetáculo, para o público, pois o conflito “não é legal pra quem está assistindo”. Aqui, é interessante apontarmos o caráter diversificado das rodas de Capoeira, porque, de acordo com o espaço, a roda ganha dimensões diferenciadas. Uma roda na academia, outra na rua ou uma apresentação, possui funções distintas e, portanto, também é distinta a sua forma.

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Ao questionarmos o Contramestre Dengue, acerca das rodas de Capoeira que foram marcantes, ele relatou que existem muitas rodas marcantes. Todavia, existe uma roda em especial, que ocorreu no ano de 1998, e, segundo ele, seria um divisor de águas. Essa roda foi realizada com o intuito de resolver uma rivalidade da academia ACAPRAS com o grupo Muzenza que, conforme Dengue, havia invadido algumas academias da ACAPRAS e provocava membros do grupo, quando os encontrava na rua. Essa rivalidade ocorreu de forma semelhante aos conflitos entre Mestre Lampião e Fran na cidade de Londrina (CALDAS, 2012) ou entre ACAPRAS e Salve Brasil, no munícipio de Imbituva. Nas palavras do Contramestre:

[...] Então, 1998, como eu te falei, a gente estava migrando da supervisão do Mestre Valdeci para o Mestre Silveira. Então nesse período a Muzenza era muito grande. O nome Muzenza era muito... tanto que o Mestre Valdeci não tinha tanto, não vou usar o termo medo, mas ele não tinha tanta autonomia para debater com a Muzenza e acabou que a Muzenza ia nas rodas e acabava mesmo. Eles não batiam, mas eles pegavam o berimbau e daí para não dar tumulto em público paravam o evento. [...] (CONTRAMESTRE DENGUE, 2019)

Apesar do Contramestre falar que eles não batiam, o auge disso foi mais violento e um aluno da Muzenza, de nome Binho e outros alunos maiores, invadiram uma das academias da ACAPRAS e “bateram em todo mundo”. Como relata:

[...] Então no ano de 97, 98, tinha em Ponta Grossa um cara chamado Binho, que era um aluno representante da Muzenza. Ele era instrutor. E o Buda, esse que já faleceu, que era da ACARPAS, dava aula na 31 de Março. O Binho, junto de outros alunos maiores, foram lá na 31 de Março, na academia do Buda onde tinha a maioria de crianças e bateram em todo mundo, inclusive no professor, [...] Em função dessa invasão, como nós já estávamos sendo supervisionados pelo Mestre Silveira, o Mestre Silveira falou para formarmos uma roda em Ponta Grossa. Só que veio um ônibus cheio de capoeiristas para Ponta Grossa, numa roda pública no parque ambiental. E aí o pessoal da Muzenza foi a última vez que entraram em uma roda da ACAPRAS. Foi a última vez. De lá para cá, um ou outro joga, mas dizer que eles vieram num evento da ACAPRAS, da Ilê de Bamba, do ABADÁ e bagunçaram, foi a última vez [...] (CONTRAMESTRE DENGUE, 2019).

Essa roda foi organizada pela ACAPRAS e contou com todos os Mestres do grupo e diversos alunos e professores de Curitiba. A roda foi realizada no Parque da cidade. Eles fizeram um convide por escrito. Contramestre Dengue foi o responsável por levar o convite ao Mestre Polaco, em sua academia. Mestre Polaco aceitou o desafio e, no dia marcado, se encontraram. A roda foi muito violenta, como narra Dengue. Muitos ficaram lesionados, mas para ele, essa roda foi importante, pois, a partir dali, passou a existir mais respeito entre os grupos e as invasões deixaram de acontecer. Essa roda contou com a presença de vários

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Mestres: “[...] Estava o Mestre Silveira, estava o Mestre Paulo, estava o Mestre Olímpio, estava o Mestre Marcinho, estava eu, estava o Fábio, estava o Chico, estava o Buda, estava o Ligeirinho, estava o Carateca [...]” (CONTRAMESTRE DENGUE, 2019).

Apesar de Dengue considerar que, a partir da roda de 1998, os conflitos acabaram, ainda podemos encontrar, na memória de alguns capoeiristas, uma roda posterior (ano de 2000) onde os dois grupos se confrontaram novamente. Esta roda está presente na memória dos capoeiristas imbituvenses. No entender do professor Josni,

[...] quando eu estava com o Magrão, fomos em um evento em Ponta Grossa. Ainda era o Contramestre Fábio Galvão que estava na ACAPRAS. A gente foi no evento que teve uma roda no calçadão. [...] era roda de rua, só que era só da ACAPRAS [...] Ah! de repente começou a aparecer camiseta vermelha lá...chegou, se não me engano, o Montanha e mais um que não sei quem era. E pediram para o Fábio pra jogar. E o Fábio permitiu. Mais logo que chegaram esses dois, foi começando a aparecer camisetas vermelhas, camiseta preta. De repente, só tinha Muzenza dentro da roda. Até o Magrão depois quis questionar nós por que que não tínhamos entrado na roda.

Interessante notar que o grupo não entrou sem permissão. Houve um pedido para jogar. Quando isso ocorreu, foram chegando mais capoeiristas do grupo Muzenza e “de repente, só tinha Muzenza”. Jeverson Santana, outro capoeirista de Imbituva, também lembra dessa roda:

Você veja, a gente sai daqui e pensa que não tem rivalidade nenhuma. Eu nem sabia que tinha rivalidade com a Muzenza. Chega lá e tal, jogando normalmente e, de repente, chega aquela muvuca de gente, já chegam e vão entrando na roda [...] ali foi tenso [...] estava com uma galera boa, senão iríamos apanhar feio [...] (SANTANA, 2015)

Se para Dengue a roda de 1998 foi a roda mais marcante, para os capoeiristas de Imbituva foi essa roda de 2000. Eu mesmo, autor desta pesquisa, participei dessa roda. Foi uma roda, à noite, e, realmente, teve esse enfrentamento no Calçadão. Ainda hoje, mesmo aqueles que não participaram dessa roda costumam narrar como se lá estivessem, o que mostra o impacto dela e a produção de certa memória compartilhada (PORTELLI, 2010). De tal modo, podemos apontar que os conflitos entre Muzenza e ACAPRAS fizeram eco, posteriormente ao ano de 1998, ou pelo menos existiu mais essa roda violenta.

No documento JEFERSON DO NASCIMENTO MACHADO (páginas 101-103)