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1.3 Diferentes perspectivas na definição de atenção conjunta

1.3.3 Outras perspectivas sobre a atenção conjunta

Além dos trabalhos mencionados anteriormente, como Bruner (1975; 1983) e Tomasello (1995; 2003; 2005; 2011), outras definições atribuídas ao termo atenção conjunta têm sido discutidas e reformuladas ao longo dos anos. Butterworth (1995), por exemplo, define atenção conjunta como comportamentos em que um sujeito olha e segue o olhar do outro ou olha na mesma direção em que o outro está olhando. O autor destaca o papel do adulto dentro da interação ou comportamento de atenção conjunta quando acrescenta que “o adulto assume a responsabilidade pela atenção conjunta ao monitorar o olhar do infante e trazer sua própria atenção ao mesmo foco”7

(BUTTERWORTH, 1995, p. 30).

Desse modo, o monitoramento do olhar infantil realizado pelo adulto define o sucesso do engajamento da criança em situações de atenção conjunta com este adulto. A capacidade de monitoramento do foco da atenção, entretanto, não está restrita ao adulto, uma vez que o autor enfatiza que também o infante deve ser capaz de exercer tal monitoramento. Porém, para que a capacidade de estabelecimento de uma cena de

7 Tradução nossa para “the adult took responsibility for joint attention by monitoring the infant’s gaze and

atenção conjunta seja recíproca, a criança precisa desenvolver rotinas interativas em que sejam vivenciadas experiências de engajamento visual.

Butterworth (1995) utiliza ainda o que ele chama de três mecanismos para explicar a atenção conjunta. Apontado como ecológico, no primeiro mecanismo, o adulto orienta o olhar do bebê para uma determinada direção. Já no segundo mecanismo, o mecanismo geométrico, o próprio bebê apresenta a capacidade de localizar o olhar do adulto e direcionar seu olhar para onde o adulto está olhando. O terceiro mecanismo, ou mecanismo representacional espacial, é estabelecido quando o bebê controla a atenção visual conjunta através de movimentos realizados pelo adulto com a cabeça e os olhos.

Outro estudo que se debruça sobre a atenção conjunta é o de Eilan (2005). Diferentemente de como Butterworth (2005) discute o termo, a autora parte da observação de como os bebês utilizam o olhar nas primeiras interações e inicia seu trabalho com a consideração de três momentos básicos que caracterizam a forma de olhar dos bebês. Aos quatro meses, a criança tende a olhar para seus “cuidadores”8,

começando, um mês depois, a olhar para objetos. Entre os seis e nove meses, a criança começa a demonstrar a capacidade para intercalar o olhar entre o adulto e um dado objeto. Já entre os dez e doze meses, as crianças começam a acompanhar o olhar do outro, principalmente através do gesto de apontar. O terceiro momento é destacado pela autora como mais elaborado que os anteriores e ela relaciona-o à emergência do “fenômeno da referência social” (EILAN, 2005, p. 6).

No que diz respeito ao estudo da atenção conjunta, a autora diz que o referido fenômeno começa a se manifestar por volta dos doze meses de idade do bebê, e define-o como um evento em que dois ou mais sujeitos prestam atenção conjuntamente a um mesmo objeto. Para que a atenção conjunta se estabeleça, a autora lista quatro princípios básicos: 1) a existência de um objeto ao qual cada um dos sujeitos esteja prestando atenção; 2) uma causa que conecte os dois sujeitos ao objeto foco; 3) a compreensão mútua da concepção de atenção pelos dois sujeitos; e 4) o entendimento pelos dois sujeitos de que o objeto é foco do olhar dos dois e de que ambos os sujeitos estão prestando atenção a esse objeto (EILAN, 2005, p. 7).

Percebemos que a autora descreve, através das quatro condições para o estabelecimento da atenção conjunta, a forma como a cena de atenção conjunta é composta. Essa descrição parte da simples existência de algo para o qual os olhares dos sujeitos em interação vão se dirigir e atinge um ponto em comum com a teoria de Tomasello (2003), ao destacar a importância do entendimento mútuo pelos dois sujeitos inseridos na cena de atenção conjunta de que eles estão prestando atenção a um mesmo objeto.

Eilan (2005) também se aproxima das considerações de Bruner (1975; 1983) quando afirma que a atenção conjunta possibilita o processo de aprendizagem linguística, no sentido estrutural, através do estabelecimento da referência.

Retomando a noção já expressa no trabalho de Tomasello (2003) sobre a necessidade de que ambos os sujeitos envolvidos na atenção conjunta percebam a atenção um do outro, Peacocke (2005, p. 298) inicia sua discussão sobre o termo enfatizando que “a atenção conjunta envolve mais que dois sujeitos olhando para o mesmo objeto”. Nesse sentido, o autor traz a ideia de “full joint attention”, atenção conjunta plenamente desenvolvida, para defender que o processo de atenção conjunta só está completo se ambos os sujeitos envolvidos na cena compreenderem que estão prestando atenção ao mesmo objeto.

O autor também acrescenta que as noções de atenção e percepção se apresentam como necessárias para o estabelecimento da atenção conjunta. A atenção está presente no sentido em que os sujeitos dirigem a atenção a um determinado objeto. Já com relação à percepção, percebemos que esta noção psicológica se enquadra na necessidade de os dois sujeitos perceberem a percepção um do outro acerca do objeto. Ou seja, a percepção torna-se fundamental para que a atenção conjunta, conforme descreve o pesquisador, se estabeleça.

Em trabalhos mais recentes, podemos destacar a perspectiva da psicologia cognitiva discutida por Aquino e Salomão (2009, p. 233), que definem atenção conjunta como “uma habilidade sociocognitiva fundamental para o desenvolvimento da criança e da linguagem” e mostram que, apesar de vários teóricos discutirem o termo muitas vezes através de linhas de pensamento divergentes, há um consenso final de que a atenção conjunta se posiciona como base da cognição social e da aquisição da linguagem.

Outra pesquisa que se volta ao estudo da atenção conjunta é a de Ávila-Nobrega (2010). Ao realizar um estudo sobre a composição multimodal das primeiras interações da criança, ou seja, as interações nas quais ocorre uma mescla de produções gestuais, produções verbais e o olhar, o autor destaca que as cenas de atenção conjunta são instâncias privilegiadas para que tal composição multimodal seja observada.

Com isso, percebemos que, embora apresentem posicionamentos divergentes, as perspectivas discutidas neste tópico contemplam dois pontos que consideramos muito importantes dentro da discussão sobre a atenção conjunta.

O primeiro, conforme salienta Butterworth (1995) ao introduzir a noção de atenção conjunta através de três mecanismos (ecológico, geométrico e representacional espacial), é a passagem do controle sobre o estabelecimento da atenção conjunta do adulto para a criança. Esse fato nos faz perceber que a atenção conjunta apresenta um caráter contínuo, no qual a criança passa, ao longo do tempo, a se inserir cada vez mais nas cenas de atenção conjunta a ponto de se tornar o sujeito que inicia a atividade conjunta.

O segundo ponto que enxergamos como importante diz respeito à necessidade discutida por Eilan (2005) e Peacocke (2005) de que haja reconhecimento por parte dos sujeitos envolvidos na cena sobre a atenção conjunta que estão a estabelecer em função de um objeto, para que haja de fato o estabelecimento da atenção. Desse modo, percebemos também a importância que o estabelecimento da atividade conjunta tem na vida da criança, pois ao se inserir em cenas de atenção conjunta, o bebê começa a demonstrar a capacidade para a ritualização de rotinas interativas cada vez mais complexas com seus interlocutores.

Tendo apresentado algumas perspectivas que norteiam os estudos sobre atenção conjunta, destacaremos, a seguir, o papel da cultura na construção da atenção conjunta, com o intuito de compreender como fatores culturais podem estar relacionados a este processo.