• Nenhum resultado encontrado

As oficinas 4, 5 e 6, embora tenham sido trabalhadas em dias diferentes e apresentem objetivos e estratégias diversos, referem-se ao mesmo grupo temático

Outro. Assim, o agrupamento dessas categorias se justifica por possuírem um caráter retroativo e complementar entre elas, considerada a dinâmica e complexidade contextual que as fizeram emergir no momento em que foram pensadas em relação ao ambiente, a partir da discussão entre os sujeitos e posterior processo de categorização proposto pela Análise Textual Discursiva.

3.2.1 O peso da violência no ambiente familiar

O ambiente familiar, em vez de se constituir em lugar em que se deve receber amparo, amorosidade e afeto, como espaço de convivências e de parcerias, oferece, para alguns, a força da violência, comprometendo o relacionamento e afrouxando os laços entre si para a construção de um ambiente favorável à vida. Mas o ambiente da rua, comumente lugar de fuga para muitos, não é menos sofrido do que aquele que o/a afugentou de casa, pois ali também se manifestam diversas formas de opressão contra esses seres em desamparo.

SPO12 – Aconteceu comigo. Eu era pequena. Eu fui morar

com meu pai, a gente não se dava muito bem. Ele era policial, chegava alterado, [...] sempre estava armado. Eu

não tinha aquela consciência que tava errado. Então eu fugi.

Eu saí de casa. Eu tinha 10 anos. Eu passei o dia na rua. Eu

tava tentando ir pra casa da minha avó. Eu tentando andar. As pessoas me olhavam porque eu estava sozinha. Eu via pessoas caídas no chão. Eu pensava: será que eu vou ficar assim? Eu encontrei o meu caminho. Se eu não tivesse o apoio, se eu não tivesse achado meu caminho, eu estaria nesse caminho, porque eu era criança. Foi uma sensação horrível andar na rua sozinha. SPO10 – Minha avó teve uma vida muito difícil. Ela perdeu os pais quando criança sem. Ela sempre conta que quando teve

os filhos dela ela separou porque o marido batia nela. Ela preferiu morar na rua. O que levou ela a morar na rua? Ficar dentro de casa apanhando. Ela ficou pouco tempo, mas ela já

morou na rua. Mas o que levou ela a morar rua? Foi a

violência. A gente olha uma pessoa na rua pensa do mesmo

jeito que olhar pra minha avó. É viciado, não trabalha, tá aí. A gente não sabe, mas não procura saber. A gente tem consciência... a pessoa tá passando por tal coisa, mas não faz nada. O máximo que a gente faz é dar um dinheiro pra ela, um prato de comida, um agasalho. Mas a gente não faz nada pra mudar, não é meu parente.

3.2.2 A sensação de desamparo no ambiente familiar e/ou escolar

Essa fala destacou que tanto o ambiente familiar como o escolar despontam, às vezes, como lugares onde pode se manifestar esse sentimento de desamparo, notadamente quando nem um nem outro se dispõem a sondar e investigar as causas que desencadeiam, para alguns, esse doloroso processo de não aceitação das diferenças do outro nos ambientes que devem, em síntese, oferecer segurança e educação. Familiares e educadores, indiferentes e cegos às manifestações de sofrimento desse ser em formação, ficam surdos para a voz que pede ajuda e, sem que o percebam, amplificam a daqueles que perseguem, até que haja uma nova vítima ou um aprendiz de violência.

SPO2 – Uma pessoa que está sofrendo na escola. Digamos que você chega e fala pra sua família, ou às vezes nem fala. Vamos supor que você fale. E aí sua mãe e seu pai dizem que

é frescura. E você tem que continuar indo pra escola obrigado. Isso é um desamparo da pessoa porque não tem apoio pelo o que ela está sentindo. Ela vai se sentir mais triste. Às vezes

ela quer... bulling também porque [está] fazendo aquilo que não queria porque está desassistido.

3.2.3 O sentido de complementariedade entre as vivências

Essa perspectiva foi sentida quando refletiram que em qualquer ambiente em que haja presença do humano, onde as vivências se constituem mutuamente, torna- se indispensável a troca de experiências, de reconhecimento das necessidades desse outro, evoluindo para um processo de ajuda mútua entre pessoas que se reconhecem como iguais no cotidiano social em que se forjam as relações interpessoais.

SPO10 – Acho que cada pessoa tem a sua carga de

experiência, coisas a passar pra gente, como aprendizado.

Então até tem gente que não sabe muito de tudo que a gente

fala, de coisas pessoais. Quais são os nossos pontos fracos, o que é que dói na gente, tudo a gente sabe, mas a gente tem que enxergar isso no outro. Porque não é só a gente que tem necessidade, que tem essas coisas. Toda vez

que vejo outra pessoa, vejo uma vida nova e uma pessoa com outras experiências.

SPO6 – O outro vai te ensinar, vai te ajudar.

SPO4 – O outro é mais um complemento da gente. É mais fazer parte do outro do que o outro fazer parte da gente.

SPO10 – É igual a filosofia que fala que a gente só sabe que a

gente existe por existir o outro. Se não existisse o outro, a gente não saberia que a gente existe.

3.2.4 A convivência pede acordos/negociações/diálogo

A compreensão foi de que o Eu e o Outro, em uma prática de respeito mútuo, devem assumir o compromisso dos acordos e/ou negociações, exercitando um ambiente saudável que atenda ao interesse coletivo de uma boa qualidade vida, garantida pela autovigilância que evite/impeça os excessos de falta de civilidade no ambiente de todos.

SPO5 – O som automotivo precisa de acordo, com hora pra começar e terminar. Tem pessoas que vivem ao seu lado.

Quer ouvir alguma música, ouve no teu particular.

SPO8 – Você está no condomínio, aí não é só você, [...]

depende de diálogo, de negociação. Por exemplo, meu irmão tinha acabado de nascer, tinha um bar com som alto todos os dias perto de casa. Minha mãe conversou com o dono e ele entendeu.

SPO12 – O cara tá com som alto, a pessoa chega pra reclamar com ignorância. Tem que dar um jeito de conversar pacífico, sempre evitando arrumar confusão. Não adianta chegar apontando o dedo pra cara do vizinho. Ele só vai aumentar.

3.2.5 A ausência de respeito/responsabilidade ambiental

O ambiente que emergiu desse contexto (algumas praias) foi visto, não raro, como lugar de descarte de lixo, sem observância dos riscos que esse comportamento pode gerar para os humanos e não-humanos. Depois do lazer que proporciona com as vastas faixas de areias a descoberto, onde os humanos se refestelam em dias

ensolarados, vêm as marés e arrastam as porções de lixo que os mesmos descartam à beira mar, colocando em risco o ecossistema marinho, que deveria fazer parte dos cuidados e responsabilidade dos visitantes/turistas/usuários, desde que colocassem em prática a consciência de que os lugares públicos, tanto quanto o ambiente residencial/privado, precisam estar limpos e bem cuidados, em um exemplo de cidadania.

SP10 – Isso [o lixo] afeta os moradores, porque tá indo só pra visitar, e mesmo assim não tem respeito e não faz por onde

pegar o lixo dela. Esse tipo de atitude afeta muito os animais, por exemplo os mariscos, [...] porque o mar acaba levando o lixo. As tartarugas filhotes quando saem dos ovos têm que fazer uma caminhada até chegar ao mar [e] esse comportamento atrapalha muito.

SPO5 – Acho que pra começar a pessoa tem que ter respeito

dobrado, não só com os não-humanos, mas com os humanos também porque fica uma coisa feia de ver uma poluição visual e ambiental. [...] Afeta os animais, afeta a gente. Então uma coisa se liga a outra.

Outras falas apontaram que a distribuição de lixeiras em ambientes por onde transita grande número de pessoas pode se constituir em solução para o descarte de lixo, sem apontar que a educação deveria anteceder essas práticas pelo exercício da consciência cidadã.

SPO2 – É raro eu encontrar uma lixeira. Aquela FAGAMA (Feira de Artes do Gama, que acontece anualmente) eu ficava

agoniada porque eu não via uma lixeira canto nenhum.

Cacei, cacei, aí tava passando um carinha [com um saco?] eu dei o lixo pra ele.

SPO6 – Vendo uma lixeira ali, você vai pensar duas vezes

antes de jogar no chão

SPO10 – Se você numa praia tá vendo uma lixeira bem ali,é

mais fácil levantar e ir lá, mas se não tem a pessoa deixa lá mesmo.

As instâncias governamentais também apareceram com uma parcela de responsabilidade ao não promoverem campanhas publicitárias educativas que tematizem o lixo como ameaça ao meio ambiente.

SPO10 – O estado [governo] deveria fazer alguma coisa a

mais pra ajudar, [...] porque do jeito que tá não está resolvendo. Deveria fazer campanha, incentivar as pessoas a não jogar

[lixo], ter projeto pra não ter poluição desse jeito.