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Capítulo I – CONDESTÁVEIS E BOMBARDEIROS EM LISBOA

2. A Coroa e os Bombardeiros: enquadramento de um ofício

2.1 Alvarás gerais de privilégio

2.1.3 Outros alvarás de privilégios

No ano de 1507, foi emitido novo72 alvará de privilégio dos bombardeiros apontado ao ―condestabre e todos nosos bombardeiros que estiverem assentados na nómina da nossa casa e armazém‖73

. O seu conteúdo é mais reduzido, cingindo-se às disposições dos privilégios e liberdades, tal como estão acima descritos, excluindo as situações de prática de barreira, atribuição de arma e outras questões ligadas ao treino e recrutamento.

Mais adiante, em 1515, é outorgado também novo alvará cujo âmbito é agora o conjunto dos bombardeiros portugueses74. Segue o mesmo conjunto de alíneas do de 1507. Em 2 de Setembro de 1528, D. João III confirma o texto de 1507 sem acrescentar novas disposições. O texto é dedicado ao condestável e bombardeiros da nómina75. Ainda do mesmo reinado, em 1540, confirma-se o alvará de 1515, cujos destinatários são agora os bombardeiros portugueses ―que de nós tiverem mantimentos, como aqueles que os não tiverem‖76

. É aos mesmos bombardeiros e com base nos mesmos alvarás de 1515 e de 1540 que D. Sebastião reconfirma os privilégios em 157477. Nas confirmações de 1540 e de 1574

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Alvará de privilégios de 1506. Anexo I, doc.1.

72 Entenda-se este ―novo‖ como não contendo nenhuns traslados anteriores. 73 Chanc. D. Manuel, liv.38, fl.45v; anexo I, doc.2.

74 Chanc. D. Manuel, liv.11, fl.86; anexo I, doc.3.

75 Além de confirmar não acrescenta novas disposições. Lisboa, 2-9-1528, Chanc. D. João III, liv.11, fl.151; anexo I, doc.4.

76 Chanc. D. João III, liv.50, fl.164v; anexo I, doc.5.

77 Chanc. D. Sebastião, liv.1, fls.191v-193; anexo I, doc.6. João Manuel Cordeiro oferece uma transcrição parcial deste texto dando-lhe a data de 1564. As partes transcritas são as relativas ao reinado de D. Sebastião, ou seja o início e final do texto. No seu intervalo diz: ―segue o traslado‖.

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determina-se que os privilégios eram extensíveis aos bombardeiros ―que de nós tiverem mantimentos, como aqueles que os não tiverem‖, frase que serve de base à afirmação de João Manuel Cordeiro de que existiam dois tipos de bombardeiros: ―os de mantimento‖, não especificando quem são ou que serviço diferente fazem, e ―os que não o tem‖, dizendo que seriam os bombardeiros que serviam nos navios mercantes ou que eram nomeados para o serviço da Índia78. Comento desde já que esta ultima não é uma conclusão correcta. Mencionaremos abaixo diversa documentação que refere exactamente o pagamento de mantimento nas fortalezas da Índia.

Filipe I manda escrever em 1584 o ―Treslado do privilegio que os snors reis deste reyno de portugal concederão aos condestables, bombardeiros, pilotos, sotapilotos, mestres, contramestres, marinheiros, carpinteiros, calafates, e mais pessoas que estiverem matriculadas neste Livro‖. A introdução parece ser de D. Sebastião, mas nos passos seguintes não se informa quem da sua chancelaria o escreveu ou a sua data. Pela comparação com o documento de 1574, vemos que se trata do mesmo. Inclui também a confirmação de 1540, de Aires Fernandes, e o texto geral de João Pais, de 1515. A principal diferença reside então na data. No mesmo códice vem a carta de juiz privativo de 1629, já mencionada79.

Apesar de estes dois últimos documentos, o de 1574 e o de 1584, estarem já bastante fora do âmbito da nossa investigação, a sua inclusão é pertinente pois confirmam a longevidade e estabilidade dos privilégios da classe, sinal da sua força enquanto tal. Mas a pertinência da sua inclusão deve-se também ao facto de eles incluírem os traslados de documentos no âmbito desta investigação, ou seja, da primeira metade do século XVI. A constante necessidade de bombardeiros, mencionada em diversas fontes, nunca possibilitou que se baixasse a fasquia das condições necessárias ao seu recrutamento.

No que diz respeito ao objecto ao qual se dedicam os diversos alvarás aqui mencionados, parecem presentes as seguintes distinções. O alvará de 1506, que inclui traslados de 1505, dedicados a bombardeiros e espingardeiros, não se encontra replicado nos anos posteriores. O alvará de 1507 elimina os espingardeiros do seu âmbito, e centra-se nos membros da nómina do armazém do rei. Note-se que o objecto não parece ser abstracto, antes pelo contrário, pois o condestável é posto no individual. Assim, este documento dedica-se ao condestável nomeado nesta época e ao corpo de bombardeiros directamente sob o seu comando. Este condestável deverá ser Giralte da Mina, conforme a indicação que

Apenas se esqueceu de referir a que traslado se refere, assim como não mencionou a referência do documento. Aparte desta questão a porção que transcreve é exactamente igual à do documento de 1574, inclusive dia e mês da sua feitura, e o escrivão que a fez: Manuel Francisco. Descartamos então a possibilidade de esta versão que ele nos apresenta constituir um documento diverso daquele que encontrámos e dispensamo-nos de a mencionar novamente. Fica aqui a sua referência: João Manuel Cordeiro, op. cit., pp.383-384.

78 Idem, ibidem, p.94. 79

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temos80. A confirmação deste alvará feita em 1528 é também restrita a um condestável e bombardeiros seus dependentes especificamente, isolando-os de um universo maior destes especialistas que não estivessem no soldo da coroa.

O alvará de 1515 concentra-se nos bombardeiros portugueses na sua generalidade, não apenas nos que estivessem assentados, expandindo-se para o futuro. A confirmação de 1540 alarga o âmbito para os que tivessem mantimento ou não, ou seja para os que estavam no serviço real e para os restantes indivíduos habilitados para serem bombardeiros. Presumo que neste último caso fossem os que não estivessem permanentemente colocados em qualquer das nominas existentes em Lisboa, fortalezas ou navios. A conclusão de que este foi o ano da introdução da nomina dos portugueses fica também afastada pela existência do alvará de 1506 que já menciona a criação deste corpo.

Assim, este conjunto de alvarás parece dividir-se em duas linhas principais. A primeira, composta pelos textos de 1507 e de 1528, dedicada aos bombardeiros da nómina, mais fechado, dizendo apenas respeito aos corpos deste nome presentes na capital, sujeitos a um condestável específico, que nesta fase parecem ser os chamados alemães, que desde cedo obedeceram a esta organização. O alvará de 1507 pode ser uma resposta ou uma definição em relação ao de 1506, que, como vimos, abrangia a totalidade dos soldados utilizadores da pólvora, sinal de que poderá ter existido uma colisão de algumas das provisões referentes a eles. Caso assim seja e baseado nos textos mencionados, uma possível diferença só poderá estar nas regras que dizem respeito ao seu recrutamento e treino, constantes apenas no alvará de 1506, e não nos privilégios e liberdades concedidas que são os mesmos81. A segunda linha inicia-se com o texto de 1515 e reconfirma-se em 1528 e 1540. Esta diz respeito ao universo geral de bombardeiros portugueses. A estes devemos juntar, com alguma latitude, o de 1506, que especificamente indica que se concentra na criação de condições para aumentar o número de portugueses especialistas no uso da artilharia. No caso dos portugueses, que naturalmente constitui um universo mais alargado, é feita uma subdivisão explícita, em meados do século, entre os de mantimento ou não, algo que coincide com a existência de um corpo permanente de artilheiros portugueses, e outro de estrangeiros, ao qual achamos pertencer a sequência de textos anterior, e de um ―contingente geral‖ ou ―reserva‖, termos elucidativos mas não aplicáveis aos conceitos da época.

Destas duas linhas infere-se a existência de conjuntos de privilégios semelhantes e, na realidade, extensíveis a todos os bombardeiros, mas que indicam uma divisão definida pela sua inscrição no armazém, na Casa da Índia ou pelo mantimento, conforme se prefira até uma melhor definição.

80 LN, Místicos, liv.5, fl.128. 81

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