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Outros atores: Ministério Público Federal do Amazonas; FOIRN;

Garoto torturado por militares

3. Outros atores: Ministério Público Federal do Amazonas; FOIRN;

Comando Militar da Amazônia; procurador do Ministério Público Federal; procurador Rodrigo da Costa Lines; um jovem que teria trazido cocaína da Colômbia para a aldeia; generais João Carlos de Jesus Corrêa e Ivan Carlos Weber Rosas; 5o Batalhão de Infantaria

de Selva.

As referências às vítimas é simpática: menores; víti- mas; jovens indígenas; jovens, enquanto os termos para os denunciados é neutra: militares. A utilização da expressão “militares brasileiros” chega a parecer paradoxal, porque traz implícita a pergunta: porque militares brasileiros tor- turariam índios brasileiros?

Os demais atores comparecem revelando a gravida- de institucional do acontecimento denunciado, uma vez que envolveu autoridades civis e militares do Estado, ou seja, alcançou repercussão institucional. Nesse sentido, a presença dessas referências na reportagem mostra a im- portância da violação praticada.

Quadro 11 Razões

Expressões empregadas na reportagem para indicar motivos Folha de S.Paulo

Um jovem teria trazido cocaína da Colômbia para a aldeia.

Novamente, aqui, como nas reportagens anteriores, há um pretexto para a violência: um jovem índio teria trazido droga da Colômbia para a aldeia. Na verdade, embora isso não justifique o procedimento dos soldados, esse foi o motivo pressuposto pelas vítimas para as agres- sões, o que, em termos textuais, contrasta ainda mais a

gratuidade da violência, uma vez que esse índio não estava entre os detidos e pertenceria a outra “comunidade”. O enquadramento da ausência de razão ressalta da simples narrativa dos acontecimentos.

Discussão

No primeiro caso, um adolescente pula o muro do quartel para fumar maconha, e soldados ateiam fogo em seu corpo. no outro, um estudante usuário de lança-perfume é obrigado por policiais a beber a substância, provocando sua morte. No terceiro caso, presos algemados são obrigados por PMs a cantar, dançar e se beijar na boca, enquanto são filmados; ou seja, degradação e humilhação de presos, por parte de autoridades que realizam a sua custódia, por incumbência do Estado. Por último, jovens índios são presos, torturados por soldados do Exército porque há uma suspeita sobre um índio que teria trazido cocaína para a aldeia.

As matérias analisadas, ao revelarem a crueldade, co- vardia e suas consequências, como lesões graves ou morte, têm em comum enquadramentos favoráveis às vítimas, construídos pela narrativa factual, por meio da sugestão de arbitrariedade e ilegalidade nas ações dos agentes do Estado. Essas quatro ocorrências de violência perpetrada por agentes do Estado foram publicadas nos dias da amostra. Provavelmente, são as mais graves ou mais notórias ocor- rências do período. No entanto, diariamente, jovens pobres são submetidos a humilhações por autoridades policiais, o que não configura matéria jornalística, nem sequer po- deria ser objeto de um boletim de ocorrência, pois as au- toridades que iriam registrá-lo são as próprias infratoras.

O Estado brasileiro, se não for o principal, é um forte candidato a principal violador dos direitos da cidadania, ao desrespeitar a Constituição e as leis comuns. A violência de integrantes dos aparelhos repressivos (polícias e forças

armadas, que são os profissionais de combate à violência legal) contra a população é uma das mais graves violações dos direitos civis e, infelizmente, uma das mais comuns. Pagos, treinados e armados para defender a população, policiais ou militares utilizam, com frequência, sua au- toridade, preparo e armamento para infernizar pessoas inocentes, humilhando-as, provocando lesões corporais leves ou graves e levando-as, eventualmente, à morte.

Esse tipo de crime estatal é, na quase totalidade dos casos, perpetrado contra as camadas pobres da sociedade, geralmente jovens indefesos, não brancos, na periferia e, por isso mesmo, desamparados, sem acesso à Justiça. Outras vítimas são também delinquentes, em supostos “confrontos seguidos de morte” ou em presídios abarro- tados, os quais já promovem uma completa desumaniza- ção das pessoas. Com frequência, vítimas inocentes são declaradas culpadas ou “suspeitas”, por se encontrarem em periferias “perigosas” no momento em que passa uma viatura policial. A falta de recursos das vítimas e de suas famílias e a ausência de relacionamentos sociais com pessoas influentes fazem que esses crimes se encerrem num Bole- tim de Ocorrência muito conveniente, isentando agentes policiais ou militares, o que induz à impunidade e estimula novas ações covardes de profissionais da violência. Esses fatos são aqui mencionados sem apoio de bibliografia, mas são corriqueiros nos noticiários do jornalismo impresso e eletrônico brasileiro, sendo, inclusive, confirmados pelas próprias matérias que analisamos.

É ocioso lembrar que casos de violações desse tipo contra a classe média são praticamente desconhecidos, porque quem pertence a esse segmento teria meios para investigar, processar e conseguir a punição dos agressores fardados. Geralmente, enquanto a visão de uma viatura policial num bairro de classe média é tranquilizadora, para os moradores das periferias é motivo de pânico.

A publicidade jornalística desses acontecimentos é rele- vante, rompendo o silêncio e a inércia dos corporativismos policiais e militares, sempre capazes de ocultar esses crimes dos olhares externos e revelando a sua natureza perversa. Ao divulgar essas ações para o conjunto da sociedade ou pelo menos para setores dela, o jornalismo pode pressionar as corporações e o governo, servindo como uma espécie de sentinela da sociedade.

Tão importante quanto publicar a ocorrência pontual é dar continuidade à cobertura, impedindo o esquecimento, de modo a cobrar os responsáveis por um posicionamento, impedindo soluções acomodatícias. A publicação da matéria sem continuidade tem pouca força como cobrança, embora seja importante ao estabelecer uma espécie de referência negativa ou linha de base da cidadania, sublinhando o interdito social (além de legal) e ressaltando a existência de direitos, mesmo para os mais fracos.

No entanto, os jornais não são cobrados como institui- ções comprometidas com a cidadania, e os eventuais suces- sos que possam ter na coibição da violência são resultados ocasionais da atividade. É necessário que editores tenham sempre em mente a importância do papel dos jornais na defesa da cidadania, no caso das violações os direitos civis das camadas subalternas da sociedade, já que, como vimos, não há exemplos, na amostra, de vítimas de classe média.