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Existe a necessidade de se avaliar possíveis considerações de ordem jurídica que poderiam levar a uma interpretação do processo de revisão de tarifária de forma diferente da “metodologia de reposicionamento tarifário” da ANEEL.

Em relação à metodologia aplicada nos dois ciclos de revisões tarifárias, é esclarecedor o parecer da Procuradoria Federal da ANEEL, Parecer 735/2008-PF/ANEEL, referente à legalidade da metodologia do Fator “X”, conforme disposto na Nota Técnica n° 352/2008-SRE/ANEEL, aplicável ao segundo ciclo de revisões tarifárias. Algumas das principais conclusões dão um melhor entendimento ao processo de revisão tarifária:

“41. Conclui-se, portanto, que a metodologia para manutenção do equilíbrio econômico- financeiro do contrato de concessão é fruto da discricionariedade técnica da Agência Reguladora e do Poder Concedente por ela representado. (...)

43. Neste sentido, é importante destacar que o contrato de concessão tem fórmulas paramétricas de reposicionamento tarifário. Contudo, no que tange a fixação do nível de apropriação de ganhos de escala e eficiência, o próprio contrato de concessão deixou a margem de discricionariedade à ANEEL para fixar, segundo os critérios técnicos e metodologia a serem fixados pela própria Agência, nos exatos termos das lições de Marcos Jurena acima transcritas. (...)”

Cabe observar que a “discricionariedade técnica” de uma agência reguladora está sempre presente na regulação. A própria assimetria de informações entre o regulador e regulado requer

próprias atribuições legais. O fato é que pode haver uma posição legal diferente daquela apresentada pela ANEEL para o processo de revisão tarifária periódica, na medida em que existem percepções e interpretações diferentes para esse tema.

Em dezembro de 2000, a Abradee, considerando o contrato de concessão firmado pelas suas afiliadas e as discussões envolvendo o repasse de custos e o início do processo de consulta pública referente ao processo de revisão tarifária, formulou consulta ao jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, sobre vários pontos do contrato de concessão.

A consulta formulada da Abradee em relação ao processo de revisão tarifária foi a seguinte: “I - A que limites está sujeita a discricionariedade da ANEEL para uma possível redução de tarifas, efetuável nas "revisões ordinárias" quadrienais previstas nos contratos de concessão?”

Em resposta à consulta da Abradee, Mello (2000) apresentou, dentre outras, uma consideração específica em relação à revisão ordinária:

“38. Isto tudo posto e considerado, às indagações da Consulta respondo:

I - A discrição da ANEEL na "revisão ordinária" quadrienal, no que concerne à eventual redução de tarifas, está balizada, desde logo, pela impossibilidade de reduzir a margem remuneratória que à época do travamento do contrato adviria para a concessionária, conforme os termos da equação econômico-financeira então estabelecida (itens 21 a 23 do parecer). Além disto, a margem de discrição da ANEEL não lhe permitiria converter em redução tarifária a integralidade dos ganhos de eficiência ou outros proveitos que a concessionária haja conseguido auferir como fruto do aprimoramento da gestão empresarial, pois terá de partilhá-los com ela, sem o que não haveria os estímulos que a cláusula pretende fomentar (itens 24 e 25). Igualmente, não seria de admitir redução tarifária que tornasse o empreendimento inviável, ou, do ponto de vista econômico, completamente desinteressante para o empreendedor. Por fim, também não pode haver redução que desconsidere os patamares tarifários praticados interna e internacionalmente (item 26); (...)”.

O que se percebe da opinião do renomado jurista é que a redução das tarifas estaria balizada pela impossibilidade de se reduzir a “margem remuneratória” apurada na época da assinatura do contrato de concessão. Ele identifica que há uma condição inicial de remuneração para a concessionária (“margem remuneratória”) e que esta deveria ser observada quando do cálculo das tarifas nas revisões tarifárias.

equilíbrio econômico-financeiro”, não observa nem o conceito de “margem remuneratória” do parecer jurídico e nem o de “equilíbrio inicial” identificado nesta dissertação.

O fato do processo de revisão tarifária previsto no contrato de concessão não conter conceitos claros e objetivos que auxiliem na sua implementação faz com que outras interpretações possam ser desenvolvidas.

As conclusões constantes do Parecer 735/2008-PF/ANEEL também remetem aos conceitos e ensinamentos daqueles que defendem o direito e como tal também devem ser avaliados em qualquer discussão que se tenha a respeito do tema “revisão tarifária”.

Em relação a esses conceitos, são oportunos os identificados no livro “A Teoria Geral das Concessões de Serviço Público” (Filho, 2003). São descritos, a seguir, alguns deles:

(i) Critérios e procedimentos de reajuste e revisão – para o jurista o reajuste deve ter um procedimento automático e simples, enquanto a revisão exige a comprovação dos eventos que provocaram modificações imprevisíveis nos custos e encargos e nas vantagens do concessionário;

(ii) O modelo da tarifa pelo custo do serviço – definindo o modelo, diz que ele deve assegurar ao particular uma remuneração que permita a amortização dos investimentos, a compensação dos seus custos e a obtenção de um retorno satisfatório, além disso, a variação do valor tarifário real dependerá da quebra da equação econômico-financeira;

(iii) A configuração da equação econômico-financeira dinâmica – ao se referir à adoção da tarifa pelo preço, afirma que a equação econômico-financeira passa a ser dinâmica, de modo a comportar variações constantes de encargos e vantagens, sendo que a previsão inicial, formulada por ocasião da proposta, envolve uma estimativa genérica que deverá presidir a relação jurídica em seu todo. O resultado final deve acompanhar as previsões sem imposição de uma compatibilidade exata e precisa ao longo de cada exato momento da concessão;

(iv) Manutenção do equilíbrio econômico-financeiro – conceitua que a equação econômico- financeira é intangível, na acepção de que, uma vez aperfeiçoada, não pode ser infringida. O equilíbrio consiste na impossibilidade de alterar apenas um ângulo da equação, não sendo possível alterar, quantitativa ou qualitativamente, apenas o âmbito dos encargos (referindo-se ele aos custos envolvidos) ou tão somente o ângulo das retribuições (referindo-se às remunerações). A intangibilidade da equação veda qualquer modificação na relação de natureza econômica entre encargos e vantagens;

fenômeno essencialmente econômico e que consiste na alteração do resultado econômico extraível da contratação administrativa e implica em afirmar que a quebra do equilíbrio consiste em uma variação entre as projeções originalmente elaboradas pelas partes e a realidade verificada durante a execução do contrato.

Os conceitos jurídicos apresentados levam a uma reflexão de que haveria uma condição de equilíbrio inicial – previsões iniciais do contrato – e que, mesmo reconhecendo o caráter dinâmico da equação econômico-financeira na garantia do equilíbrio do contrato de concessão, deveriam ser observadas ao longo da sua execução. As previsões iniciais do contrato, no caso do setor de distribuição de energia elétrica, poderiam ser as condições de mercado e de tarifas iniciais observadas no primeiro ano do contrato.

Outra reflexão sobre o tema é dada por Said (2007), ex-Diretor Geral da ANEEL, que participou das discussões que resultaram no modelo de privatização do setor elétrico brasileiro. Na sua argumentação, ele defende a tese de que o processo de revisão tarifária deveria ocorrer num contexto legal diverso daquele implementado pela ANEEL.

Na visão dele, os critérios estabelecidos pela ANEEL para a revisão das tarifas de energia desrespeitam aqueles estabelecidos para o regime tarifário do "serviço pelo preço", regulamentado pelas Leis nº. 8.987/1995, nº. 9.074/1995 e nº. 9.427/1996, para retornar aos critérios do regime tarifário de "serviço pelo custo". Até a edição da Lei nº. 8.987/1995, as tarifas para a distribuição de energia eram fixadas pelo regime do serviço pelo custo, pelo qual a União garantia à concessionária distribuidora a cobertura dos custos decorrentes da prestação do serviço, mais uma margem de lucro que variava de 10% a 12% do investimento remunerável, conforme determinava o Decreto n°. 41.019/1957, que regulamentou o Código de Águas.

Argumenta que, com a falência do regime do serviço pelo custo e a necessidade de atração de novos investimentos para o setor elétrico, sobreveio uma legislação que introduziu o regime do serviço pelo preço.

No regime de serviço pelo preço as tarifas de distribuição de energia seriam fixadas pelo preço da proposta vencedora da licitação, e preservadas pelas regras de reajuste e revisão previstas na lei e no contrato, mantendo-se assim o equilíbrio econômico-financeiro original.

Segundo essa visão legal, a ANEEL estabeleceu critérios para revisão das tarifas que desrespeitam o regime do serviço pelo preço, pois para ele é irrelevante o valor do investimento ou dos ativos empregados no serviço, pois no serviço pelo preço prepondera o valor original das

tarifas. Estas devem ser preservadas ao longo do contrato de concessão como forma de manter o equilíbrio econômico-financeiro.

Segundo Said, o desvio legal tende a beneficiar os investidores que nas privatizações pagaram menos por empresas com ativos menos produtivos, em detrimento daqueles que pagaram mais pelas empresas com ativos mais produtivos, o que contraria o espírito do regime do “serviço pelo preço”, que foi a espinha dorsal do processo de privatização e dos contratos de concessão dela resultantes.

A aplicação das citadas resoluções da ANEEL implica na quebra do equilíbrio econômico- financeiro inicial dos contratos de concessão, apenas para atender os anseios imediatos de uma regulação que supostamente viria em benefício dos consumidores. Esse desvio legal causará, a médio e longo prazo, sérios prejuízos tanto para o serviço público como para o País, e, por via de conseqüência, para o consumidor.

Segundo ele, as regras para a revisão tarifária estão previstas no contrato de concessão e, com certeza, devem ser interpretadas de modo diverso daquele utilizado pela ANEEL. O ponto de partida seria uma interpretação diferente daquela feita pela Agência das condições contratuais que possibilitam a instalação do processo de revisão tarifária; isto é, é necessário verificar se as alterações na estrutura de custos e de mercado, dos níveis de tarifas observados em empresas similares no contexto nacional e internacional e dos estímulos à eficiência e à modicidade tarifária efetivamente levam a necessidade de realização do processo de revisão tarifária.

Embora questionável esta posição de não realização de revisão tarifária periódica num setor considerado como monopólio natural, é oportuno observar as considerações pelo mesmo, a saber:

(i) Avaliação da estrutura de custos – necessidade de avaliação das alterações nos custos médios iniciais, para identificação do surgimento de novos custos, ou se ocorreram alterações nos custos médios iniciais, para mais ou para menos;

(ii) Avaliação da estrutura de mercado - fundamental na definição da receita tomada como ponto de partida e considerada como suficiente para manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, já que, na data de assinatura do contrato de concessão, como as tarifas de energia elétrica apresentavam diferentes margens de lucro por classe de consumo, uma variação desproporcional do consumo de energia de uma classe em relação à outra classe implica na alteração da estrutura de mercado, resultando em ganhos ou perdas que devem ser corrigidos na revisão tarifária;

(iii) Níveis das tarifas em empresas similares no contexto nacional e internacional – níveis avaliados de “forma subsidiária” na revisão tarifária periódica, servem apenas como referência para a manutenção da coerência em relação ao marco regulatório inicial;

(iv) Estímulo à eficiência e à modicidade das tarifas – pressupõe-se a apropriação pela concessionária dos seus ganhos de produtividade, através da aplicação de parte em benefício da modicidade das tarifas, já que uma vez atendida a condição inicial de equilíbrio a modicidade tarifária é uma conseqüência natural.

Nessa proposta há a necessidade de se avaliar se houve ou não alteração na estrutura de mercado ou de custos que justifiquem a necessidade de instalação do processo de revisão tarifária periódica; caso contrário, aplica-se o reajuste tarifário anual, limitando-se a revisão tarifária a apuração do Fator X.

Em resumo, nessa abordagem, para o regime tarifário do “serviço pelo preço”, cujo preço é fixado com base na proposta vencedora da licitação, não tem relevância os ativos existentes, mas sim a sua capacidade de atender o mercado consumidor com as tarifas iniciais estabelecidas e, com isso, garantir o equilíbrio econômico-financeiro contratual.

Ao se avaliar as posições apresentadas, existe a percepção de que, no regime tarifário brasileiro, as tarifas iniciais, em função da margem de comercialização em cada nível de tensão, geram uma remuneração inicial (lucro operacional) que, de algum modo, deveria ser observada, mas não garantida, ao longo do contrato de concessão.

Concluindo, pelos enfoques aqui apresentados, a redução ou elevação das tarifas pela ANEEL, via a “metodologia de reposicionamento tarifário”, deveria observar as condições iniciais da equação econômico-financeira. Em relação a este ponto, até mesmo o enfoque de equilíbrio dinâmico dado por Filho (2003) e que daria sustentação integral a forma de atuar da ANEEL, sinaliza que as previsões iniciais do contrato de concessão deveriam ser observadas, mas não de forma a ser exatamente igual às condições iniciais, ao longo do contrato.

Na continuação dessa dissertação são feitas considerações que auxiliarão na percepção da necessidade de aprimoramento da metodologia da ANEEL.

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