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3. MUSGOS AQUÁTICOS: BIOMONITORES DA CONTAMINAÇÃO POR METAIS

3.3 Indicadores biológicos/biomonitores e biomonitorização de ecossistemas aquáticos

3.3.2 Monitorização de ecossistemas aquáticos

3.3.2.3 Outros organismos biomonitores

Os invertebrados são frequentemente usados em estudos de monitorização biológica (Rosenberg e Resh, 1993). Mudanças genéticas, morfológicas, bioquímicas e fisiológicas em certos organismos têm sido relacionadas com pressões ambientais particulares, podendo, assim ser utilizados como indicadores.

Os invertebrados aquáticos estão expostos aos metais quer por via da fase dissolvida quer da fase particulada. Os metais dissolvidos na água podem ser acumulados por adsorção directa através da superfície corporal. Metais na forma particulada podem ser acumulados pelos animais através da ingestão e digestão dos alimentos. Dado o seu papel central na cadeia alimentar e por se tratar de componentes importantes de ecossistemas marinhos, estuarianos e de água doce, os crustáceos têm-se tornado interessantes candidatos em estudos de biomonitorização e no desenvolvimento de sistemas bioindicadores. O potencial dos crustáceos como biomonitores de diversos metais traço tem sido demonstrado em variadas experiências tóxico-cinéticas (Rainbow, 1995b; Zauke et al., 1996; Ritterhoff e Zauke, 1997;

Wang e Fisher, 1998; Clason e Zauke, 2000; Duquesne et al., 2000; Fisher et al., 2000; Kahle

e Zauke, 2002a; Kahle e Zauke, 2002b; Kahle e Zauke, 2002c).

Kahle e Zauke (2002b, 2003a) avaliaram a conveniência do uso de crustáceos Calanoides acutus e Orchomene plebs como biomonitores de concentrações traço de vários metais (Cd2+, Co2+, Cu2+, Ni2+, Pb2+ e Zn2+) no Antárctico. Para diferenciar entre contributos naturais e antropogénicos para a concentração total de metal, que é o principal objectivo da biomonitorização, foram determinadas as concentrações naturais de metal nos crustáceos e suas flutuações, na sequência do que têm vindo a ser feito noutros estudos (Amyot et al.,

1994; Oleary e Breen, 1998; Fialkowski et al., 2000). Analisaram, ainda, em que medida

modelos tóxico-cinéticos podem ser usados como instrumentos de previsão para avaliar a acumulação dos metais e consequentemente a qualidade ambiental.

O conceito de estudos tóxico-cinéticos foi desenvolvido para xenobióticos em peixes, mas tem sido estendido com sucesso a metais em vários invertebrados aquáticos. Os potenciais biomonitores devem evidenciar uma estratégia de acumulação para o elemento considerado e factores de bioconcentração (BCF) reprodutíveis para permitir uma comparação entre as

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concentrações no meio aquático e nos organismos, em termos dos elementos biodisponíveis (Zauke et al., 1995; Zauke et al., 1996; Janssen et al., 2000).

Um outro invertebrado, minhocas segmentadas marinhas, foi apresentado por Bernds et al.

(1998) como um candidato interessante para a biomonitorização de metais traço. Foram realizadas experiências tóxico-cinéticas com os elementos Cd(II), Cu(II), Pb(II) e Zn(II) e aplicado aos dados experimentais um modelo cinético baseado em dois compartimentos. Os resultados experimentais e a verificação do modelo sugerem que as minhocas marinhas testadas podem ser encaradas como um biomonitor adequado para os iões metálicos considerados, pelo menos para níveis de exposição abaixo de 80 µg Pb(II) l-1, 10 µg Cd(II) l-1, 250 µg Cu(II) l-1 e 500 µg Zn(II) l-1.

Também várias espécies de bivalves, camarões (Ismail et al., 1995; Che e Cheung, 1998), lagostas (Páez-Osuna et al., 1995), o molusco asiático Corbicula fluminea (Abaychi e

Mustafa, 1988; Doherty, 1990), lapas (Rainbow, 1985, 1992; Rainbow e Smith, 1992), caranguejos (Rainbow, 1985; Che e Cheung, 1998), ostras (Phillips, 1979; Phillips et al.,

1982; Lauenstein et al., 1990; Beliaeff et al., 1998) e o mexilhão Dreissena polymorpha

(Karbe et al., 1975; Léglize e Crochard, 1987; Mersch et al., 1992) surgem como organismos

usados na biomonitorização de cursos de água com problemas de contaminação por metais pesados.

Mexilhões do género Mytilus são biomonitores populares e têm sido usados frequentemente

em programas de observação em rios na França e Estados Unidos da América (Lauenstein et al., 1990; Beliaeff et al., 1998; Cantillo, 1998). Concentrações traço de metais têm sido

igualmente medidas em mexilhões nas costas bálticas da Suécia (Phillips, 1977b, 1978; Broman et al., 1991), Alemanha (Karbe et al., 1977; Theede et al., 1979) e Dinamarca

(Phillips, 1977b, 1978). As lapas têm vindo a conquistar espaço como biomonitores, com destaque para a região Indo-Pacífico (Rainbow, 1987, 1995a; Phillips e Rainbow, 1988, 1993; Rainbow e Phillips, 1993).

Rainbow et al. (2000) efectuaram a biomonitorização de metais traço no Golfo de Gdansk

(Polónia), usando como organismos monitores mexilhões e lapas. Estes biomonitores têm um papel importante a desempenhar na avaliação da disponibilidade dos metais tóxicos existentes

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na área do golfo, complementando as medições feitas directamente na água. Dado tratar-se de um ecossistema bastante poluído e sensível, tem sido alvo de diversos estudos relativos à contaminação por metais. Para o efeito, têm sido utilizados vários elementos do biota na sua monitorização, incluindo berbigão (Szefer e Szefer, 1985; Szefer e Wolowicz, 1993), algas castanhas (Szefer e Szefer, 1991), algas verdes (Szefer e Skwarzec, 1988), sargaço (Szefer e Szefer, 1991) e mexilhões (Szefer e Szefer, 1985, 1991), mas nunca um programa de biomonitorização tão extensivo tinha sido concebido e levado por diante para avaliar a contaminação metálica deste ecossistema. A análise dos resultados da biomonitorização mostrou diferenças geográficas e temporais significativas na bio-disponibilidade dos metais para os mexilhões e lapas, como mostraram as concentrações de metais acumulados.

Mersch et al. (1993) realizaram experiências laboratoriais de modo a elucidar a cinética de

acumulação/libertação de metais pesados (Cd, Cu) pelo mexilhão de água doce Dreissena polymorpha, tendo simultaneamente usado musgos aquáticos. Para ambos os organismos

foram obtidas excelentes correlações entre as concentrações de metal nos seus tecidos e na água, o que os posiciona como biomonitores apropriados. Em ambas as fases (acumulação e depuração) os mexilhões tiveram um comportamento muito mais lento que os musgos. Ao fim de 4 semanas de exposição não foi atingido o estado de equilíbrio, nem para o Cu (metal essencial) nem para o Cd (metal não-essencial). Como a cinética de eliminação do metal é muito lenta, a poluição permanece detectável por períodos de tempo mais alargados nos mexilhões comparativamente com os musgos.

O mexilhão das rochas (Mytilus galloprovincialis) foi usado como espécie biomonitora de

poluição por metais pesados (Co, Cr, Cu, Ni, Pb e Zn) na costa da Galiza, Espanha (Puente et al. (1996). As concentrações medidas nos tecidos moles e na casca dos bivalves diferiram das

obtidas por análise de amostras de sedimentos. Somente as concentrações de níquel e chumbo na casca e de zinco e chumbo nos tecidos moles foram correlacionadas com os níveis de metal nos sedimentos. Os resultados sugerem que a utilização de Mytilus galloprovincialis pode ser

adequada em programas de monitorização de poluição por chumbo, com a casca produzindo aparentemente melhores resultados que os tecidos.

Diversos estudos referem a utilização de macroinvertebrados, em conjunto com outros biomonitores e análise da água, na avaliação integrada da contaminação metálica em sistemas

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lóticos (Nelson e Campbell, 1995). Vários investigadores (Chapman et al., 1991; Canfield et al., 1994; Clements e Kiffney, 1994) têm indicado que uma aproximação integrada do

problema, por recurso a várias técnicas, é útil na discriminação entre locais que são afectados moderada e/ou temporariamente por contaminantes variáveis.

As plantas aquáticas possuem um enorme potencial para concentrar metais nos seus tecidos até níveis várias vezes superiores aos do meio circundante. Como resultado têm tido uma extensa aplicação na monitorização da concentração de metais em água (Catling et al., 1994;

Cattaneo et al., 1995).

Grande parte dos cursos de água existentes no distrito de Koraput, Orissa (Índia) apresenta concentrações elevadas de Fe2+ e Mn2+ a juntar ao Cd2+, Cr6+, Cu2+ e Pb2+. Um extenso programa de monitorização da qualidade da água usando plantas aquáticas foi levado a cabo em 49 localidades desse distrito (Rai et al., 1996). As espécies Chara corallina e Spirogyra

spp evidenciaram-se pelo potencial demonstrado para acumular Cd2+ e Pb2+ nos seus tecidos até várias vezes a concentração da água. Os resultados mostraram uma correlação entre os níveis acumulados pelas plantas e o conteúdo de metal na água, nos diferentes locais da área estudada.

As algas verdes, especialmente do género Cladophora, são geralmente consideradas como

bons monitores biológicos da contaminação em ecossistemas aquáticos por nutrientes bem como por metais pesados. O papel desempenhado pelas algas no tratamento de águas residuais e a sua afinidade por catiões de metais pesados, baseado na elevada carga superficial negativa, tem sido reconhecido ao longo de várias décadas (Gadd, 1988). Culturas mono- espécie de algas verdes contêm proteínas (acima de 50% em peso seco), nutrientes (nitrogénio, fósforo) e podem conter variados elementos tóxicos bioacumulados. Isto corresponde a uma vantagem do ponto de vista do tratamento terciário de águas contaminadas, mas uma desvantagem se houver intenção de incorporar resíduos de algas nos alimentos para peixes ou gado ou na produção de adubos.

A espécie Cladophora glomerata é geralmente considerada como o mais adequado

biomonitor de metais pesados em corpos aquáticos (Whitton et al., 1981; Borovitzka e Norris,

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níveis dos metais tóxicos Ni(II), V(II), Cd(II), Pb(II) e Cr(VI) na lagoa de uma unidade de tratamento de águas residuais, numa refinaria em Slovnaft, Bratislava. Os resultados obtidos foram avaliados do ponto de vista da contaminação ambiental e comparados com os valores máximos tolerados de metais tóxicos em produtos agrícolas, adubos e na água, tendo sido confirmada a elevada capacidade de bioacumulação desta alga para os metais em análise. Desde há alguns anos que diversos autores têm focado os seus estudos sobre as macrófitas aquáticas como candidatos promissores à acumulação de poluentes e como biomonitores de metais pesados em ecossistemas aquáticos (Dietz, 1973; Kovacs, 1978; Heisey e Damman, 1982; Miller et al., 1983; Gersberg et al., 1986; Bishop e Taylor Eighmy, 1989; Jenssen et al.,

1993; Ozimek et al., 1993; Sen e Bhattacharya, 1994; Aoi e Hayashi, 1996; Maine et al.,

1998, 1999).

Dietz (1973), Kovacs (1978) e Kovacs et al. (1984) determinaram factores de acumulação de

10 a 106 relacionando a concentração de metal nas plantas com a concentração na água. As macrófitas foram propostas como organismos monitores da poluição em geral de sistemas aquáticos (Franzin e McFarlane, 1980; Mortimer, 1985). Contudo, tem-se demonstrado que as macrófitas obtêm uma quantidade substancial dos seus nutrientes, tais como azoto e fósforo, dos sedimentos (Bristow e Whitcombe, 1971; DeMarte e Hartman, 1974; Duarte e Kalff, 1990) comprometendo a sua aptidão como monitores da contaminação numa coluna de água (Jackson, 1998).

Um paradigma corrente é que a fonte da maioria dos elementos nutricionais das macrófitas aquáticas com raízes são os sedimentos em que as plantas estão enraizadas. Tal facto tem sido sugerido por estudos empíricos (Jackson et al., 1991, 1993) e evidenciado por medições

directas usando rádio-marcadores (Bristow e Whitcombe, 1971; DeMarte e Hartman, 1974; Jackson et al., 1994). A concentração elementar numa macrófita enraizada é normalmente

proporcional à concentração de metal nos sedimentos que lhe são subjacentes. Para macrófitas aquáticas que possuem raízes mas não têm uma ligação estreita com os sedimentos (p.ex.:

Ceratophyllum demersum, Lemna minor), a água é indubitavelmente a principal fonte de

elementos. No caso das macrófitas livres flutuantes, a água será certamente a única fonte. Cardwell et al. (2002) utilizaram igualmente macrófitas aquáticas para avaliar a poluição

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metálica em rios urbanos contaminados (Queensland, Austrália).