• Nenhum resultado encontrado

1. Introdução

4.3 Oxfam: Paraísos Fiscais, Pobreza e Desigualdade

Uma das primeiras críticas ao relatório da OCDE e a atuação da organização foi formulada pela Oxfam, em 2000. O relatório da Oxfam “Tax Havens: Releasing the Hidden Billions for Poverty Erradication” (Paraísos Fiscais: Liberando os Bilhões Escondidos para Erradicação da Pobreza”) sustentava que o tema dos paraísos fiscais recebia ainda pouca e inadequada cobertura, voltada apenas para os interesses dos governos dos países do Norte e das grandes corporações transnacionais.

Conforme as críticas feitas no relatório, as iniciativas formuladas contra os paraísos fiscais no âmbito da OCDE, das agências da ONU ligadas ao combate à lavagem de dinheiro e do Fórum sobre a Estabilidade Financeira (FSF) refletiam apenas os interesses dos Estados do Norte. O objetivo da Oxfam era demonstrar que não apenas os paraísos fiscais, mas os centros offshore eram parte do problema da pobreza global.

Para a Oxfam, as análises efetuadas sobre o tema não incorporavam os interesses dos países mais pobres, que também eram prejudicados pela economia offshore e pela utilização dos paraísos fiscais para diminuir sua base tributária, ou seja, para diminuir o dinheiro disponível ao governo para efetuar as políticas sociais necessárias e os investimentos em serviços básicos e infraestrutura. Conforme o relatório, os paraísos fiscais afetam os países pobres por meio da competição tributária e perda de receita tributária, da lavagem de dinheiro fruto da corrupção e do comércio ilegal, além da instabilidade financeira.

A Oxfam também destacava um ponto levantado também pelos próprios paraísos fiscais – de que o tratamento dado pela OCDE era parcial, culpando apenas os pequenos paraísos fiscais pelo problema da competição tributária prejudicial, enquanto a economia offshore alcança e se liga com a atividade situada em grandes centros onshore. Desta forma, o discurso contra os paraísos fiscais conjurava imagens de ilhas distantes, esquecendo que os principais centros da economia offshore são, na verdade, centros financeiros onshore, como Londres e Nova York. Enquanto o esforço da OCDE e a ameaça de retaliações era dirigido aos paraísos

fiscais, os membros da organização que também permitiam o uso de práticas prejudiciais não sofriam a mesma pressão.

A Oxfam afirmava que a linha entre a evasão fiscal e a elisão era cada vez mais difícil de ser traçada e, portanto, era difícil estimar o custo dos paraísos fiscais para a economia dos países em desenvolvimento, mas considerava que pelo menos US$ 50 bilhões de dólares por ano seriam perdidos por estes, em decorrência da competição tributária e não pagamento de tributos pelo capital móvel. Para efeito de comparação, conforme a ONG, esse valor era então o equivalente à ajuda oferecida aos países em desenvolvimento e seis vezes maior do que os custos estimados para alcançar a educação primária universal (OXFAM, 2000, p. 1).

Para combater os efeitos prejudiciais causados pela economia offshore, a Oxfam propunha que fosse adotada uma visão realmente multilateral, posto se tratar de uma questão global, e que se incluíssem os países em desenvolvimento. Para ser eficiente, o combate aos paraísos fiscais e à competição tributária internacional dependeria de uma estratégia que levasse em conta também a preocupação com a pobreza e a criação de medidas para ajudar os países pequenos e vulneráveis a diversificarem sua economia para que não mais dependessem da indústria financeira (OXFAM, 2000).

As regras do jogo deveriam fortalecer os países em desenvolvimento para que estes pudessem combater a elisão fiscal e as atividades ilícitas. Uma das contradições levantadas pela Oxfam é que em um mercado globalizado, as estruturas tributárias continuam a ter alcance primariamente nacional, o que dificulta especialmente aos pequenos países evitar a perda de receita para os centros offshore. Os países em desenvolvimento não possuem, em regra, os meios necessários para fiscalizar as técnicas avançadas utilizadas por corporações transnacionais para praticar elisão fiscal, incluindo o uso de lacunas na legislação e a ameaça da competição tributária com o efeito final de evitar pagar tributos.

A Oxfam concordava com a definição dos paraísos fiscais proposta pela OCDE (OXFAM, 2000, p. 7), no entanto, criticava a distinção feita pela OCDE entre paraísos fiscais e regimes fiscais privilegiados em países não considerados paraísos fiscais, e o fato da atenção da OCDE se voltar principalmente para os paraísos fiscais. Para a Oxfam, os países desenvolvidos eram os responsáveis pelo estabelecimento e manutenção de vários regimes fiscais privilegiados e, portanto, participantes importantes da economia offshore. Por meio da manipulação de leis e regulamentos, alguns países desenvolvidos converteram parte de suas economias em verdadeiros paraísos fiscais para segmentos do mercado globalizado. Exemplos citados pela Oxfam eram a City de Londres, no caso do eurobond, e a Bélgica, no caso das

holdings de companhias transnacionais, enquanto outros países desenvolvidos enfatizavam a oferta de segredo bancário e profissional, como a Suíça, Áustria e Luxemburgo (OXFAM, 2000, p. 8).

A principal crítica da Oxfam era justamente de que a OCDE enfatizava o combate aos paraísos fiscais enquanto ignorava o tema da elisão fiscal praticada pelas empresas multinacionais através dos bancos e instituições financeiras, o que servia para legitimar o sistema da economia offshore. A existência das ferramentas de planejamento tributário, como os trustes, é que permitia o abuso das regras por aqueles que buscam lavar fundos ou evitar pagar tributos devidos. Dessa forma, uma parcela importante do capital global situava-se fora do controle de governos nacionais ou das agências internacionais. O resultado era justamente a diminuição das receitas fiscais disponíveis para os países em desenvolvimento e um foco cada vez maior em tributação sobre o consumo e sobre o trabalho, o que explicava em parte o aumento da desigualdade de renda em grande parte dos países em desenvolvimento (OXFAM, 2000, p. 15).

Além de mencionar a corrupção e lavagem de dinheiro como problemas intensificados pela falta de regulação da economia offshore e que afetavam especialmente os países em desenvolvimento, o relatório da Oxfam também menciona o papel da economia offshore na instabilidade financeira global que caracterizou o mercado na década de 1990 (OXFAM, 2000, p. 17), outro aspecto prejudicial da economia offshore não tratado pela OCDE. Considerava que crises como a Leste Asiático e da Rússia eram intensificadas pela falta de regulação. E que, suas consequências afetavam especialmente as economias com mercados de capital menores e mais vulneráveis às flutuações rápidas que o mercado financeiro internacional integrado permitia.