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1. Introdução

1.2. Péptidos antimicrobianos e as membranas lipídicas

Uma alternativa promissora ao tratamento das infecções bacterianas com recurso às classes convencionais de antibióticos como as penicilinas, macrólidos e sulfonamidas são os péptidos antimicrobianos (AMPs) [5, 6]. Estes péptidos são considerados uma boa opção pois, para além de possuírem um vasto espectro de acção sobre bactérias, fungos, vírus e alguns sobre células cancerígenas, existem naturalmente em todas as classes de organismos, sem que os seus alvos tenham conseguido estabelecer mecanismos de resistência que impeçam a sua acção [7-9]. Para além destas características, alguns AMPs possuem a capacidade de actuar sinergisticamente com antibióticos convencionais [8, 10]. Foram já descobertos péptidos com uma elevada variabilidade sequencial, o que os torna ainda mais interessantes [9]. De forma a agrupar esta grande variedade de péptidos foram propostos quatro grupos estruturais: hélice

, folha , cíclicos e random coil [11]. Contudo, os AMPs naturais têm normalmente sequências de aminoácidos longas possuindo susceptibilidade à degradação por acção de proteases e uma baixa biodisponibilidade. Estas desvantagens têm levado ao desenvolvimento de péptidos sintéticos, com sequências de resíduos de aminoácidos menores e com pequenas substituições destes resíduos, de forma a criar novas e eficazes moléculas terapêuticas com maior estabilidade, maior actividade antimicrobiana e uma inferior citotoxicidade [12].

Os AMPs podem ser catiónicos ou aniónicos, mas uma vez que os péptidos catiónicos são os mais activos, estes são também os mais estudados [13]. Para além da carga positiva, os AMPs são na sua maioria péptidos curtos (10-30 resíduos de aminoácidos) e possuem carácter anfipático [8, 11]. Um mecanismo de acção que explique a actividade dos diferentes elementos desta classe de péptido tão diversa é irrealista, e vários mecanismos têm sido propostos na literatura. Algumas hipóteses de mecanismos sugerem que os AMPs atacam directamente e inespecificamente a membrana bacteriana permeabilizando-a. Estas permeabilização pode ocorrer ou por acumulação de péptidos à sua superfície (“carpet

mechanism”), ou por formação de poros (“barrel-stave” e “toroidal pore mechanism”).

Alternativamente, alguns péptidos parecem translocar através da membrana e actuar sobre alvos intracelulares [13, 14]. Independentemente de possuírem um alvo membranar ou intracelular, a membrana bacteriana é uma barreira com a qual os AMPs têm de interactuar para exercerem a sua actividade anti-bacteriana [14]. Uma actividade dependente de interacções péptido-membrana é a razão mais provável para a incapacidade dos microrganismos de desenvolverem resistência a estes péptidos, já que isso implicaria uma reestruturação da sua membrana, (i. e. alterar a composição ou a organização dos seus constituintes) [9, 11].

As membranas têm como função compartimentalizar a célula (membrana plasmática) ou organelos (apenas no caso das células eucariotas), sendo constituídas essencialmente por fosfolípidos e proteínas [15, 16]. Os fosfolípidos apresentam uma zona polar (cabeça hidrófila) e uma zona hidrófoba (duas cadeias acilo). Por contacto com a água estes formam uma bicamada lipídica, adquirindo uma conformação anfipática, em que as cabeças polares ficam viradas para o meio aquoso exterior e as cadeias acilo para o interior, devido ao efeito hidrófobo [16, 17]. É esta conformação que lhe permite actuar como barreira selectiva, controlando, por exemplo, os gradientes iónico e químico, essenciais à vida. Dependendo da temperatura, pressão, hidratação e constituição fosfolipídica (p.e. existência de lípidos saturados ou insaturados), a “compactação” dos fosfolípidos da membrana pode possuir

propriedades físicas distintas que são designados por: fase gel (so), fase líquida desordenada

(Ld) ou fase líquida ordenada (Lo). A fase líquida desordenada (ou fase fluida) é a mais

relevante em termos fisiológicos, já que na célula a bicamada lipídica apresenta, na sua maioria, propriedades de fase fluida [18]. Cada um dos dois folhetos constituintes da membrana, possui uma composição específica de proteínas e lípidos, fenómeno denominado por assimetria de membrana [16].

As membranas apresentam características que variam conforme o organismo onde se inserem. As membranas de mamíferos e de bactérias apresentam várias diferenças. As membranas de mamíferos são constituídas essencialmente por glicerofosfolípidos neutros em que a cabeça polar é constituída por fosfatidilcolina (PC) ou fosfatidiletanolamina (PE), por esfingolípidos como a esfingomielina (SM) e esteróis como o colesterol [16]. Já as membranas bacterianas são constituídas essencialmente por glicerofosfolípidos aniónicos como o fosfatidilglicerol (PG) e a cardiolipina (CL) sem a presença de esteróis, o que lhes confere uma superfície com carga negativa [14]. Para além da constituição lipídica, o potencial transmembranar existente nas bactérias é mais electronegativo que nas células de mamíferos, sendo de -130 a -150 mV e de -90 a -110 mV, respectivamente [14]. A existência de uma parede celular em células bacterianas, ausente nas células eucariotas também contribuí para a carga negativa existente à superfície das células bacterianas. Na parede celular de bactérias Gram-positivas existem ácidos teicóicos carregados negativamente ligados ao peptidoglicano, enquanto que na parede celular de bactérias Gram-negativas existe uma membrana externa para além da camada de peptidoglicano composta por lipopolissacárido (LPS) que também possui carga negativa. O LPS para além de conferir a carga negativa e ter uma função de suporte pode ainda actuar como endotoxina [19]. Na figura 1 encontram-se representadas paredes celulares de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas.

Figura 1 – Estrutura das paredes celulares de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas. A parede

celular de bactérias Gram-positivas, representada à esquerda, é constituída maioritariamente por uma espessa camada de peptidoglicano ao qual se ligam ácidos teicóicos (contendo resíduos de glicerol fosfato ou ribitol fosfato). A parede celular de bactérias Gram-negativas, representada à direita, possui uma camada de peptidoglicano menos espessa que as bactérias Gram-positivas. Sobre esta camada encontra-se uma nova bicamada fosfolipídica que possui polissacáridos ligados covalentemente a lípidos, formando lipopolissacáridos (LPS). Esta segunda membrana é denominada membrana externa ou simplesmente LPS. Adaptada de [20].

Os AMPs ao serem catiónicos serão mais atraídos para as membranas bacterianas, carregadas negativamente, que para as membranas de mamíferos de carga neutra o que lhes conferirá diferentes níveis de selectividade [14, 21]. Devido ao seu carácter anfipático ocorrerão primeiro interacções electrostáticas entre os resíduos básicos dos AMPs e as cabeças polares dos lípidos de membrana, podendo depois ocorrer a inserção da parte hidrófoba do péptido no interior da membrana [22]. Grande parte dos péptidos com estrutura de hélice  apenas assume esta conformação após contacto com as membranas, encontrando- se numa conformação random coil em solução [13, 22]. Já que o primeiro passo da interacção péptido-membrana passa pela existência de interacções electrostáticas, a força iónica é um factor que diminui a acção dos AMPs uma vez que enfraquece este tipo de interacção [9].

Não obstante, os AMPs têm ainda a vantagem de poderem ser aperfeiçoados por substituição de resíduos de aminoácidos [13] permitindo optimizar selectividade, toxicidade ou actividade antimicrobiana dos AMPs contra um alvo específico [10, 12]. Estudos demonstram que, por exemplo, a inserção de vários resíduos hidrófobos na sequência de

AMPs conduz a uma perda de especificidade e a um aumento de toxicidade para células de mamíferos, uma vez que facilitam a inserção do péptido na zona hidrófoba da membrana [14].