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3 PERCURSO METODOLÓGICO

3.3 Pós estruturalismo

As pesquisas organizacionais que realizam a análise do campo subjetivo baseiam-se, em sua maioria, no fato de que o homem é autônomo e que seu discurso precisa ser interpretado, para conseguir retirar, descobrir, analisar e entender o seu verdadeiro significado. Dessa forma, nem os positivistas nem as abordagens críticas estruturalistas conseguiram satisfazer as expectativas no sentido de atingir o entendimento do homem nas organizações. Como alternativa ao pensamento positivista e estruturalista emerge o pós estruturalismo (SOUZA; MACHADO; BIANCO, 2008).

A definição de pós estruturalismo não é algo simples. É preciso considerar a complexidade epistemológica. Em primeiro lugar, é fundamental dizer que é um equivoco confundir pós estruturalismo com pós modernismo, pois o primeiro não trata de uma época histórica, mas sim de uma sistematização teórica sobre as regras de linguagem e significação, enquanto o segundo é um movimento estético e artístico que abrange um campo mais amplo, referindo-se também a uma ruptura do modernismo, a um estilo e, mesmo, a uma ideologia (PETERS, 2000).

Esse referencial teórico, embora não trate de uma época histórica, representa uma continuação no tempo e, também, uma transformação e transição do paradigma do estruturalismo. Nesse foco, Peters (2000) salienta que é necessário decodificar o pós estruturalismo como uma resposta designadamente filosófica ao status pretensamente científico do estruturalismo, com pretensão a se transformar em uma espécie de mega paradigma para as ciências sociais.

O pós estruturalismo deve ser visto como um movimento que buscou descentrar as ‘estruturas’, a sistematicidade e a pretensão científica do estruturalismo, criticando a metafísica que lhe estava subjacente e estendendo-o em uma série de diferentes direções, preservando, ao mesmo tempo, os elementos centrais da crítica que o estruturalismo fazia ao sujeito humanista (PETERS, 2000, p. 10).

Nesse movimento o processo de significação contínua, central, e a fixidez suposta do estruturalismo adquirem grande flexibilidade, fluidez e incerteza. Há dois pontos comuns no estruturalismo e no pós estruturalismo. Primeiro, ambos veem a linguagem como o início ou a origem da construção da pessoa. Segundo, que ambos são anti-humanista, que significa um conjunto de suposições acerca dos seres humanos, referindo-se à ideia de que a pessoa é um agente único, coerente e racional, e autor da sua experiência e do seu significado. O conceito de diferença se radicaliza e se estende ao alcance de parecer não existir diferença. No pós

estruturalismo, radicaliza-se a crítica do sujeito do humanismo e da filosofia da consciência. Neste paradigma, o sujeito é uma ficção. Ou seja, o sujeito não passa de uma invenção social e histórica, mas radicaliza o caráter inventado deste sujeito (NOGUEIRA, 2001).

Peters (2000) argumenta que o pós estruturalismo não pode ser puramente reduzido a um conjunto de pressupostos compartilhados, a um método, a uma teoria ou até mesmo a uma escola. É melhor referir-se a ele como “um movimento de pensamento - uma complexa rede de pensamento - que corporifica diferentes formas de prática crítica. Ademais é, decididamente, interdisciplinar, apresentando-se por meio de muitas e diferentes correntes” (PETERS, 1999, p. 29).

Assim, o pós estruturalismo, embora o prefixo “pós” sugira que o pós estruturalismo seja um mero sucessor do estruturalismo, ele deve ser entendido como uma crítica às limitações do estruturalismo (PETERS, 1999). Nele, o sujeito, enquanto indivíduo, tem um lugar no sistema, o qual consiste em um papel maior do que simplesmente governá-lo. Essa posição do sujeito lhe impõe um desafio inerente às implicações do estruturalismo e foi ampliada por pensadores pós estruturalistas no que se refere às suposições tradicionais do humanismo a respeito da natureza dos indivíduos e do sujeito. Ao invés de compreendê-lo como autônomo e livre, é preciso considerar o sujeito como sendo historicamente constituído (FOUCAULT, 1991a).

Utilizar o referencial pós estruturalista neste estudo significa, em primeiro lugar, questionar de que forma configura a prática discursiva do processo de acreditação na UTI neonatal pela equipe de profissionais, quem são esses atores sociais e como esses se relacionam para garantir a melhoria contínua. Esta perspectiva teórica considera que a realidade e as verdades de cada tempo são construções sociais produzidas na tensão entre os discursos dominantes e os discursos emergentes, que procuram manter ou modificar certos entendimentos e práticas sociais estabelecidas (FOX, 1993).

Na perspectiva pós estruturalista, o objeto de saber do processo de acreditação assume uma dimensão que vai além do manual normativo, constituindo um território de encontros do indivíduo e coletivo, e é igualmente significado por dimensões subjetivas, sociais, culturais, políticas de um determinado período histórico. Ocorrem aqui um apagamento das divisões entre o micro e o macro, e a constituição de espaço social simultaneamente híbrido e próprio, que nos permite refletir com maior profundidade sobre temas e estratégias recorrentes ao projeto de gestão da qualidade (CARVALHO; GASTALDO, 2008). Estratégias aparentemente inocentes e naturais, como padronização de tarefas, paradoxalmente, podem constituir práticas de controle sobre os indivíduos e coletivos.

A visão do modelo de qualidade como representativo de um novo paradigma teórico tem sido contestada por pesquisadores da área de mudança organizacional. Para alguns autores, a qualidade total pode se entendida como um conjunto de prescrições ou receituário de como aumentar a eficiência nas organizações, um discurso ideológico, uma nova forma de apresentar velhas ideias enfeitando-as com o discurso neoliberal de mercado e como uma retórica sedutiva que acena com organizações mais democráticas e atribui novos papeis e poderes a esses trabalhadores (DU GAY; SALAMAN, 1992; TUCKMAN, 1995; WALSH, 1995). Nesse sentido, a qualidade total não constitui um paradigma, mas uma nova linguagem, que tenta atacar velhos problemas ainda não solucionados pela forma tradicional de gestão, como motivar e controlar trabalhadores a produzir sem erros. Ademais, a gestão de qualidade se espelha, em sua quase totalidade, no modelo taylorista, enfatizando a visão positivista e cientificista de ambas, teorias com orientação simplesmente para a maximização de lucros (GUERRA, 2000). Tuckman (1995) vai além a sua crítica, ressaltando que a gestão da qualidade constitui uma forma sofisticada de controle não somente do tempo e movimento, mas também da subjetividade do trabalhador.

Assim, o referencial pós estruturalista é condizente com esse estudo, por trazer uma resposta filosófica distinta aos conhecimentos estabelecidos e verdades e conceitos estruturados. A ênfase no processo de significação é ampliada para focalizar as noções correntes de “verdade”, pois a perspectiva pós estruturalista desconfia das definições filosóficas desta “verdade”. Questiona a verdade e abandona essa ênfase, destacando, ao contrário, o processo pelo qual algo é considerado verdadeiro. A questão principal não se trata da verdade, mas de “saber por que esse algo se tornou verdade”. A concepção pós estruturalista questiona a formação do sujeito unitário, racional, autônomo, centrado no que tem base em todo empreendimento pedagógico ou curricular, denunciando-os como construção histórica particular (PETERS, 1999).

O uso do referencial pós estruturalista envolve questionamentos sobre o que é realidade, quem são os indivíduos nela inseridos e que relacionamentos sociais são estabelecidos na prática cotidiana. Significa também dizer que realidades e verdades constituídas são temporais, além de serem produzidas em tensões que surgem entre discursos dominantes e emergentes, na tentativa de manter ou modificar determinadas práticas sociais estabelecidas (CARVALHO; GASTALDO, 2008).

Nesse referencial, o falar, o escrever e os encontros sociais são locais de lutas e conflitos nos quais as relações de poder se manifestam e se contestam. Assim, essa perspectiva vê na linguagem a chave para as transformações, momento em que as identidades

podem ser desafiadas e mudadas, estando a experiência pessoal potencialmente aberta a uma infinidade de possíveis significados ou construções (NOGUEIRA, 2001). Ademais, a teoria pós estruturalista apresenta o argumento de que os significados associados à linguagem nunca são fixos, mas abertos a questionamentos, contestáveis e temporários.

Dessa forma, a escolha por este referencial teórico é condizente com o objetivo proposto de analisar como se configura o processo de acreditação hospitalar na equipe multiprofissional de Unidades de Terapia Intensiva Neonatais acreditadas, partindo do pressuposto de que os profissionais de saúde não negam a existência da estrutura normativa da avaliação da qualidade mas, esses sujeitos corroboram para a manutenção ou as transformações das estruturas sociais, podendo por meio do evento discursivo, modificar, questionar ou confirmar normas, gerar ações transformadoras ou reprodutivas e acarretar mudanças no conhecimento, crenças, atitudes e valores (FAIRCLOUGH, 2003).