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3 PERCURSO METODOLÓGICO

3.7 Tratamento dos dados

Não há procedimento fixo para se fazer análise de discurso, podendo ser “abordadas de diferentes maneiras de acordo com a natureza específica do projeto e suas respectivas visões do discurso” (FAIRCLOUGH, 2006, p. 275). Normam Fairclough, um dos teóricos da análise crítica de discurso mais citados e resgatados em estudos organizacionais, foi utilizado para orientar a análise dos dados nesta pesquisa. Sua teoria pressupõe a utilização de um esquema tridimensional de análise, no qual a análise do evento discursivo tem como base a ideia de, simultaneamente: dimensão textual, que pressupõe a análise do conteúdo, da estrutura e do significado do texto; instância da análise prática discursiva, considerando os significados e as crenças; e instancia de prática social, levando em consideração o contexto em que o discurso foi originado (FAIRCLOUGH, 2001; HARDY, 2001).

Assim, a análise do discurso produzido pelo contato real, simbólico e ou imaginário dos sujeitos com determinados temas permitirá identificar aspectos mais subjacentes às organizações, “proceder inferências fundamentadas em indícios, injunções e intuição e interpretar as mensagens explícitas e implícitas desvelando possíveis sentidos ocultos, silêncios e omissões” (COSTA, 2010, p. 115). Em consonância, a própria autora ressalta que

os discursos trazem consigo certo numero de silêncios, conotações obscuras, as quais são passíveis de investigações que desvendem as intenções ocultas, pressuposições veladas e ambiguidades explícitas.

Existem pontos que podem ser tomados como diretrizes gerais, indicadoras dos principais elementos e das considerações que se aplicam à análise de discurso. Nesse tipo de análise existem três principais itens: os dados; a análise; e os resultados. Todos que serão abordados a seguir.

Os dados podem ser segmentados em definição de um projeto, corpus, ampliação do corpus, transcrição e codificações e seleção do corpus. Os projetos de pesquisa que utilizam a análise de discurso devem ser idealmente um empreendimento interdisciplinar, sendo, portanto, mais sensíveis quanto às formas particulares de prática social e suas relações com a estrutura social. O conteúdo e a estrutura de um corpus vão depender da natureza dos dados requeridos que variarão de acordo com o projeto e suas questões de pesquisa. Naturalmente, trabalhar sobre o corpus pode alterar o mapa preliminar, pois o corpus pode então ser ampliado por dados suplementares.

O corpus pode ser considerado não como totalmente constituído antes do início da análise, mas aberto e com possibilidades de crescimento em respostas às questões que surgem na análise. O discurso falado precisa ser transcrito, sendo este um processo difícil e que consome muito tempo. Neste estudo, optou-se pela transcrição na íntegra, como forma de assegurar a integralidade dos discursos. As amostras podem ser selecionadas com base em um levantamento preliminar do corpus, de forma a trazer percepções e contribuições ao discurso da prática social sob escrutínio. Uma estratégia recomendada de seleção consiste em focalizar os pontos críticos e os momentos de crise. Tais momentos tornam visíveis aspectos de práticas que devem ser normalmente naturalizados e, portanto, dificultar a percepção, mas também mostram mudança no processo, formas reais pelas quais as pessoas lidam com a problematização das práticas.

A condução da análise deste estudo seguiu a recomendação da progressão verbal: análise das práticas discursivas (no nível da microanálise),

focalizando a intertextualidade e a interdiscursividade das amostras do discurso; análise dos textos, entendida como microanálise; e a análise da prática social da qual o discurso é uma parte [...]. Não é necessário proceder nesta ordem, e os analistas podem começar da análise do texto ou da análise da prática social. A escolha dependerá dos propósitos e da ênfase da análise (FAIRCLOUGH, 2006, p. 282).

Deve-se ter em mente que durante a análise há uma constante alternância de foco da particularidade da amostra discursiva para o tipo de discurso que ela delineia e as configurações dos tipos de discurso para os quais está orientada.

A prática discursiva, então, pode ser representada por três dimensões: a interdiscursividade e a intertextualidade que focalizam a produção de texto; as cadeias intertextuais, para a distribuição do texto; e a coerência, para o consumo deste. Estas dimensões são complementadas pelas condições da prática discursiva que apresentam aspectos sociais e institucionais. Salienta-se que a intertextualidade manifesta (onde no texto que recorre explicitamente a outros textos específicos) e interdiscursividade se configuram em convenções discursivas.

O texto possui como dimensões de análise: o controle interacional, a coesão, a polidez, o ethos, a gramática, a transitividade, o tema, a modalidade, o significado e a criação de palavras e a metáfora. Enquanto prática social para uma orientação aproximada, possui como quesitos de análise: a matriz social do discurso, cujo objetivo é especificar as relações e as estruturas sociais e hegemônicas que constituem a matriz dessa instância particular; as ordens de discurso, que especificam o relacionamento da instância da prática social e discursiva e os efeitos ideológicos e políticos do discurso, como o sistema de conhecimentos e crenças; as relações sociais; e as identidades sociais.

Por fim, nos resultados destaca-se que os analistas têm algum controle sobre como os resultados são usados, mas nunca total controle depois que estes caem no domínio público. Isso pode gerar um processo de tecnologização do discurso que usa a pesquisa para redesenhar as práticas discursivas e treinar as pessoas para usar novas práticas discursivas com a qual discorda Fairclough (2006).

De forma complementar à discussão, Orlandi (2009) alerta para a diferença entre o dispositivo teórico de interpretação (que se mantém inalterado, como os princípios gerais da análise de discurso, como forma de conhecimento com seus conceitos e métodos) e os diferentes dispositivos analíticos à disposição dos pesquisadores. O dispositivo teórico da interpretação, que objetiva mediar o movimento entre a descrição e a interpretação, apresenta- se como parte da responsabilidade do analista e parte derivada da sustentação com rigor do método e no alcance da análise de discurso.

Dessa forma:

Cada material de análise exige que seu analista, de acordo com a questão que formule, mobilize conceitos que outro analista não mobilizaria, face a suas outras questões. Uma análise não é igual a outra porque mobiliza conceitos diferentes e isso tem resultados cruciais na descrição dos materiais. Um

mesmo analista, aliás, formulando uma questão diferente, também mobiliza conceitos diversos, fazendo distintos recortes conceituais. Por isso distinguimos entre o dispositivo teórico da interpretação, tal como tematizamos, e o dispositivo analítico construído pelo analista a cada análise (ORLANDI, 2009, p. 27).