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A ESFERA PÚBLICA E AS INSTITUIÇÕES NO REPUBLICANISMO DE PHILIP PETTIT: UM CONTRAPONTO A HANNAH ARENDT E JÜRGEN HABERMAS

2 ESFERA PÚBLICA E DEMOCRACIA: O PODER JUDICIÁRIO COMO INSTITUIÇÃO REPUBLICANA

2.3 A ESFERA PÚBLICA E AS INSTITUIÇÕES NO REPUBLICANISMO DE PHILIP PETTIT: UM CONTRAPONTO A HANNAH ARENDT E JÜRGEN HABERMAS

Até o presente estágio da dissertação, foram apresentadas duas concepções de esfera pública, originadas dos pensamentos de Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Torna-se necessário, portanto, comparar tais correntes de pensamento à filosofia de Philip Pettit, no que tange ao tema da esfera pública, na medida em que o conceito não-dominação51 contido na obra de Pettit norteia a presente dissertação.

A concepção de esfera pública no republicanismo de Philip Pettit se ancora na ideia de uma vida pública em comunidade que seja pautada em crença ou conhecimento comum (PETTIT, 2002, p. 165)52; tudo aquilo que acontece na política será parte da vida pública e, portanto, essencial para a liberdade do povo, seja contra o imperium (do governo) ou o

dominium (dos demais cidadãos). Portanto, é necessário que a consciência comum – e,

portanto, a vida pública – seja permeada pela repulsa à dominação, ou seja, que a própria sociedade tenha a crença comum de que a não-dominação é desejável e deve ser perseguida pelo Estado (PETTIT, 2002, p. 166-170)53.

No entanto, a criação de uma consciência comum em prol da não-dominação entre particulares (dominium) possui grandes dificuldades, relacionadas, respectivamente, à esfera pública, informação pública e formação da opinião pública: i) em primeiro lugar, existe uma perda de esfera pública, posto que questões como a violência urbana têm ilhado os indivíduos em seus lares, escritórios, locais de trabalho, impedindo relações intersubjetivas com pessoas pertencentes a classes distintas e, com isto, torna-se impossível desenvolver uma ideia de

51 Importante retomar o que foi explicitado no tópico 1.2, no sentido de que a não-dominação surge na teoria

republicana da liberdade, no entanto, é elevada a ideal principal de uma república, servindo, portanto, de critério para conceituação de outros bens políticos, como a justiça e a igualdade. Assim, ainda que liberdade, justiça e igualdade sejam bens distintos, no republicanismo devem se pautar no conceito de não-dominação.

52 No mesmo sentido, “A vida pública é o espaço social, que o Estado deve promover e garantir para que não

haja qualquer forma de dominação. A vida pública ou esfera pública se constitui como espaço comunitário de discussão de assuntos de conhecimento e de crença comum e promove o controle legal e democrático das formas de governo republicano” (PAULO NETO, 2015, p. 92, grifos do autor).

53 Não significa, contudo, que a consciência comum seja apenas a repulsa à dominação. A obra de Pettit faz

referência à consciência comum, que emerge da vida em comum, sem refutar a existência de consensos, embora estes não garantam a liberdade.

crença ou interesse geral, bem como uma expectativa do que se espera enquanto sociedade; ii) em segundo lugar, dada a ausência de interação em uma esfera pública, há o risco de formação da opinião pública pela mídia, que se pauta em interesses comerciais, tem grande apelo sensacionalista e ainda retrata uma manifestação unilateral dos fatos; iii) em terceiro lugar, há o problema de como a opinião pública é formada nas sociedades democráticas, especialmente em razão da mídia, que promove especulações por intermédio de enquetes e entrevistas direcionadas (PETTIT, 2002, p. 167-168).

Para superar tais dificuldades, com o fito de promover uma consciência comum e, portanto, uma vida pública sem dominium (dominação entre particulares), Pettit sugere: i) deve haver um compromisso político em desenvolver um ambiente público e compartilhado, como, por exemplo, o Estado criar formas de o espaço público se mostrar mais interessante do que o privado; ii) impedir a concentração da propriedade dos meios de informação, mediante a implantação de uma regulação da mídia, fomento de mídias comunitárias e promoção de diversificação de interesses na mídia; iii) a formação de opinião pública, especialmente pela mídia, não ser pautada em entrevistas e enquetes manipuladoras, mas, por exemplo, na transmissão de debates e discussões realizadas entre os próprios populares, que promove chances de o povo deliberar e criar uma opinião própria (PETTIT, 2002, p. 168-169).

Por outro lado, um Estado que seja adepto às causas republicanas necessariamente realiza interferências na vida do cidadão e, portanto, há grande potencialidade de se tornar uma fonte de dominação, caso haja arbitrariedade54. Por esta razão, para assegurar o cidadão contra o imperium (dominação praticada pelo Estado), Pettit apresenta condições para um Estado republicano, pautadas no constitucionalismo e na democracia.

Em relação ao constitucionalismo, sustenta a necessidade: i) de um império do direito, em detrimento de um império pessoal, o qual exige leis aplicáveis igualmente a todos, que sejam conhecidas pelos seus destinatários, além de ser racional, inteligível, consistente e não suscetível de mudanças constantes; ii) de uma condição de dispersão de poder, como, por exemplo, na separação de poderes (ou organização dos poderes), no bicameralismo do poder

54 “The agencies of the state, including the state that is devoted to republican causes and policies, interfere

systematically in people´s lives: they coerce the people as a whole through imposing laws in common upon them, and they coerce different individuals among the populace in the course of administering that law and applying legal sanctions. If the interference that the state practises in these ways is allowed to be arbitrary, then it will be itself a source of unfreedom. And so the question with which we shall be concerned comes immediately into relief. How can the state be organized so that state interference involves little or no arbitrariness?” (PETTIT, 2002, p. 171).

legislativo; iii) o respeito à condição contramajoritária, de maneira que o poder estatal, mesmo que separado em órgãos e funções, não pode ser concentrado nas mãos dos mesmos grupos ou interesses, inclusive exigindo a promulgação de “leis boas”, ou seja, de leis cujo critério de legitimidade está no fato de promover a não-dominação geral, e não por ter apoio da maioria (PETTIT, 2002, p. 172-182).

Em relação à democracia, há também exigências para se evitar o imperium, a saber: i) a contestabilidade, pois as decisões estatais devem perseguir os interesses e ideais dos cidadãos que serão afetados pela decisão, e, portanto, se não for este o caso, deve haver formas de contestar a decisão e evitar que ela seja imposta unilateralmente pelo Estado; ii) a democracia, mas que seja pautada principalmente em critérios de contestabilidade, e não de consenso (PETTIT, 2002, p. 185)55 e, para tanto, requer-se uma republica deliberativa, em que os processos de decisão sejam na forma de debate racional, e não de barganhas, e que, além de deliberativa, seja inclusiva (representatividade de grupos minoritários e excluídos) e responsiva (que haja fóruns para deliberação, em que a contestação possa ser externalizada e, principalmente, considerada, ponderada pelos agentes aos quais se dirige a contestação) (PETTIT, 2002, p. 183-205).

Dito isto, se constata que em Pettit a esfera pública é centrada nas instituições estatais, as quais constituem a liberdade enquanto não-dominação. Mesmo a formação de uma consciência comum republicana requer atuação do Estado, conforme mencionado acima.

A participação positiva do cidadão se desenvolve principalmente no aspecto eleitoral da democracia, naquilo que Pettit apelida de dimensão autoral da democracia, quando o cidadão elege seus representantes, e estes atuam na esfera pública em nome do povo, na persecução dos interesses comuns assumidos.

Afora isto, a participação do cidadão e dos grupos possui um status predominantemente negativo, na forma de contestação, no que Pettit denomina de dimensão editorial da democracia, na qual o cidadão pode reprovar e rejeitar uma decisão estatal, quando esta não corresponder aos interesses comuns assumidos e, portanto, configurar dominação.

55 “But democracy may be understood, without unduly forcing intuitions, on a model that is primarily

contestatory rather than consensual. On this model, a government will be democratic, a government will represent a form of rule that is controlled by the people, to the extent that the people individually and collectively enjoy a permanent possibility of contesting what government decides” (PETTIT, 2002, p. 185)

Conforme exposto no capítulo 1, a viabilidade de um regime contestatório exige recursos procedimentais (limitação material e limitação do processo de decisão), recursos consultivos e recursos apelativos. O republicanismo de Pettit defende que o Estado consulte seus cidadãos e que as democracias desenvolvam formas de participação pública na tomada de decisão. No entanto, diferentemente das teorias que encampam o conceito de liberdade positiva, como o republicanismo neoateniense de Hannah Arendt, não é esta participação positiva na tomada de decisões que assegura a liberdade como não-dominação, tampouco se pode exigir do cidadão a presença diuturna nos processos de decisão pública. O Estado deve possibilitar a participação positiva na tomada de decisões, mas o que garante a não-dominação é constante viabilidade de contestar as decisões estatais – uma participação negativa.

Assim, na medida em que o Estado deve pautar sua atuação (positiva) no interesse comum, este é captado pelo governo mediante recursos consultivos – instituições que permitem ao cidadão participar positivamente na criação de decisões públicas – e recursos procedimentais que limitam o processo de tomada de decisão – tais como o império da lei, a separação de poderes, bicameralidade, os mandatos políticos com tempo definido etc56.

Interessante notar um paradoxo: a participação positiva – isto é, a criação de políticas e a tomada de decisões estatais – se dá primordialmente por uma democracia indireta, representativa, ao passo que a participação negativa – isto é, a contestação de decisões estatais que promovem dominação – se dá mediante uma democracia direta, exercida pelo próprio cidadão ou movimento social vítima da dominação.

Também é de grande importância notar a tônica nas instituições e no Estado, em ambos os aspectos da participação na vida pública. A participação positiva, que é realizada indiretamente pelos representantes do cidadão (e não por este, diretamente), ocorre no seio do Estado e, por isto, há todas as exigências de organização, controle e dispersão de poder (federalismo, separação de poderes, bicameralismo etc.). Já a participação negativa, exercida diretamente pelo cidadão, na forma de contestação, exige instituições estatais que promovam uma democracia contestatória, inclusiva, responsiva e deliberativa, com fóruns para o exercício da voz.

56 Não se pode olvidar que é um primado do republicanismo que o governante seja cidadão, ou, dito de outra

maneira, antes de ser governante, é um cidadão, e continua sendo após receber o mandato. Por esta razão, ao ocupar um cargo eletivo, o cidadão-governante conhece os interesses comuns, pois também está inserido na esfera pública, e deles não pode desviar, caracterizando a dominação.

Constata-se, ainda, que a esfera pública de Pettit se localiza a meio caminho de concepções comunitárias e liberais (SILVA, 2007, p. 199-220): por um lado, em aproximação ao comunitarismo e afastamento do liberalismo, a república exige uma esfera pública que seja permeada por interesses comuns57 dos cidadãos, inclusive uma consciência comum da necessidade de promoção da não-dominação enquanto ideal superior; por outro, se aproximando do liberalismo e afastando do comunitarismo, o republicanismo de Pettit não exige uma participação ativa do cidadão individualmente considerado na criação das decisões políticas, nem se ancora em conceitos fortes de virtude cívica, de sorte que não há uma obrigação ou dever moral de participação, senão apenas a possibilidade, sobretudo no que diz respeito ao exercício da voz de contestação58.

Feitas estas pequenas observações acerca da esfera pública no republicanismo de Philip Pettit – “pequenas” especialmente porque sua teoria da liberdade foi abordada de maneira minuciosa no capítulo 1 –, resta comparar tal concepção de esfera pública às ideias defendidas por Hannah Arendt e Jürgen Habermas.

O republicanismo de Hannah Arendt se pauta num conceito positivo de liberdade, na medida em que a participação política é sinônimo de liberdade; é a ação (participação política) na esfera pública que constitui a liberdade, ideia esta retirada do pensamento dos gregos antigos. Defende-se um modelo de republicanismo em que a participação é necessária, e o conceito de cidadania é definido em função desta: ser cidadão é participar da esfera

57 Para Pettit (2007, p. 217), os interesses comuns se apresentam como “considerações cooperativamente

admissíveis”, isto é, questões que alguém pode levantar e sustentar no discurso público como sendo relevantes e que devem ser levadas em consideração, sem gerar qualquer constrangimento ao agente. Há momentos em que os indivíduos se inserem em contextos comunicacionais com vistas a solucionar questões comuns, que vão além de interesses individuais, egoístas ou seccionais. Entretanto, neste processo comunicativo, a pretensão não é alcançar consensos positivos, mas permitir a contestação dos atos estatais. Neste sentido, convém transcrever a lição de Ricardo Silva: “O interesse comum não é um fato dado de antemão e capaz de expressar-se de modo objetivo. Sua explicitação pressupõe a existência de um amplo fluxo comunicativo entre os indivíduos afetados pelas decisões públicas. É exatamente esse fluxo comunicativo que torna possível conceber o conjunto dos indivíduos de uma população como um público. Isso ocorre quando os membros de uma população "transcendem seu fechamento individual. Eles conversam e trocam idéias sobre questões de preocupação comum, questões do momento político, e o fazem com algum propósito ou efeito" (PETTIT, 2004, p. 75). Esse intercâmbio de idéias sobre preocupações comuns com vistas a um propósito comum pressupõe um estoque de concepções e crenças que se estabelece como base do processo comunicativo. No entanto, não é a persecução do consenso o aspecto distintivo da versão neo-romana da democracia deliberativa. Mais importante que o alcance do consenso positivo entre os membros de uma comunidade é a possibilidade de ampla contestação das ações governamentais. "O que importa não é a origem histórica da decisão em alguma forma de consenso, mas sua responsividade modal ou contrafactual à possibilidade do dissenso" (PETTIT, 1997, p. 185)”

58 Como mencionado anteriormente, devem existir recursos consultivos – para que o Estado mantenha diálogos

aos seus cidadãos sobre os assuntos de interesse comum – e apelativos – que possibilitem o exercício de voz de contestação. Na teoria republicana de Pettit, não é a participação nos recursos consultivos que asseguram a liberdade, senão a possibilidade de exercício de voz de contestação. Dessa forma, a participação é instrumental, e nunca uma obrigação ou dever do cidadão.

pública (RODRIGUES, 2010, p. 81-93).

Noutra vertente, a análise de uma esfera pública no republicanismo de Pettit apresenta grande relevância e, ao mesmo tempo, dificuldade, dada a conceituação de liberdade assumida pelo autor, que se diferencia, de antemão, de Hannah Arendt, na medida em que adota um conceito negativo de liberdade enquanto não-dominação, em detrimento de um conceito positivo ancorado na participação ativa do cidadão na esfera pública, para construção da sua liberdade.

Como demonstrado no capítulo 1, o republicanismo de Philip Pettit não apenas conceitua a liberdade como ausência de dominação (não-dominação), mas também eleva a não-dominação ao ideal supremo de uma república – o objetivo principal a ser perseguido pelo Estado e pela sociedade e, por esta razão, entendido, inclusive, como o referencial de justiça (PETTIT, 2002, p. 80-81). Por isso, diferentemente de Arendt, o republicanismo defendido por Pettit, em vez de se assentar precipuamente nos gregos antigos, retoma o pensamento romano, sobretudo de Cícero, com base no qual a participação política não se apresenta como uma necessidade, mas apenas de forma instrumental: na medida em o conceito de cidadania e de ser “seu próprio senhor” (self mastery) consiste em não sofrer dominação (interferência arbitrária), a participação política indispensável para a promoção da não-dominação consiste em o indivíduo exercer a contestação no seio das instituições. Portanto, a esfera pública, mais do que um espaço de participação para a criação de algo (como um consenso), se trata de um espaço institucionalizado onde se franqueia ao indivíduo o exercício da voz para contestar a dominação59.

Já numa comparação do autor neorrepublicano ao pensamento de Habermas, constata- se que este entrelaça os conceitos de esfera pública, razão e ação comunicativa e democracia, de maneira que entende a esfera pública como qualquer locus em que os cidadãos, no uso da razão comunicativa e mediante discursos racionais, chegam a um consenso – que consiste na opinião pública, a qual serve de parâmetro de legitimidade da atuação do Estado. Portanto, na democracia deliberativa proposta por Habermas, a legitimidade do Estado e da lei recai sobre consensos criados em discursos racionais entre cidadãos utentes da razão comunicativa.

É possível perceber semelhanças entre o pensamento habermasiano e o

59 A participação ativa e positiva é desejável, no entanto, o que assegura a não-dominação é a possibilidade de

neorrepublicanismo de Pettit, posto que este também defende a necessidade de uma democracia deliberativa60 que seja pautada em argumentos racionais – em detrimento de manifestações de vontade ou resultantes de barganhas. Há quem afirme (PAULO NETO, 2015, p. 80), inclusive, que a teoria democrática de Pettit faz referências à teoria da ação comunicativa de Habermas – sobretudo porque os primeiros escritos de Pettit, no início da década de 1980, analisavam a obra de Habermas. Neste sentido,

A teoria democrática de Pettit permite a aplicação da teoria filosófica de Habermas no que se refere à prática dos atores políticos como vigilantes das ações do Estado. (...). A teoria democrática procedimental de Habermas fornece uma sólida argumentação para a estruturação do debate racional entre os cidadãos. Uma importante característica comum entre as duas teorias é a ênfase na deliberação pelos cidadãos. A teoria republicana de Pettit permite avançar na reconstrução normativa do Estado democrático de direito pelos mecanismos de contestação. Não obstante, a teoria de política deliberativa de Habermas possibilitou a estruturação dos discursos racionais em uma arena de debates. A política deliberativa de Habermas possui eco na forma de democracia contestatória de Pettit, porque aquele modelo de deliberação se constitui em um ideal regulativo para o acordo entre as partes em conflito (PAULO NETO, 2015, p. 98).

No entanto, há também substanciais diferenças entre a democracia (deliberativa) contestatória de Pettit e a democracia deliberativa de Habermas, pois Pettit refuta expressamente o consenso enquanto parâmetro de legitimação da ação estatal, no sentido de que o consenso é incapaz de impedir a dominação, diferentemente da contestabilidade.

Não se pode esquecer a crítica formulada por Fraser (1997, p. 71-77), no sentido de que Habermas trabalha um modelo normativo idealizado61 de esfera pública burguesa e liberal: a normatividade e idealização consistem no fato de se conceber a esfera pública como uma arena de discussão racional e irrestrita de assuntos de interesse comum. Entretanto, quando transposta a normatividade e idealização, se constata que, em verdade, se tratava de uma esfera marcada por “um número significativo de exclusões”, na medida em que era uma arena restrita a homens burgueses. Por conta disso, a obra de Habermas não apenas idealiza

60 “A contestatory democracy will have to be deliberative, requiring that decisions are based on considerations of

allegedly common concern, if there is to be a systematically available basis for people to challenge what government does; the challenge may be that the considerations invoked are not appropriate, or that the initiative taken is not supported by them” (PETTIT, 2002, p. 277). No mesmo sentido, “I conclude, to return to the general line, that the various arguments in the literature for deliberative democracy are consistent with the republican way of resolving the question that the discursive dilemma raises. The republican concern with contestability gives powerful reason for wanting democratic procedure to be deliberative, where possible, in a way that imposes the discipline of reason at the collective level. And the other considerations that are more generally invoked to support deliberative democracy do not represent countervailing forces” (PETTIT, 2001, p. 268-299).

61 Sobre a excessiva idealização, Ian Shapiro (2011, p. 10) tece uma crítica foucaultiana à “situação ideal de fala”

exigida por Habermas para a construção de “políticas genuinamente democráticas”. Para Shapiro, a ausência de dominação nas relações discursivas e comunicativas (situação ideal de fala) não sobrevive a verificações fáticas, sendo, portanto, um excesso de racionalismo.

sobremaneira a concepção burguesa de esfera pública, sem perceber as exclusões que ela promove, como também ignora outras formas de esfera pública que não são burguesas, nem liberais, tais como a esfera pública negra, e ainda outras formas múltiplas de acessar a esfera pública. Por conta disso, Fraser62 sublinha a existência de vários conceitos de “público” em constante conflito, de maneira a ratificar o pensamento de Geoff Eley, segundo o qual “a esfera pública sempre foi constituída do conflito” (ELEY apud FRASER, 1997, p. 75).

No mesmo sentido, Marcelo Neves constata que a sociedade contemporânea é muito mais plural e complexa que as ideias de intersubjetividade, agir comunicativo e mundo da vida defendidas por Habermas (NEVES, 2006, p. 125). Para Neves (2006, p. 127), o mundo da vida não possui apenas ações orientadas ao entendimento e criação de um consenso – como sustentava Habermas –, mas também ações orientadas ao êxito (ações estratégicas, típicas do “sistema”, que se opõe ao mundo da vida), comportando também desentendimento e dissenso. Em suas palavras,

Nessa perspectiva, deve-se observar não apenas que no mundo da vida estão presentes ações estratégicas. Além disso, deve ter-se em consideração que a